O relator da proposta que pune quem induz o aborto ou faz propaganda de métodos abortivos, deputado Evandro Gussi (PV-SP), disse que vai alterar seu parecer após uma discussão com médicos e advogados que estudam o tema.

O debate sobre o projeto – PL 5069/13, do presidente da Câmara, Eduardo Cunha – ocorreu em audiência realizada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados.

"Nós não queremos condicionar o atendimento da mulher vítima de violência ao exame de corpo de delito", esclareceu.

O relator não acredita que o texto comete esse erro, mas como diversos deputados fizeram essa crítica, ele prometeu retirar da proposta a menção ao exame. O texto final deve prever exame de corpo de delito para o caso de aborto de gravidez resultante de estupro.

Além de criar os tipos penais de indução e propaganda do aborto, a proposta modifica a Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Lei 12.845/13), e essa parte foi mais debatida durante a reunião.

Para a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), obrigar as mulheres a um exame de corpo de delito é uma violência adicional.

"Eu não sou a favor do aborto, mas serei totalmente contra essa proposta, porque as mulheres no Brasil não mentem, ninguém procura o serviço de saúde para mentir que sofreu uma violência", disse.

Para a deputada Erika Kokay (PT-DF), o mais grave é retirar da proposta o direito da mulher de ser informada sobre seus direitos e procedimentos a que pode se submeter como tratamento.

"E a mulher vítima de violência atendida na rede pública vai passar por uma via-crúcis, se for obrigada a passar pelo exame de corpo de delito.

Porque nós sabemos que existe um convênio para que esse exame seja feito nas próprias unidades de saúde, mas isso não é realidade no Brasil", disse Kokay.

Já o deputado Marcos Rogério (PDT-RO) defendeu a proposta, e disse que esse é um debate que tem como pano de fundo a legalização do aborto e, quando isso está em jogo, as opiniões são muito fortes. Para ele, a proposta pode aperfeiçoar a legislação, e se há problemas, eles serão resolvidos pelo relator.

"Não vamos mudar a concepção de nenhum dos lados, mas podemos mudar os termos em que a proposta será feita, e aperfeiçoar o texto para chegar a um bom termo final", disse Marcos Rogério.
Médicos

Para o vice-presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasp), Olímpio Moraes Filho, o desconhecimento de como é feito o atendimento a vítimas da violência leva a propostas como a que os deputados estão analisando.

"É uma pena que as pessoas não conheçam como é o atendimento multidisciplinar feito nesses casos. As mulheres chegam lá na defensiva, com medo de serem vitimizadas pelo serviço de saúde, e uma maneira de obstruir isso é obrigá-las a passar antes pela polícia", disse.

A juíza Liliana Bittencourt, do 4º Juizado Especial Criminal de Goiás, disse que alguns termos usados pela legislação são imprecisos e de propósito promovem leis pró-aborto.

Ela criticou especificamente o termo "profilaxia da gravidez", que está entre as previsões da Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual, e que é revogado pelo substitutivo do relator. "Essa deve ser uma decisão a partir de uma reflexão, e não no momento de sofrimento", disse.

Em resposta, a médica Ana Costa, diretora do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), disse que essa é uma orientação técnica, redigida sob forma de protocolo de serviços para profissionais de saúde.

"Não são neologismos, mas termos que são dirigidos aos profissionais que atuam no campo do atendimento. O conceito de saúde pública de profilaxia é estar agindo para que o dano não avance, quer dizer, oferecer os meios para evitar a gravidez, inclusive para que não haja aborto", disse Ana Costa.

Já o relator, Evandro Gussi, insistiu que "profilaxia" quer dizer evitar doenças, e não deveria ser usado em relação à gravidez. Para Erika Kokay, o nome é o que menos importa, mas a oferta da pílula do dia seguinte deve constar desse protocolo, e ser ofertada pelo SUS.

A preocupação da deputada Jô Moraes (PCdoB-MG) é que a proposta seja usada para coagir profissionais de saúde que dão atendimento a essas mulheres, tanto para o atendimento às vítimas da violência quanto para o aborto a que têm direito pela legislação brasileira.

O relator disse que, se houve estupro ou se há risco de saúde para a mulher, as hipóteses de aborto estão preservadas.

"O profissional que agir além disso é que precisa ser punido, e com rigor, porque deveria proteger a vida", disse Gussi.

O médico Olímpio Moraes Filho afirmou que, se uma paciente perguntar a um médico sobre as opções de aborto, ainda que sejam ilegais, todo médico deveria informar essa mulher dos riscos e consequências de cada uma delas.

"Pelo código de ética médica, prestar informações é nosso dever, e vamos continuar fazendo isso, porque é o que salva vidas", declarou.
Direito

O advogado Rodrigo Pacheco, representante da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp), considera que o exame de corpo de delito e comunicação à autoridade policial deveriam fazer parte do atendimento à mulher vítima de violência, porque os estupradores precisam ser identificados e punidos.

Apesar disso, como está sendo um ponto polêmico, ele sugeriu que seja retirado do relatório e colocado junto ao texto que prevê a possibilidade de aborto em caso de estupro, e que está no Código Penal. "O que eu quero é que cada estuprador seja punido, e a persecução penal seja alcançada", disse Pacheco.

A mesma sugestão foi apresentada pelo advogado Bernardo Campinho, presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro. Para ele, qualquer exame médico deveria ser válido para o Judiciário.

"É um consenso, e há nota da Organização Mundial da Saúde de que o acesso à saúde da mulher vítima da violência é dificultado por colocar a persecução penal em primeiro lugar, antes do serviço de saúde", afirmou.

O advogado disse que a OAB não tem posição fechada sobre o aborto, mas sobre violência sexual. Segundo ele, a OAB recomenda que o tema não seja tratado por meio do direito penal, e sim do atendimento de saúde.