Com perdas sucessivas nas lavouras e dificuldades de crédito, cresce o interesse de produtores gaúchos pela pecuária, vista como alternativa mais estável e rentável, especialmente na metade sul do estado.
Depois de quatro safras consecutivas marcadas por perdas e frustrações, o Rio Grande do Sul começa a registrar um movimento silencioso, mas significativo: produtores estão deixando a agricultura de grãos para investir novamente na pecuária. A migração é mais visível nas regiões das Missões, Fronteira Oeste e na metade sul do estado, onde a pecuária volta a ser vista como uma alternativa mais estável e rentável diante das incertezas do clima e da volatilidade dos preços agrícolas.
De acordo com o presidente-executivo do Sindicato das Indústrias de Carnes e Derivados do Rio Grande do Sul (Sicadergs), Ronei Lauxen, ainda não há dados concretos sobre o avanço da pecuária nas regiões produtoras, mas os efeitos das adversidades climáticas dos últimos anos sobre as lavouras são evidentes e têm levado muitos agricultores a buscar alternativas.
Segundo ele, a pecuária surge como uma opção atrativa, especialmente pela estabilidade do mercado e pela capacidade de garantir renda mesmo em períodos de seca. Lauxen observa que na última Expointer, já foi possível perceber um interesse crescente dos produtores em destinar parte de suas áreas à criação de gado, sinalizando uma retomada gradual da atividade em diferentes regiões do estado.
O presidente do Sindicato Rural de São Borja/RS, Tomaz Olea, explica que a pecuária tem mostrado um valor de mercado mais estável e com maior liquidez do que os cereais, o que torna a atividade uma opção mais rentável no atual cenário. Nas regiões tradicionalmente agrícolas, já é possível perceber maior interesse dos produtores pela criação de gado.
Em Pelotas, o presidente do Sindicato Rural de Pelotas, Augusto Rassier, confirma que há uma migração em curso, motivada pela perspectiva de preços melhores para a carne bovina. Segundo ele, crises de preços, principalmente no arroz, e a dificuldade de acesso ao crédito estão empurrando parte dos agricultores para atividades com retorno mais previsível. Rassier pondera, no entanto, que o movimento ainda é inicial e depende da liberação de recursos de custeio, o que tem atrasado decisões em algumas propriedades.
A percepção é semelhante para o presidente da Aprosoja RS, Ireneu Orth, que observa um retorno gradual da pecuária na metade sul do estado. Ele destaca que o processo leva tempo, já que o aumento do rebanho não ocorre de um ano para outro. Ainda assim, a dificuldade enfrentada nas últimas safras tem levado muitos produtores a abandonar áreas de soja e destiná-las novamente à criação de gado.
Orth acredita que há uma vantagem nesse retorno, pois as áreas que antes eram lavouras receberam adubação e correção de solo, o que pode permitir maior produtividade na formação de pastagens e, consequentemente, um número maior de animais por hectare.
Em Alegrete, o movimento é ainda mais evidente. O município já chegou a plantar cerca de 110 mil hectares de soja e hoje deve semear pouco mais da metade disso. Segundo o Produtor Rural, Pedro Pires Piffero, essa redução abre espaço para a retomada da pecuária de corte, uma vez que as áreas de arroz não competem com as terras que eram destinadas à oleaginosa.
Piffero avalia que parte expressiva dessas áreas voltará à criação de gado, impulsionada também por um cenário internacional favorável. A demanda global por carne bovina segue aquecida, sustentada pelas exportações, em um momento em que países como Austrália e Estados Unidos reduziram significativamente seus rebanhos. Essa conjuntura deve manter os preços firmes até pelo menos 2026 ou 2027, o que torna a pecuária um investimento promissor para os próximos anos.
Mesmo assim, o retorno à atividade não será imediato. Piffero explica que muitos produtores venderam o gado quando arrendaram suas áreas para a soja e agora precisam recompor o rebanho, além de investir novamente em pastagens. Isso exige tempo, capital e planejamento. Ainda assim, o dirigente acredita que a recuperação da pecuária é um caminho inevitável.
A estabilidade dos preços da carne e a liquidez do mercado tornam a pecuária uma alternativa estratégica diante da imprevisibilidade climática e financeira que tem atingido a agricultura gaúcha. Para muitos produtores, voltar ao gado é uma forma de preservar renda e segurança. Como resume Tomaz Olea, a pecuária voltou a ser vista como um porto seguro no campo, e no Rio Grande do Sul ela começa a retomar o espaço que sempre foi seu.
Do lado das indústrias, as plantas frigoríficas gaúchas ainda operam com um alto nível de ociosidade, estimado em cerca de 30%, podendo chegar a 40% em alguns casos. A falta de oferta de animais para abate limita o ritmo de produção, e, segundo o setor, o aumento do rebanho seria fundamental para melhorar a utilização da capacidade instalada e garantir maior competitividade às indústrias de carne do estado.
De acordo com o analista da Scot Consultoria, Gustavo Duprat, o comportamento do mercado bovino em outubro costuma ser baixista no Rio Grande do Sul, reflexo do aumento das chuvas nas principais praças pecuárias do estado, como Pelotas, o que eleva a oferta de animais terminados e pressiona os preços. No entanto, em 2025 o cenário foi diferente.
“Apesar das chuvas e de uma oferta consistente de bovinos, observamos uma ponta compradora mais ativa, com grandes indústrias frigoríficas ampliando suas aquisições na região. Além de comprar volumes maiores, elas passaram a pagar bônus por gado jovem e pelo bom acabamento dos animais, o que reduziu relativamente a disponibilidade e resultou em uma valorização do quilo do boi, mesmo diante de um ambiente de maior oferta”, explicou o analista.
Segundo Duprat, os preços se mantêm estáveis neste mês de outubro, sem o comportamento de queda observado em anos anteriores, sustentados justamente pela maior demanda da indústria.
Um dos principais fatores por trás dessa firmeza é o bom desempenho das exportações de carne bovina in natura. O analista destaca que 2025 tem sido um ano de recordes sucessivos nas vendas externas, com o Rio Grande do Sul respondendo por 1,9% das exportações brasileiras em setembro, o equivalente a US$ 34,2 milhões em faturamento (6,3 milhões de quilos embarcados).
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