Missão Caiuá contrata os profissionais de saúde para atuação em comunidade com mortes por desnutrição.

ONG de MS recebeu R$ 872 milhões para saúde indígena, inclusive de yanomamis
Sede da Missão Evangélica Caiuá, na área indígena de Dourados. / Foto: Divulgação

Fundada em 1928, a Missão Evangélica Caiuá atua na saúde indígena brasileira há quase 23 anos. Inicialmente fazia o serviço que atualmente é feito pelos distritos sanitários especiais indígenas, os Disei’s.

Depois, em 2010, passou a ser contratada para fornecer a mão de obra especializada e foi nos governos do PT que o alcance desse entidade se espalhou Brasil afora. Além de Mato Grosso do Sul, passou a atuar em outros estados, inclusive da Região Norte, onde estão as maiores populações indígenas.

Naquele ano, a Missão Caiuá gerenciava sete dos 34 distritos sanitários do Brasil. O número saltou para 17 no ano seguinte e o valor recebido passou de R$ 36,5 milhões para R$ 433,4 milhões em 2015.

Volta e meia, a ONG ligada à Igreja Presbiteriana e com sede em Dourados (a 251 km de Campo Grande) aparece na mídia nacional por causa dos robustos volumes de dinheiro que recebe do governo federal para os contratar profissionais de saúde que atuam nas comunidades indígenas.

Nesta terça-feira (24), a Missão Caiuá, é mais uma vez, pauta da imprensa nacional.

Yanomamis - Reportagem publicada pelo jornal “O Globo” informa que a ONG evangélica ganhou R$ 872 milhões durante o governo Bolsonaro e especula que parte do dinheiro poderia ter sido usado para contratar empresas aéreas de garimpeiros que exploram ilegalmente os recursos naturais nas terras dos Yanomamis, em Roraima.

A Missão Caiuá atua também na Terra Indígena Yanomami, visitada sábado (14) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e onde pelo menos 500 crianças teriam morrido de desnutrição nos últimos anos.

O caso ganhou repercussão internacional e rendeu denúncias de crime de genocídio contra integrantes do governo Bolsonaro. Pelo menos 21 pedidos de ajuda dos Yanomamis teriam sido ignorados pela União durante a gestão de Jair Bolsonaro.

Segundo dados do Portal da Transparência, de 2019 a 2022, o Programa de Proteção e Recuperação da Saúde Indígena teve orçamento de R$ 6,13 bilhões e 88% desse montante foi gasto.

A Missão Caiuá foi, de longe, a que mais recebeu dinheiro desse bolo. Foram R$ 872 milhões liberados para a ONG sul-mato-grossense. Em segundo ficou o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueiredo, com R$ 462 milhões.

Ao jornal “O Globo”, o presidente da Urihi Associação Yanomami, Júnior Hekurari Yanomami, denunciou que os médicos e enfermeiros contratados pela Missão Cauiá não entraram na terra indígena nos últimos quatro anos.

Dona da saúde indígena – Em 2017, reportagem do “The Intercepet Brasil” apontou a Missão Caiuá como a dona da saúde indígena no Brasil. O portal esmiuçou os dados de convênios bilionários assinados entre o governo federal e a ONG e apontou suposta influência política para que a Cauiá fosse beneficiada.

Diretores da entidade na época seriam ligados ao ex-senador Romero Jucá (MDB), chamado de “padrinho” da Missão Caiuá. Ex-governador de Roraima e um dos políticos mais influentes daquele Estado, Jucá foi homem forte do governo de Michel Temer (2016-2018).

Segundo o The Intercept, em 2017, a ONG respondia por 64% dos atendimentos em saúde indígena no País. Naquele ano, a Caiuá tinha 9 mil funcionários espalhados em 19 distritos sanitários e cobria população indígena de pelo menos 510 mil pessoas.

m Dourados, a Missão Evangélica Caiuá mantém o Hospital Porta da Esperança com atendimento pelo SUS, o Instituto Bíblico Felipe Landes e a Escola Municipal Francisco Meireles. Também mantém escolas em outras áreas indígenas, além de fornecer os profissionais de saúde que atuam nas comunidades.

A ONG já foi alvo de investigações do Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e do TCU (Tribunal de Contas da União). Apesar de inconsistências apontadas na prestação de contas dos gastos e irregularidades na contratação de mão de obra, a Missão Caiuá continua beneficiada por contratos milionários com o governo federal.

Outro lado – A Missão Caiuá se manifestou por meio do advogado Cleverson Daniel Dutra. Em entrevista ao Campo Grande News, ele rebateu irregularidade nos convênios com o governo federal e disse que a ONG não tem qualquer responsabilidade pela situação atual dos yanomamis.

“A entidade tem apenas a função de contratar profissionais de saúde para atuarem nas ações do governo federal em saúde indígena. Ou seja, a entidade contrata os profissionais e paga os salários e demais encargos da contratação”, explicou.

Sobre o montante recebido entre 2019 e 2022, Cleverson Dutra disse que os R$ 872 milhões dizem respeito a valores repassados em 9 convênios. “Não é apenas do convênio mantido para apoiar no Dsei/Yanomami. Como afirmado, os valores são destinados ao pagamento de salários e demais encargos dos profissionais de saúde contratados”.

O advogado afirma que todas as transações estão disponíveis no Portal de Convênio (Siconv) do governo federal e podem ser acessados de forma livre por qualquer cidadão. “A prestação de contas é simultânea com a execução, pois, a entidade não fica com os recursos disponíveis, que são movimentados em conformidade com os documentos de despesas apresentados no portal do Siconv e pagos diretamente pelo sistema via Siafi, não havendo qualquer disponibilidade de recursos para entidade”.

Cleverson Daniel Dutra é taxativo ao negar qualquer culpa da Missão Caiuá na situação dos yanomamis. “A entidade apenas contratada profissionais da área de saúde para comporem as equipes de saúde do governo federal por meio da Sesai. Medicamentos, alimentação e demais insumos são de responsabilidade direta do governo federal”.

Ele explica ainda o motivo de uma ONG de Mato Grosso do Sul atuar em comunidades indígenas da região Norte: “em 2018 a entidade foi habilitada por meio de chamamento público (licitação) e venceu o processo para assumir o contrato/convênio no Dsei Yanomami”.

Sobre a suspeita de que dinheiro liberado para a saúde indígena ter sido usado para fretar aviões de garimpeiros, ele afirmou ser “impossível” isso ter ocorrido.

“A entidade não contrata o transporte que é de responsabilidade do próprio governo federal por meio do Dsei e os recursos repassados pelo convênio não podem e não são usados para outros objetivos, considerando que as operações financeiras ocorrem diretamente pelo Siconv, evitando deste modo, desvio de finalidade com o uso dos recursos”, afirmou Cleverson.