A emissora britânica é acusada de manipular um discurso de Trump para sugerir incitação à violência no ataque ao Capitólio. O caso levou à renúncia de seus diretores, pedidos públicos de desculpas e ameaça de processo pelo presidente americano.

O “erro” de edição que colocou a BBC em crise e gerou reação de Trump
/ Foto: Reprodução.

A polêmica entre a BBC e Donald Trump instalou-se neste fim de semana depois de o Telegraph publicar um artigo no qual denunciava o documentário exibido pelo meio de comunicação britânico como manipulado, dando a entender que o republicano estaria junto dos seus apoiadores no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021.


 
O diretor-geral da BBC, Tim Davie, e a presidente executiva da BBC News, Deborah Turness, apresentaram suas demissões no sábado, dia 8 de novembro, na sequência da controvérsia causada pelo documentário sobre Trump, no qual os cortes pareceram distorcer a mensagem original. Paralelamente, o presidente do Conselho de Administração da BBC, Samir Shah, reconheceu o “erro de julgamento” após a transmissão da reportagem. Mas, afinal, o que está em jogo?

O documentário exibido pelo programa Panorama da BBC uma semana antes das eleições norte-americanas de 2024 — teria apresentado uma edição de um discurso de Donald Trump, de 6 de janeiro de 2021 (data da invasão do Capitólio por seus apoiadores), de modo que sugerisse que o agora presidente dizia aos seus seguidores que iria caminhar com eles até o Capitólio e “lutar como demônios”.

“Nós vamos até o Capitólio e eu estarei lá com vocês. Lutaremos. Lutaremos como demônios”, ouve-se no trecho editado pela emissora britânica.
Porém, no discurso original, Trump teria afirmado: “Nós vamos até o Capitólio e nós vamos apoiar os nossos corajosos senadores e congressistas”.

O programa Panorama é um dos exemplos citados pelo ex-consultor externo da BBC, Michael Prescott, no artigo do Telegraph, que expõe suas preocupações acerca da imparcialidade da emissora britânica.

Contudo, há um grupo de apoiadores da BBC que alega estar sendo alvo de um esforço coordenado das forças de direita para prejudicar a emissora.

Entenda o que aconteceu (e o que está em curso)

Diretor-geral da BBC e CEO da BBC News renunciam após polêmica com Trump

O diretor-geral da BBC, Tim Davie, e a presidente executiva da BBC News, Deborah Turness, renunciaram no sábado como consequência de uma reportagem que tinha como alvo o presidente dos EUA, Donald Trump.

“É um dia triste para a BBC”, afirmou Samir Shah em comunicado.

Na nota, Shah disse que “Tim foi um excelente diretor-geral nos últimos cinco anos”, mas enfrentou “uma pressão persistente […] que o levou a tomar esta decisão”.

A BBC esteve nos últimos dias no centro de uma controvérsia, acusada de ter apresentado de modo enganoso as declarações do presidente americano em um documentário do programa Panorama, transmitido em outubro de 2024.

“Pessoas desonestas”: Trump celebra demissão do diretor da BBC

Posteriormente, o presidente dos EUA, Donald Trump, comemorou a demissão do diretor-geral da BBC, Tim Davie, após as controvérsias sobre a cobertura da emissora.

“Os altos cargos da BBC, inclusive Tim Davie, o chefe, estão se demitindo ou sendo demitidos porque foram apanhados ‘manipulando’ meu excelente (perfeito!) discurso de 6 de janeiro. Obrigado ao The Telegraph por desmascarar esses ‘jornalistas’ corruptos”, escreveu Trump em sua rede social Truth Social.

“São pessoas muito desonestas que tentaram influenciar o resultado das eleições presidenciais. Como se não bastasse, são de um país estrangeiro, que muitos consideram nosso aliado número um. Que terrível para a democracia!”, acrescentou.

