Jenifer Silva Cavalcanti, de 15 anos, levou um tiro no abdômen e outro de raspão no ombro durante o massacre na Escola Raul Brasil. Atentado completa dois meses nesta segunda-feira (13).

Sobrevivente de ataque em Suzano diz que assassinos checaram se todos tinham morrido:
Jenifer Cavalcanti é uma das sobreviventes do massacre na escola Raul Brasil, em Suzano. / Foto: Ricardo Ribeiro/TV Diário

Há dois meses, Jenifer Silva Cavalcanti, de 15 anos, usou o cabelo ensanguentado pelos ferimentos de bala que sofreu durante o massacre na Escola Estadual Raul Brasil para se passar por morta. Ela lembra que os autores do atentado voltaram até o local onde ela estava junto com as amigas Beatriz e Letícia, para checar se elas haviam morrido. "Aí eu fiquei parada, quieta. Mas o Samuel estava atrás de mim e fez barulho. Mataram ele", conta.

O ataque foi provocado por dois ex-alunos da escola de Suzano. Eles entraram armados na unidade no dia 13 de março, mataram oito pessoas e, segundo a polícia, o menor atirou no maior e depois se suicidou. Outras 11 pessoas ficaram feridas.

Jenifer é uma das sobreviventes e levou dois tiros, um no abdômen e outro de raspão no ombro. Ela vive hoje com uma bala alojada. Atualmente, segue o tratamento com a equipe de cirurgia geral do Hospital Luzia de Pinho Melo, onde foi operada ainda no dia do massacre e ficou internada por sete dias.

"A bala feriu o intestino e ainda está alojada nas costas. Por isso, eu estou com a bolsinha de colostomia e preciso voltar uma vez ao mês ao médico para fazer exames. Eu sinto um pouco de dor nas costas, por conta da bala, então só tomo um remédio para dor", diz.

A estudante lembra que no dia do massacre ela estava perto do Centro de Estudos de Línguas (CEL), no horário do intervalo, quando ouviu três disparos e pensou se tratar de bombinhas. Só percebeu que não era o que imaginou, quando viu as pessoas correndo.

"A gente correu também, mas não conseguiu entrar no CEL porque as salas estavam fechadas. Quando eu virei, dei de cara com o que estava com a arma. Ele veio até a gente e mandou ficar quieto. Antes ele tinha me dado um tiro no lado esquerdo, no abdômen. O segundo pegou na Letícia, no meu ombro e na Beatriz", relembra.
 
Só depois que os assassinos checaram se ainda havia alguém vivo e seguiram para dentro do prédio do CEL, Jenifer levantou e saiu em disparada em direção à rua.

Lá ela se abrigou em uma casa onde estavam também alguns amigos feridos e ficou até a chegada dos serviços de socorro.

A estudante foi levada primeiramente ao Hospital Santa Maria, em Suzano. Recebeu os primeiros socorros e, já na ambulância para ser encaminhada ao Hospital Luzia de Pinho Melo, em Mogi das Cruzes, ela encontrou os pais.

Filha única
 
Jenifer é filha única do casal Zileide da Silva Cavalcanti e Israel Abreu Cavalcanti. No dia do atentado, os dois estavam em casa. O pai está desempregado e a mãe, recepcionista, lesionou um ligamento do pé e teria, naquele dia, perícia no INSS.

Eles receberam uma ligação de uma amiga da filha falando que havia acontecido um atentado e que Jenifer tinha sido ferida.

"Eu pensei que era brincadeira, mas aí eu ouvi gente correndo, chorando, e aí eu disse que não. A gente entrou em desespero. Uma amiga levou a gente até a escola, mas não dava para entrar porque estava tudo fechado. Aí a gente foi até o Santa Maria e encontrou ela lá na ambulância", relembra.
 
A fim de acalmar a família, os médicos disseram no primeiro momento que a garota havia recebido apenas um tiro de raspão no ombro. Só no Hospital Luzia de Pinho Melo os pais foram informados da gravidade da lesão no estômago e que ela passaria por uma cirurgia.

"Eu não tinha visto televisão, eu não sabia a dimensão. Depois que mandaram um vídeo no WhatsApp e aí você entra mais em desespero. Neste momento você só pensa em coisa ruim. Estes dois meses têm sido difícil, porque é uma coisa nova e muda toda a rotina da gente", conta a mãe.

A dimensão e o recomeço
 
Nos sete dias em que ficou internada, a estudante não leu ou assistiu matérias sobre o massacre. Ela conta que demorou um tempo para digerir o que havia acontecido. Quando recebeu alta, começou a ver algumas matérias em casa, mas sem se aprofundar.

Ela conversou com alguns amigos para saber se tinha alguém conhecido entre as vítimas fatais, mas não conhecia nenhum deles. O Samuel ela descobriu quem era após saber que era ele quem estava atrás dela.

Apesar das lembranças do atentado à escola, Jenifer pretende retomar os estudos no 1º ano do ensino médio na escola Raul Brasil, onde estuda há três anos.

"Eu vejo como algo triste o que aconteceu lá, mas ainda assim é escola. Mesmo que derrubem e construam outra escola, eu vou saber o que aconteceu lá. É sempre algo que eu vivi, passou e tenho que focar em outras coisas. Eu quero fazer enfermagem, porque eu criei uma paixão pela profissão e quero seguir essa carreira", enfatiza.
 
Até o momento, a família tem elogiado o tratamento que o estado tem oferecido à adolescente, mas tem receio de que essa assistência termine antes do fim do tratamento, sobretudo o psicológico, que deve iniciar na próxima semana.
 
Por isso, o advogado Paulo Justo, membro da Comissão de Ligação com Hospitais (Colih), está prestando a assistência voluntária desde a internação da jovem.

Ele foi encaminhado pela associação religiosa das testemunhas de Jeová para garantir que não fosse utilizado sangue nos procedimentos da jovem e agora presta um trabalho assistencial, tanto no processo que corre na Defensoria, quanto para garantir o tratamento.

"Como a Jenifer ainda tem um projétil dentro do organismo dela, a gente sabe que ele pode trazer consequência. Então a gente vai acompanhar até o pleno e total restabelecimento dela. Para que ela tenha o respaldo jurídico necessário. A gente sabe que, talvez, daqui a um tempo o Estado vai deixar de lado e cuidar de outros casos. E a gente defende que o Estado forneça tratamento psicológico também aos pais", conta o advogado.

Prisões
 
Desde o início das investigações do atentado à escola Raul Brasil, em 13 de março, além do menor apreendido, outras quatro pessoas seguem presas sob suspeita de negociar arma ou munição para os jovens utilizarem na ação.

Estão presos Geraldo Oliveira dos Santos, de 41 anos, sob suspeita de vender a arma utilizada no crime, e Márcio Germano Masson, conhecido como "Alemão", por suspeita de fornecer a munição.
 
O negócio, de acordo com a polícia, foi intermediado pelo mecânico Cristiano Cardias de Souza, de 47 anos, preso no dia 10 de abril. Conhecido como Cabelo, ele também teria vendido as munições calibre 38 utilizadas no ataque. Adeilton Pereira dos Santos, também preso, é outro suspeito de ter intermediado a venda da arma.

No dia 2 de maio, a Justiça decidiu manter a internação do menor apontado como mentor intelectual do crime, por tempo indeterminado.