Blair defende guerra no Iraque após ser acusado de seguir EUA cegamente
Blair participa de uma entrevista coletiva em Londres / Foto: POOL/AFP / STEFAN ROUSSEAU

O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair defendeu na quarta-feira (6) sua decisão de levar o país à guerra do Iraque em resposta a uma investigação que o acusa de ter seguido cegamente os Estados Unidos.

Em uma coletiva de imprensa, Blair chegou a se desculpar, mas logo insistiu em que foi a decisão correta.

"Expresso pena, arrependimento, e peço desculpas pelo que vocês nunca saberão, ou imaginarão", escreveu em uma mensagem divulgada após a publicação dos resultados da investigação oficial.

"Admito e assumo a responsabilidade dos erros no planejamento e no processo. Aceito minha inteira responsabilidade, mas isso não é contraditório com o que digo, que tomamos a decisão certa. O mundo está melhor e mais seguro", declarou na entrevista coletiva.

"Voltaria a tomar a mesma decisão", garantiu.

Em consonância, o ex-presidente americano George W. Bush considerou que "o mundo inteiro está melhor sem Saddam Hussein no poder", relatou seu porta-voz, Freddy Ford, na quarta-feira, referindo-se ao presidente do Iraque.

O líder do Partido Trabalhista britânico, Jeremy Corbyn, pediu desculpas pela guerra no Iraque em nome do seu partido, em um breve comunicado.

"Hoje eu quero pedir desculpas em nome do meu partido pela desastrosa decisão de ir à guerra no Iraque", disse o pacifista, que votou contra a decisão de Blair de invadir o Iraque em 2003.

Após sete anos, as conclusões da investigação apontam que o ex-primeiro-ministro britânico levou o país à guerra do Iraque sem esgotar as opções diplomáticas, sem um plano pós-conflito e seguindo de maneira cega os Estados Unidos.

"Chegamos à conclusão de que o Reino Unido escolheu se unir à invasão do Iraque antes de esgotar as opções de um desarmamento pacífico", explicou em Londres o diplomata John Chilcott, que coordenou a investigação sobre o conflito iniciado em 2003.

"Apesar das advertências explícitas, as consequências da invasão foram subestimadas. O planejamento e os preparativos para o Iraque pós-Saddam foram totalmente inadequados", completou Chilcott.

A investigação é particularmente incriminatória a respeito do primeiro-ministro britânico, que, segundo Chilcot, prometeu ao presidente americano George W. Bush segui-lo "aconteça o que acontecer", um ano antes do início do conflito.

"Um terrorista"

As famílias dos 179 soldados britânicos mortos no Iraque expressaram sua "tristeza ao descobrir que seus entes queridos morreram desnecessariamente".

Sarah O'Connor, cujo irmão Bob morreu no Iraque em 2005, declarou em uma coletiva de imprensa que "há um terrorista que todo o mundo precisa conhecer, e seu nome é Tony Blair".

Já Rose Gentle, mãe de outro soldado morto, afirmou que gostaria de perguntar a Blair: "por que você matou meu filho?".

Em frente ao local onde o relatório foi apresentado, perto do Parlamento, vários manifestantes coletavam assinaturas contra o ex-premiê.

A Investigação Chilcot começou em 2009, quando as tropas britânicas se retiravam do Iraque. O objetivo era investigar a decisão de participar da guerra de 2003 e da ocupação subsequente.

Milhares de iraquianos morreram na guerra e no brutal conflito sectário posterior, assim como 179 soldados britânicos. As famílias dos militares exigiam respostas.

A invasão foi polêmica na época e aconteceu sem um mandato explícito do Conselho de Segurança da ONU, com Estados Unidos e Reino Unido alegando que o regime de Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa, que nunca foram encontradas.

Blair renunciou ao cargo de chefe de Governo em 2007, mas sua credibilidade nunca se recuperou após a invasão de 2003. Grande parte dos britânicos acredita em que ele nunca deveria ter enviado o país ao vespeiro da guerra.

Um relatório de 2004 sobre as informações dos serviços de Inteligência utilizadas na época descobriu que as evidências haviam sido exageradas, mas o autor, Robin Butler, afirmou na segunda-feira que Blair "acreditava realmente" que estava fazendo o que era correto.

Cameron pede confiança

"Seria equivocado concluir que já não podemos confiar em nossos brilhantes funcionários dos serviços de Inteligência", declarou no Parlamento o primeiro-ministro David Cameron, que considerou que a "guerra deve ser sempre o último recurso".

Os críticos do ex-premier aguardavam o documento com impaciência. O ex-chefe de Governo escocês Alex Salmond está buscando apoio no Parlamento para abrir um processo de impeachment, ou para levar Blair aos tribunais.

O impeachment, que pode ser retroativo, foi utilizado pela última vez no Reino Unido em 1806 e é considerado obsoleto, mas poderia ser retomado para punir Blair de maneira simbólica, porque ele não ocupa cargo algum.

Relatório esperado

O relatório tem 2,6 milhões de palavras - mais de quatro vezes superior a "Guerra e Paz", de Leon Tolstoi - e sua elaboração custou 10 milhões de libras (11,9 milhões de euros, 13,3 milhões de dólares).

Mais de 120 pessoas prestaram depoimento, de Blair e seu sucessor, Gordon Brown, a ministros e altos comandantes militares e dos serviços de Inteligência.

A investigação deveria durar um ano, que viraram sete, durante os quais faleceu um dos cinco integrantes da comissão de investigação.

A discussão sobre o que poderia ser publicado prejudicou os trabalhos, caso, por exemplo, da correspondência entre Blair e o então presidente americano, George W. Bush.

A demora provocou o desespero dos parentes dos soldados mortos no Iraque, que já estavam enfurecidos com o material frágil usado pelas tropas.

Vários jornais britânicos dedicam a primeira página de sua edição desta quinta-feira a esse informe. Entre eles, está "The Times", que denunciou a "guerra pessoal de Blair".