BBC pede desculpas por edição de discurso de Trump e reconhece “erro de julgamento”

Já nesta segunda-feira, o presidente do conselho da BBC pediu desculpas pela emissora e admitiu um “erro de julgamento” após a exibição de uma reportagem com montagem enganosa do discurso de Donald Trump.

“Reconhecemos que a forma como o discurso foi editado deu a impressão de um apelo direto à ação violenta. A BBC deseja pedir desculpas por este erro de julgamento”, escreveu Samir Shah em carta ao presidente da comissão parlamentar de Cultura e Mídia, publicada online.

Trump envia carta à BBC e ameaça com ação judicial

A BBC confirmou ter recebido nesta segunda-feira uma carta de Donald Trump ameaçando mover ação judicial por causa da edição de seu discurso em documentário da emissora britânica.

Questionada sobre o teor da carta, a emissora disse que “vai analisá-la e responder na devida altura”.

Conduta jornalística da BBC questionada após relatório

A publicação de relatório interno da BBC com críticas ao serviço de notícias da emissora, revelado pelo jornal The Daily Telegraph, reacendeu acusações de parcialidade e resultou na demissão de Tim Davie. As primeiras matérias começaram a ser publicadas em 3 de novembro, apontando diversas irregularidades na conduta jornalística da BBC.

Discurso de Trump manipulado
A BBC transmitiu em outubro de 2024, no programa Panorama, um documentário sobre Donald Trump. Em uma parte, um discurso de 6 de janeiro de 2021 foi editado para dar a entender que o presidente americano incitava seus apoiadores à violência, dizendo “lutaremos como demônios”. No entanto, o trecho original dizia que eles iriam “fazer ouvir as suas vozes de forma pacífica e patriótica”.
A frase sobre lutar com todas as forças foi proferida 54 minutos depois na gravação original.

Parcialidade pró-Israel na BBC Árabe

O relatório documentou que uma pessoa que defendeu que judeus deveriam ser “queimados como Hitler fez” apareceu 244 vezes como convidado no canal BBC ÁRabe em 18 meses. Outro que descrevia israelenses como menos que humanos apareceu 522 vezes no mesmo período.

O relatório também aponta que a cobertura da BBC ÁRabe sobre Israel diferia substancialmente da versão em inglês da BBC.

Cobertura pró-transexuais

O relatório revela que jornalistas dedicados à cobertura de temas LGBT publicaram “uma série constante de histórias unilaterais” favoráveis aos direitos trans, enquanto ignoravam narrativas críticas, levando a uma “censura prática”.

As polêmicas da emissora pública britânica BBC

A BBC, emissora pública britânica, enfrenta críticas há anos. A crise atual, que resultou na demissão do diretor-geral e da presidente de jornalismo, é a mais recente de uma série de controvérsias.

Dos métodos às demissões: as polêmicas da BBC nos últimos anos

A emissora vive um momento crítico, com acúmulo de acusações que vão desde viés político até falhas éticas e de governança. A demissão de Tim Davie e Deborah Turness é o ápice de uma sequência longa de tensões internas e externas.

Como será escolhido o próximo diretor-geral? Influência do governo?

O novo diretor-geral será nomeado pelo Conselho de Administração da BBC, que deve garantir o cumprimento da missão e dos objetivos públicos da empresa. O diretor-geral é responsável pela liderança editorial, operacional e criativa da BBC, incluindo seus serviços de TV, rádio e web.

O conselho é liderado por Samir Shah e composto por dez membros não executivos e quatro executivos, sendo quatro não executivos nomeados como representantes de cada uma das nações do Reino Unido.

Embora os ministros não participem diretamente do processo, a nomeação obedece à carta da BBC, elaborada pelo governo e que define sua missão. A atual carta vence em 31 de dezembro de 2027.

O governo também decide o modelo de financiamento da emissora, como a taxa de licença, o que dá influência sobre suas decisões estratégicas e operações.