Contra a lei, a Sanesul (Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul) faz cobrança “casada' de água e taxa de lixo em 27 cidades do Estado.

Sanesul faz cobrança ilegal na conta de água em 27 cidades de MS
Sanesul faz cobrança para municípios, mas Justiça considera medida ilegal. / Foto: Divulgação

Contra a lei, a Sanesul (Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul) faz cobrança “casada' de água e taxa de lixo em 27 cidades do Estado. Questionada pelo O Jacaré, a empresa confirmou que adota essa medida em 27 municípios, mas não informou quais e nem justificou porque mantém essa modalidade de cobrança, já proibida pelo TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).

Decisões judiciais sobre Bataguassu, Jardim, Ribas do Rio Pardo e Terenos detalham o motivo de a prática ser abusiva. No caso de Bataguassu, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça confirmou em 2019 a decisão de primeiro grau, contrária à cobrança embutida.

A prefeitura de Bataguassu alegou que a inserção da taxa da coleta de lixo na fatura mensal de água e esgoto se trata de uma relação jurídico-tributária, e não consumerista (direito do consumidor).

A administração pública ainda assegurou que a cobrança da taxa de lixo é oriunda da política para o correto descarte e destinação adequada do lixo urbano.

Mas os argumentos não convenceram os desembargadores, que validaram o previsto no Código de Defesa do Consumidor.

“A inclusão de modo embutido da taxa de coleta de lixo nas faturas de consumo de água estampa a hipótese constante no inciso I do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que acaba por vincular um serviço a outro, impondo o pagamento conjunto pelo consumidor, sem prévia autorização, configurando, portanto, prática abusiva'.

A empresa não teve melhor sorte ao recorrer de decisão similar, desta vez imposta pela Justiça de Jardim a pedido do MPE (Ministério Público Estadual). Em outubro do ano passado, a 1ª Câmara Cível do TJ destacou que não se observa na fatura de água qualquer informação acerca da possibilidade de o consumidor proceder ao pagamento da cobrança da taxa de lixo em separado, o que fere o dever de informação.

A Sanesul e a prefeitura, por sua vez, alegavam que o não pagamento da taxa de coleta de lixo não implicaria na interrupção do fornecimento de água. Portanto, não haveria prejuízo aos usuários.

Derrotados, prefeitura e empresa recorreram ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Mas o ministro Humberto Martins apontou que o documento foi encaminhado fora do prazo de 15 dias úteis. A Sanesul foi intimada da decisão do TJMS em 21 de outubro de 2021, mas o recurso especial foi apresentado em 24 de novembro de 2021.

Em Ribas do Rio Pardo, a prefeitura acenou com a economia de recursos, inserindo a taxa de lixo na conta de água, além de a possibilidade do consumidor solicitar divisão das cobranças de forma administrativa.

“O usuário que não concorde com o pagamento conjunto das faturas, pode a qualquer tempo e de forma gratuita requerer a exclusão da cobrança'.

Mas a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça achou demais deixar mais essa função para o pobre do contribuinte. Os desembargadores ainda apontaram a ilegalidade da venda casada.

“Na maioria das vezes, os consumidores encontram óbices no atendimento de suas demandas, especialmente diante da precariedade de atendimento em alguns órgãos públicos. Portanto, exigir que o consumidor seja o responsável por requerer administrativamente a cobrança separada dos consumos de água e retirada de lixo é criar ainda mais percalços na defesa de seus direitos'.

No município de Terenos, a Justiça também apontou a ilegalidade de unir a cobrança dos dois serviços numa única fatura.  A prefeitura destacou que essa modalidade de conta favorecia a população e que o cidadão poderia pedir a exclusão da cobrança da taxa de lixo no mesmo boleto.

“A cobrança da taxa de lixo junto à fatura de água é a forma mais barata e eficaz para tanto, pois caso assim não fosse, além de mais gastos públicos, os municípios arcariam com valores superiores, motivo pelo qual a medida adotada favorece a população'.

Para a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, os objetos de cada cobrança são absolutamente distintos, não havendo justificativa para essa vinculação, de modo que, por se manifestar abusiva, o consumidor não está obrigado a pagar a taxa de coleta de lixo inserida na fatura de água e esgoto de forma unilateral pelo município.

“Aliás, a informação constante na fatura de água colacionada é a de que o não pagamento da conta acarretará o corte do fornecimento, o que demonstra a total abusividade da conduta perpetrada pelos requeridos'.

Jeitinho em Dourados

O Marco do Saneamento (Lei 14.026) prevê no artigo 35 que “na hipótese de prestação de serviço sob regime de delegação, a cobrança de taxas ou tarifas poderá ser realizada na fatura de consumo de outros serviços públicos, com a anuência da prestadora de serviço'.

Em Dourados, a cobrança da taxa do lixo é na fatura da conta de água, sob argumento de que a medida tem amparo no Marco do Saneamento. Contudo, o município só delegou à Sanesul os serviços de distribuição de água e esgotamento sanitário.  A coleta do lixo não foi delegada à Sanesul, sendo feita por meio de contrato com a Financial, uma empresa privada que detém a concessão.

O convênio entre a prefeitura de Dourados e a Sanesul para a cobrança “casada' foi firmado em novembro de 2021. Pela arrecadação da taxa do lixo, a empresa recebe, a título de ressarcimento administrativo, 30% do valor do custo operacional por “economia', custo esse que é de R$ 5,43. 

No mês passado, a Câmara Municipal de Dourados aprovou projeto para que a conta da taxa de lixo seja desvinculada da fatura da Sanesul.