“Nossa viagem não é ligeira, ninguém tem pressa de chegar A nossa estrada é boiadeira, não interessa onde vai dar. Onde a Comitiva Esperança chega já começa a festança. Através do Rio Negro, Nhecolândia e Paiaguás, vai descendo o Piqueri, o São Lourenço e o Paraguai”.

Tecnologia ajuda na tradição de transportar o gado no Pantanal

No ritmo de “Comitiva Esperança”, de Paulinho Simões e Almir Sater, que os personagens desta história cavalgam pelo Estado, tocando os bois, no lombo do cavalo, prontos para comer carreteiro na próxima parada.

Rondon é nascido e criado em fazenda do Pantanal do lado de lá, em Mato Grosso. Vindo de família de comitiva, não pode nem quis fugir do que carrega hoje como missão. “Eu me criei mexendo com comitiva, aí montei uma com a qual faço eventos e, divulgo, com palestra, em escolas”, conta Dinarte Rondon da Silva, 49 anos, sobre os 18 anos da Comitiva Boca da Onça.

Desde os 8 anos, ele já viajava em comitiva ao lado do pai e observa que, das 30 que acompanhou o trabalho, quase não existe mais quem faça a lida no campo e toque o gado durante dias e dias de trajeto como antigamente. “Hoje, eu notei que isso está acabando. Onde a gente fazia serviço, está entrando caminhão”, conta. E não é conto de comitiva não, porque Rondon tem até foto, no alto desta página, que ilustra a matéria. “Fui numa fazenda agora apartar gado para um leilão, 3 mil cabeças de gado, e onde está chegando vem caminhão”, explica. O “chegando” refere-se aos trajetos onde as rodas podem encurtar a viagem e ainda não desgastar os animais.

Na comitiva, cada um tem seu papel. O condutor é o responsável pela boiada, seguido da segunda pessoa, o ponteiro, que vai com o berrante e dois ajudantes chamados de fiador. No meio, são os “meieiros”, dois de cada lado e, atrás, os culateiros. “Eu, quando peguei idade maior, meu pai me colocou de condutor. Transportava gado de uma fazenda para outra”, narra. O cozinheiro vai à frente, é ele quem prepara o almoço ou jantar, tarefa que Rondon acumula há mais de 20 anos. “Comida de comitiva é aquela que não estraga. Às vezes, você pega viagem de 40, 50, 60 dias e é tudo o que for com carne-seca. Macarrão tropeiro, carreteiro, feijão com carne-seca e tira a gordura da carne, frita e faz um torresminho”, exemplifica. Se a comitiva ganha parada em fazenda, o cardápio, às vezes, ganha um “plus”, com mandioca.

A experiência que ele conta é da comitiva, que participa de eventos e cavalgadas, não tanto mais pelo ofício, mas, sim, para explicar aos mais novos o que é uma comitiva pantaneira. “O que aconteceu foi que os condutores antigos foram ficando velhos, se aposentando e o filho não quis, foi para a faculdade. Hoje, os netos também estão na faculdade”, esclarece. “Comitiva é para quem gosta, não para aventureiros. Tem que ter no sangue, porque é sofrido. Você toma chuva, bebe água quente, dorme em rede, entendeu? E não tem muito valor financeiro, não”, avalia.

Mas é o que Rondon é na essência, pantaneiro de comitiva. “Eu não deixo minha bota, minha fivela, meu chapéu”, finaliza.

ABRE A PORTEIRA

João Luiz de Oliveira, 47 anos,  herdou do pai o talento e a comitiva. De uma, fez quatro, e hoje toma conta junto dos dois filhos. É um dos poucos que ainda trabalham pelo Pantanal, no Estado inteiro e até fora daqui.

“Eu nasci em comitiva, meu finado avô já tinha, que passou para o meu paim que mexe até hoje”, conta. Seu Luiz Mário é o guia para as estradas pantaneiras quando o filho desconhece o caminho, o que raramente acontece.

Desde os 15 anos, ele puxava gado nas férias, depois de servir o quartel obrigatoriamente, passou a tocar o ofício. “A tradição vai indo para não parar”, comenta. O trabalho não é o mesmo do tempo do avô, porque diminuiu e muito o transporte de gado a pé. “Este é o nosso puxo hoje, do Pantanal até o lugar que dá para embarcar. Tem alguns, poucos, que a gente leva até o destino final”, explica. “Mas o único serviço que a gente sabe fazer é este: mexer com comitiva”, emenda.

Quando saem as quatro comitivas, em uma delas está João Luiz na condução, com a responsabilidade de receber os animais, contar todos os dias, levar, cuidar, tratar e dar o pasto. 

“Eu me vejo como homem pantaneiro, porque fui criado assim, meu pai também, minha mãe trabalhou muito tempo, minha mulher se criou no Pantanal também. Já vem de berço”, diz.

Os anos de lida no campo fizeram com que ele conhecesse o Pantanal como a palma da mão. 

“Quando não conhece, vou direto no meu pai e ele já explica. Pantanal não tem estrada, é tudo estradinha, meio apagadinha”.

A profissão dele é condutor de boiada, com orgulho de saber fazer de tudo um pouco. 

“As pessoas, para ser dono, tem que saber tudo. Cozinhar, tocar berrante, saber contar e isso tudo a gente já fez, já foi criado fazendo”, narra.