A jovem ingressou na universidade sob autodeclaração de etnia parda, no entanto, dois anos depois teve a afirmação invalidada pela instituição.

Aluna de medicina ganha acordo com UFGD e vai continuar curso por cota
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Uma estudante de 20 anos, acadêmica do curso de Medicina da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), conseguiu na justiça um acordo com a instituição após ter sido declarada inválida pela cota ao qual teve ingresso à formação.

A jovem iniciou os estudos no ano de 2016, quando foi aprovada ao curso mais concorrido da universidade com apenas 16 anos. Ela se declarou como parda, teve parecer legitimado, e após dois anos de formação acabou sendo chamada para reavaliar a autodeclaração racial.

Ao passar pelos analistas da UFGD, a acadêmica teve parecer contrário ao apresentado no início do curso. Desde então uma batalha na justiça passou a ser travada no intuito de recuperar a legitimidade de estudos.

O Ministério Público Federal reconheceu que o edital do vestibular ao qual a estudante teve acesso, teve os critérios sobre cotas comprometido.

"[O MPF] narra que há tratativas junto à UFGD para adoção de medidas compensatórias a população negra e parda. A UFGD tardou 7 anos para constituir a comissão de heteroidentificação, portanto, executou mal (muito mal) a políticas de cotas nos anos anteriores, dando causa a toda essa problemática". Menciona que, atualmente, nos editais de concurso vestibular da UFGD, todos "os critérios estão definidos, o critério fenótipo é indicado de forma expressa, ao contrário de todos os editais anteriores onde sequer o tempo fenótipo é citado", afirma trecho da decisão.

A decisão do juiz da 1ª Vara Federal de Dourados ainda ressalta que a autodeclaração por etnia parda é ainda um impasse, já que muitos, apesar de não integrar o grupo racial, se reconhecem assim de forma espontânea, sem qualquer intenção de benefício em detrimento do outro.

"É importante ressaltar que o fenótipo associado à categoria parda gera muitas dúvidas, sendo possível que alguém que não se enquadre nos requisitos se reconheça como pertencente ao grupo. Nesse caso, ainda que especialistas posteriormente não concebessem o indivíduo dessa forma, não se poderia falar em abuso no direito de autodeclaração, pois no ato em questão é justamente declinada a concepção que a pessoa tem de si. Até por este motivo a submissão à comissão deveria ser etapa que antecede a realização da matrícula, pela ideia equivocada que muitos podem ter sobre pertencimento a uma ou outra etnia", afirma o trecho.

O procurador-federal que atua junto à universidade reconhece que "após a leitura dos argumentos apresentados pelo MPF estou convencido de que a proposta de acordo ostenta robusto lastro de juridicidade. Embora os alunos tenham mesmo errado ao firmarem a autodeclaração, chama-se a atenção o fato de que eles são oriundos de escola pública, critério esse que é o primeiro para o ingresso pelas cotas de preto e pardo. Trata-se, portanto, de um grupo igualmente vulnerável, de modo que o acordo proposto não estaria a tratar com benevolência um grupo privilegiado da sociedade".

A estudante, apesar de não ter tido a autodeclaração validada, teve formação no ensino regular em escola pública, cuja família possuía renda mensal de apenas R$ 2.500,00.

"Em outras palavras, a exclusão dos alunos foca no aspecto da punição mas se esquece da frustração da política, que, no caso, irremediável, especialmente porque esses alunos, sendo oriundos da escola pública, não conseguirão se transferir para uma universidade particular para concluir o curso", acrescenta o procurador-federal.

No entanto, o acordo também não isenta a estudante de punição por autodeclaração indevida. Ela terá de prestar prestar 20 horas semanais de serviços médicos na rede pública de saúde, preferencialmente em bairros pobres da região da Grande Dourados, aldeia indígena de Dourados e Hospital Universitário da UFGD, durante 24 meses após a conclusão do curso de medicina. Isso ocorrerá de forma voluntária e não remunerada de qualquer forma, independentemente de admissão em programa de residência.

"Assim, considerando todas as nuances do caso, que é bastante complexo, a celebração do acordo aparenta ser a medida mais razoável, especialmente diante da recomendação do Ministério Público Federal para que haja compensação da população negra pela omissão administrativa em constituir a comissão de heteroidentificação contemporaneamente à previsão nos editais das vagas reservadas e da necessidade de prestação, pela autora, de serviços gratuitos à comunidade pelo tempo que ainda lhe resta para cursar medicina. Não se olvide, aliás, que houve posicionamento favorável a sua celebração pelo Procurador Federal que atua junto à UFGD. Ante o exposto, homologa-se o acordo celebrado entre autora e UFGD", finaliza a sentença.