Enquanto o vizinho Mato Grosso virou o 'Texas Brasileiro', o povo de MS mostra que o Velho Oeste por aqui tem sotaque, churrasco e muito bom humor.

Entre o tereré e o chapéu, MS chega aos 48 anos com fama de
Fama de "velho Oeste Brasileiro" de MS tem razão de ser? / Foto: Fábio Paschoal

Mato Grosso do Sul chega aos 48 anos vivendo um momento curioso: de uns tempos pra cá, o estado vem ganhando o apelido de “Velho Oeste Brasileiro”, e o povo parece ter gostado da ideia. Chapéu, bota, comitiva, tereré… tudo ajuda a compor o cenário. Mas, afinal, de onde vem essa história?

O historiador e influenciador Alexandre Goicochea, o Goico, explica que a comparação até tem um fundo histórico. “Durante o governo Vargas, aconteceu a Marcha para o Oeste, um projeto parecido com o dos Estados Unidos. Por isso, tentam emplacar algo assim por aqui”, conta. Só que, segundo ele, o movimento tinha um propósito bem brasileiro: consolidar o território e o ideal nacional da Era Vargas.

O período mencionado por Goicochea teve início em 1937. Porém, antes disso, Vargas assumiu o poder com o Governo Provisório, que foi de 1930 a 1934, após a Revolução de 1930. Posteriormente, no Governo Constitucional, que foi de 1934 a 1937, foi promulgada a constituição de 1934, estabelecendo, assim, um período democrático, ao passo que o cenário mundial apontava para o estabelecimento de ditaduras.

De 1937 a 1945, no Estado Novo, foi instaurada uma ditadura e promulgada a Constituição de 1937, que fechou o Congresso e reprimiu opositores políticos. É neste cenário que se inicia a Marcha para o Oeste.

Voltando para os dias atuais, mas falando sobre a questão identitária de MS - o desafio em consolidar a nossa própria identidade cultural e coletiva de maneira forte e inequívoca é existente, mesmo quase 50 anos após a divisão do antigo Mato Grosso, que deu origem a Mato Grosso do Sul.

Para alguns, a dificuldade em discernir entre MS e MT pode se assemelhar a um apagamento histórico da nossa identidade, mas Goico vê de outra maneira. " A grande questão da divisão se baseia na construção e fortalecimento de uma identidade. Até hoje precisamos reforçar as características e diferenças de MS quando vemos falas na imprensa no geral. Penso que o modo como foi feita a divisão, sem uma participação popular, e a ausência de um projeto de estado ocasionaram essa falta de integração com o restante do Brasil", explica.

Felizmente, temos "jogo de cintura" e essas diferenças se manifestam sem revanchismo ou bairrismo barato, de forma leve: enquanto o Mato Grosso tem se tornado o “Texas Brasileiro”, muito mais por sua ligação com o agronegócio, o MS acabou abraçando o papel do Velho Oeste, com seu charme de comitiva e cheiro de churrasco, embora também seja forte no agro. “Foram épocas diferentes”, explica Alexandre. “Aqui o foco era expandir o controle das terras e fortalecer a ideia de nação.”

O sul-mato-grossense é bem-humorado?

O humorista Fred Oshiro também embarcou na brincadeira e diz que, por aqui, o clima é de faroeste até na Capital, mas que isso não o assusta. “Medo não dá não, até porque o que de pior poderia acontecer? Uma capivara atirar em mim?”, brinca. Ele ri ao dizer que a fama começou quando “o jacaré do Lago do Amor mordeu o ombro do rapaz”. É... não dá pra discordar muito, não é?

Com seu humor característico, Fred garante que seria o primeiro a fugir de um duelo. “O sol do meio-dia já é um duelo. Se eu ficar esperando, derreto antes do primeiro tiro”, diz, rindo. E completa: “O trânsito aqui é puro faroeste: ninguém dá seta, cada cruzamento é um duelo. Aqui a gente brinca de esconde-esconde com onça pintada, só não conseguimos encontrá-la.”

Fama de "velho Oeste Brasileiro" de MS tem razão de ser? Fred encara com bom-humor o "jeitinho sul-mato-grossense" de ser

Para ele, o humor é a melhor forma de traduzir o jeito de ser do sul-mato-grossense. “A gente mostra que é mais que boi e sertanejo, é criativo, irônico... só não gostamos de dar bom dia”, brinca. E ainda reforça, em tom de desabafo e orgulho: “Aqui é Mato Grosso do SULLLLL!” E é claro, todo sul-mato-grossense que se preze - de nascimento ou de coração - vai pegar a referência nesta!

Na internet, o influenciador e comediante Higor Alexandre diz que a fama de “Velho Oeste” caiu bem. “Acho que é uma combinação de tudo: o chapéu, o sotaque e o jeito sem paciência pra enrolação”, brinca. Ele ainda lembra que o estado tem atletas de rodeio que brilham até no estado da estrela solitária, o Texas de verdade - e que lá nos Estados Unidos não fica exatamente no oeste, mas sim na fronteira com o México ao sul -, o que deixa o título mais divertido ainda.

Fama de "velho Oeste Brasileiro" de MS tem razão de ser? Para Higor, o humor do campo-grandense é seletivo.

E se fosse um faroeste de humor, Higor garante que subiria no palco como o “pistoleiro das piadas rápidas”. Ele ri ao dizer que o público campo-grandense “tem o riso seletivo” e que “pra fazer o pessoal daqui rir tem que suar”. Mesmo assim, ele acredita que o humor ajuda a quebrar estereótipos. “O peão é visto como limitado, mas através do humor mostramos que é uma cultura [de MS] forte e respeitosa.”

Gastronomia para comer rezando

Já na cozinha, o chef e influenciador Bruno Xavier vê o mesmo espírito. “O sul-mato-grossense é meio cowboy mesmo, trabalhador, gosta da lida, do mato, do simples, mas também de aproveitar a vida”, diz, rindo. Para ele, a gastronomia também conta essa história. “Nossa comida mistura Paraguai, Bolívia e Sul do Brasil. É rica e cheia de personalidade. A comida daqui mostra quem a gente é: um povo que valoriza o que vem da terra e gosta de mesa cheia.”

Para Bruno, os sabores que melhor traduzem o estilo de vida típico do oeste do Brasil são muito específicos. "Sem dúvida o churrasco de chão, a costela , o arroz carreteiro e o macarrão de comitiva. São pratos que pedem tempo, fogo e gente por perto. aquele almoço que começa de manhã e só termina no fim da tarde, com risada e música boa", comenta.

Fama de "velho Oeste Brasileiro" de MS tem razão de ser? Para Bruno, o sabor do Velho Oeste Brasileiro seria carne assando lentamente no fogo de chão

Mas e se o “Velho Oeste Brasileiro” fosse resumido a um sabor? Bruno responde sem pensar: “Seria o gosto da carne assando devagar no fogo de chão, com aquele cheirinho de fumaça. A gente gosta de estar junto, de celebrar o simples, de viver o agora, assevera.”

No fim das contas, entre o riso dos humoristas, as lembranças do historiador e o tempero do chef, o “Velho Oeste” de Mato Grosso do Sul parece ser menos sobre pistolas e mais sobre pertencimento: um lugar onde tradição e identidade se constroem no compasso da comitiva e no calor de uma roda de tereré, com muito bom humor, hospitalidade e orgulho de ser - e dizer bem alto, para que todos ouçam - Mato Grosso do Sul.