A decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de protocolar uma petição ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), na qual denuncia suposta "falta de imparcialidade" e "abuso de poder" do juiz federal Sérgio Moro e dos procuradores da Operação Lava Jato, tem gerado polêmica no meio jurídico, mobilizando ministros e ex-ministros do STF, juristas e associação de juízes.

Enquanto o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, e associações de juízes criticam a medida, uma petição pública com mais de 350 assinaturas, incluindo a de um juiz auxiliar que atua no gabinete do ministro do STF Teori Zavascki, defende a decisão do ex-presidente.

Gilmar Mendes classificou a medida de Lula como "precipitada" e afirmou que há recursos possíveis nos tribunais brasileiros. "No mínimo, eu diria que é uma ação precipitada, mas deve ter uma lógica no campo politico, onde o ex-presidente atua com maestria", disse Gilmar. Para ele, trata-se de uma ação política e não jurídica. "Não me parece que seja questão de ser analisada no plano jurídico".

O ministro destacou que as decisões de Moro não têm sido revertidas em instâncias superiores, mas é possível recorrer a elas. "Tantas pessoas, a essa altura, já responderam a esse juízo de Curitiba sem nenhum reparo, aqui ou acolá sempre surge uma crítica ou outra, mas para isso existem também os tribunais, o Tribunal Regional Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o próprio Supremo".

O pedido da defesa do ex-presidente foi protocolado na quinta-feira (28), em Genebra, e foi elaborado pelo escritório que defende Lula no Brasil e pelo advogado australiano Geoffrey Robertson, ex-juiz da corte de apelações da ONU.

Os defensores de Lula acusam Moro e procuradores da Lava Jato de também violar a Convenção Internacional de Direitos Políticos e Civis, pois a ordem que levou à condução coercitiva do ex-presidente só poderia ser aplicada se ele tivesse se recusado a depor anteriormente.

A defesa diz também que houve vazamentos de informações e questionou a divulgação de conversas do ex-presidente ao telefone. Os advogados afirmam que a decisão de Sérgio Moro de derrubar o sigilo dessas conversas foi um ato reprovável e ilegal, entre outras críticas (veja a íntegra da petição à ONU).

Petição pública
A petição a favor de Lula afirma que o ex-presidente sofre "ataques preconceituosos e discriminatórios" e defende o direito de ele recorrer ao comitê da ONU. "Os abaixo-assinados manifestam publicamente apoio às medidas tomadas pelos defensores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu nome e em defesa das garantias fundamentais como postulados indispensáveis do Estado Democrático de Direito", diz o documento.

Ela é direcionada ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e diz que "algumas ações tomadas contra Lula, especialmente pelo juiz Federal Sérgio Moro, demonstram claramente o viés parcial e autoritário das medidas que atentaram contra os direitos fundamentais, dele Lula, de seus familiares e até mesmo de seus advogados de defesa".

O texto cita dois ministros do STF, Marco Aurélio Mello e Teori Zavascki - o primeiro sobre a condução coercitiva de Lula e o segundo, sobre a divulgação "inaceitável" e "indevida" das interceptações telefônicas do ex-presidente - e critica entidades de magistrados, que reprovaram a atitude do ex-presidente de recorrer ao organismo internacional.

Segundo o advogado criminalista Leonardo Isaac Yarochewsky, um dos que assina a peça, trata-se de uma tentativa de alertar a sociedade. "Há um claro viés político de perseguição contra Lula". "Quando se esgotam as vias institucionais dentro do país qualquer cidadão tem o direito de recorrer aos organismos internacionais", afirma.

Outros que subscrevem o documento são Manoel Volkmer de Castilho, juiz auxiliar que atua no gabinete de Teori e marido da vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko; Eugênio José Guilherme de Aragão, ex-ministro da Justiça no governo Dilma Rousseff e professor de Direito Internacional Público da UnB; Carlos Vasconcelos, Subprocurador-Geral da República; e Alvaro Augusto Ribeiro Costa, ex-Advogado Geral da União (AGU) no governo Lula, advogado e Subprocurador-Geral da República aposentado.

Associações criticam
Duas associações de juízes foram alvo de críticas da petição em defesa do ex-presidente: a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais (Ajufe), devido a posicionamentos públicos contrários à decisão da defesa de Lula.

A AMB afirmou que a corte internacional não deve ser utilizada para constranger o andamento de investigações no país e, principalmente, aquelas que têm como prioridade o combate à corrupção. Afirma ainda que o juiz Sérgio Moro é um exemplo e tem sido alvo recorrente de grande pressão por sua importante atuação na Lava Jato.

A Ajufe também criticou a iniciativa de Lula. “A Justiça tem funcionado, nós temos quatro instâncias que podem revisar a decisão do juiz de primeiro grau. Levar essa questão para um organismo internacional, na verdade, é um movimento político, alguma coisa sem um respaldo jurídico que tenha fundamento, que vá trazer resultado prático”, afirmou Fernando Mendes, secretário-geral da associação.

O ex-presidente e ministro aposentado do STF Carlos Velloso também viu no pedido uma estratégia para politizar o caso. “Felizmente temos uma democracia plena, não é? O Poder Legislativo funcionando regularmente; o Judiciário funcionando regularmente; os nossos juízes decidindo com imparcialidade, com independência; os nossos magistrados têm independências, garantia de independência, objetivas, postas na Constituição Federal; os tribunais têm autonomia administrativa, autogoverno, autonomia; portanto, garantia de independência. Então, essa petição não tem sentido”, declara Velloso.

O juiz Sérgio Moro e o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) não se manifestaram sobre o caso.