O cenário que se busca é o de um “pouso suave” da economia, ou seja, uma desaceleração controlada que permita reduzir a inflação sem provocar recessão.
Antes ou depois do Carnaval? Essa era a principal divergência entre economistas sobre a data de redução dos juros básicos da economia. Na quarta-feira 10, o Comitê de Política Monetária (Copom) jogou um balde de água fria nessas previsões. Conforme esperado, o órgão do Banco Central (BC) manteve a Selic, formada pela taxa média de juros pela qual se negociam os títulos da dívida pública federal, no patamar de 15% ao ano, um dos mais altos do mundo. Mas, no comunicado em que justificou a decisão, o Copom surpreendeu com palavras duras, de extrema cautela com a conjuntura econômica global e nacional, e não deixou nenhuma fresta para um início iminente do ciclo de corte de juros.
O desafio do BC é trazer a inflação para 3% ao ano, com uma margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. O índice anual de preços permaneceu acima do teto da meta, de 4,5%, por treze meses — e só em novembro cravou abaixo desse limite (com 4,46%, dado divulgado no mesmo dia da reunião do Copom). Além disso, nas últimas semanas, a média das projeções do mercado para a inflação de 2025 passou a vir também abaixo do teto da meta. “Trata-se da melhor notícia que se tem em relação aos indicadores econômicos deste ano”, diz o economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Os dados de inflação sugerem que o aperto monetário realizado pelo BC ao longo do ano surtiu efeito. A economia brasileira está desacelerando, o que foi confirmado pela variação do produto interno bruto (PIB) do terceiro trimestre, de apenas 0,1% em relação aos três meses anteriores. Os diretores do BC, porém, não consideraram esses indicadores suficientes para sinalizar o alívio dos juros. Apesar de vislumbrarem uma “trajetória de moderação no crescimento da atividade econômica”, lembraram que “o mercado de trabalho mostra resiliência” e que a inflação, ainda que com sinais de arrefecimento, se mantém muito acima do centro da meta de 3%. “O Comitê avalia que a estratégia em curso, de manutenção do nível corrente da taxa de juros por período bastante prolongado, é adequada para assegurar a convergência da inflação à meta”, diz o texto.
O cenário que se busca é o de um “pouso suave” da economia, ou seja, uma desaceleração controlada que permita reduzir a inflação sem provocar recessão. Isso seria necessário porque o PIB vinha crescendo acima de sua capacidade produtiva. Uma das evidências do excesso é o mercado de trabalho aquecido, com uma taxa de desemprego em pouco mais de 5%. Sem aumento significativo na produtividade, o país opera no limite de seu potencial de atender a demanda por bens e serviços.
A cautela do Copom tem razão de ser. Tony Volpon, ex-diretor do BC, lembra que o Brasil enfrentou recentemente um ciclo de queda de juros que precisou ser revertido. Entre o segundo semestre de 2023 e o primeiro semestre de 2024, o Banco Central cortou a Selic, mas teve de interromper o movimento e voltar a elevar os juros diante da persistência inflacionária. “Por isso acredito que desta vez o BC opta por uma postura mais conservadora, para ter uma segurança maior de que a inflação está convergindo para o centro da meta antes de começar os cortes”, diz Volpon, atualmente professor adjunto de economia internacional na Universidade Georgetown, nos Estados Unidos.
A postura conservadora também se explica pelo contexto em que Gabriel Galípolo, indicado pelo presidente Lula para assumir a presidência do BC em janeiro, busca consolidar sua credibilidade como gestor de política monetária sem influência externa. O fator político, aliás, está entre os principais obstáculos para o início da redução do juro básico. Em 2026, haverá eleições e a tentação do poder público nesses períodos é de elevar gastos, complicando ainda mais o desequilíbrio das contas do Estado. O economista Alexandre Manoel, sócio da consultoria Global Intelligence and Analytics, recorre à estimativa de que o déficit primário (quando o governo gasta mais do que arrecada) acumulado de 2025 deve ficar em 1% do PIB, acima do 0,6% previsto antes, para afirmar que o desalinhamento entre a política monetária do BC e a política fiscal do governo federal continuará sendo um complicador para o corte de juros. Medidas já aprovadas, como o aumento da faixa de isenção no imposto de renda, somadas a novos gastos sociais para o eleitorado podem pressionar a inflação e limitar o espaço de afrouxamento dos juros.
As oscilações do valor do real frente ao dólar, que até aqui têm ajudado a conter a inflação, também podem ser afetadas pelas incertezas eleitorais e acabar dificultando o ciclo de redução da Selic. Um exemplo desse movimento foi a alta da moeda americana em reação ao anúncio do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) como candidato presidencial de seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro.
As incertezas políticas e as preocupações com a situação fiscal contribuem para outro problema: as expectativas de inflação futura seguem “desancoradas”. No jargão econômico, isso significa que as projeções do mercado para a inflação em 2026 e 2027 permanecem acima de 3% ao ano, refletindo desconfiança na capacidade da autoridade monetária entregar a meta de forma duradoura. Esse ponto também foi reforçado no comunicado.
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Evidentemente, o BC toma suas decisões com base nos dados oficiais disponíveis e, quando esses mudam, pode-se ter também as condições para alterar o rumo da política monetária. Alguns analistas avaliam que os indicadores a serem divulgados nos próximos meses vão demonstrar uma desaceleração ainda maior na economia. “A nossa estimativa é de uma queda de 0,2% no PIB do quarto trimestre deste ano”, diz Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. “Até o final de janeiro, quando será a próxima reunião do Copom, os dados dessa desaceleração econômica e da inflação convergindo para a meta devem permitir o corte na taxa de juros.”
Enquanto isso, nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed) vem cortando paulatinamente a taxa básica de juros desde setembro de 2024, com uma breve pausa no primeiro semestre deste ano, e anunciou uma nova redução de 0,25 ponto percentual na quarta-feira. O Banco Central americano tem o duplo mandato de equilibrar o controle da inflação com o cuidado em relação aos níveis de emprego no país. Por lá, a geração de vagas de trabalho dá mostras de perda de vigor. O chefe do Fed, Jerome Powell, evitou sinalizar novos cortes nos próximos meses: “Não há caminho livre de riscos para a política monetária”.
Para o Brasil, o impacto da decisão do Fed é considerado pequeno, pois o corte mais recente já era esperado. Com um Banco Central duro na queda e um cenário fiscal incerto, a questão por aqui continua sendo se — e quando — haverá condição para um corte nos juros.











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