Ministério da Saúde apontou que há registros até de aplicação de vacinas não autorizadas em menores de 18 anos.

MPF investiga se crianças tomaram vacina errada contra Covid-19 em Mato Grosso do Sul
Versão pediátrica da vacina da Pfizer. / Foto: Arquivo, Jornal Midiamax, Leonardo de França

O MPF (Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul) instaurou inquérito civil para apurar eventuais erros na vacinação contra a Covid-19 em crianças e adolescentes. O edital foi publicado na semana passada no Diário Eletrônico do órgão.

São 440 registros inativos na RNDS (Rede Nacional de Dados em Saúde), que motivaram a denúncia. A investigação começou em novembro de 2021 e o Jornal Midiamax obteve acesso aos autos por força da LAI (Lei de Acesso à Informação).

As supostas aplicações foram antes mesmo da liberação da imunização para esses públicos. Em junho de 2021, o Estado autorizou a aplicação de vacina em adolescentes com comorbidades a partir de 12 anos.

Em agosto, foi liberada a imunização para o público de 12 a 17 anos sem comorbidades. Em dezembro, foi a vez das crianças de 5 a 11 anos. Apenas em julho de 2022 é que a vacina foi permitida para aqueles com 3 e 4 anos.

Mato Grosso do Sul ainda aguarda autorização para imunizar crianças de seis meses a 4 anos.

Mais de 400 crianças podem ter sido imunizadas antes de autorização, aponta ministério
Conforme dados do Ministério da Saúde, uma criança entre 0 e 2 tomou a Covishield (AstraZeneca - Fiocruz), enquanto 19 adolescentes entre 12 e 17 anos receberam o mesmo imunizante.

Outros 305 teriam tomado a Comirnaty (Pfizer - BioNTech) e 24 a CoronaVac (Sinovac - Butantan). Três crianças entre 3 e 4 anos podem ter recebido a CoronaVac e até a vacina da Janssen.

Quatro crianças de 4 a 11 anos podem ter sido imunizadas com a Covishield, oito com a Comirnaty pediátrica, 63 com a versão padrão da vacina da Pfizer e 79 com a CoronaVac.

Os dados do ministério não especificam quando e onde foram essas aplicações. O questionamento da pasta é a eventual imunização fora do prazo.

Secretária nacional exigiu explicações do chefe da Saúde em MS
Em setembro de 2021, a secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 do Ministério da Saúde, Rosana Leite de Melo, enviou ofício ao então secretário de Estado de Saúde, Geraldo Resende, questionando discrepâncias nos registros de vacinação.

Sem resposta, a secretária - que foi diretora-presidente do Hospital Regional de Campo Grande - reiterou o ofício, desta vez com cópia para o procurador-chefe do MPF em Mato Grosso do Sul, Silvio Pettengil Filho.

“Solicitam-se esclarecimentos quanto à vacinação da população na faixa etária de 0 a 11 anos. Isso porque, conforme constam dos registros realizados pela própria unidade federativa, consta a aplicação de doses na população de 0 a 11 anos, cuja faixa etária não possui nenhum imunizante atualmente aprovado pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], além de registros de ministração de doses imunizantes não autorizados pela Anvisa para faixa etária de 12 a 17 anos”, escreveu Rosana.

Um mês depois, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão abriu notícia de fato - tipo de investigação preliminar - para apurar os fatos relatados pelo Ministério da Saúde. Na época, o procurador Pedro Gabriel Siqueira Gonçalves deu dez dias úteis para que o secretário Geraldo Resende se manifestasse.

Secretaria de MS admite mais de 1 mil registros
Também em ofício, Resende reconheceu que, conforme dados do SI-PNI (Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações), haviam 1.193 doses de vacinas aplicadas em menores de 18 anos até dezembro de 2021.

“Destacamos que consta a aplicação de doses na população de 0 a 11 anos, cuja faixa etária não possui nenhum imunizante atualmente autorizado pela Anvisa, além de administração de imunizantes não autorizados na faixa etária de 12 a 17 anos”, pontuou.

Entre crianças de 0 a 11 anos, 332 teriam sido imunizadas, enquanto 861 adolescentes de 12 a 17 anos constaram como imunizados no sistema do Ministério da Saúde.

O secretário do Estado cobrou todos os municípios sobre a natureza dos dados, conforme cópia de ofício que apresentou ao MPF.

Municípios corrigem e registros inativos caem para 440
Após as correções das prefeituras, o Ministério da Saúde informou ao MPF que ainda persistiam em seus sistemas 440 registros inativos de aplicações no público menor de 18 anos.

“Após análises foi identificado que existem num total de 156.399 ativos e 440 registros inativos em que na data de aplicação o cidadão não estava autorizado a receber a vacina, visto que este Ministério ainda não havia publicado Nota Técnica”, diz o ofício de setembro de 2022.

Quem assina o documento é a coordenadora-geral do PNI, Adriana Pontes Lucena; e Cássio Peterka, diretor substituto do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis.

SES não informa MPF e procurador prorroga investigação
Apesar das correções, a SES não informou o MPF, o que forçou o procurador a enviar mais de um ofício ao atual secretário, Flávio Britto. 

“Diante da ausência de resposta, a solicitação ministerial foi reiterada por duas vezes, porém sem sucesso”, pontuou Pedro Gonçalves, em despacho de abril de 2022 que converteu a notícia de fato em procedimento preparatório.

Naquele mesmo mês, Britto respondeu que a “Secretaria de Estado de Saúde segue rigorosamente as diretrizes descritas no Plano Nacional de Operacionalização (PNO) para a vacinação de crianças e adolescentes”. Lembrou ainda que a pasta acionou os 79 municípios para efetuar as correções.

“Em resposta aos quesitos formulados pela secretaria supramencionada, fora elaborado ofício com esta finalidade, donde, em síntese, fora informado a constatação de equívoco no lançamento dos dados, mas que os mesmos se encontram em revisão e consequente correção”, escreveu o secretário.

Vacinação avança e MPF cobra detalhamento
Em setembro deste ano, o procurador ainda não tinha detalhes dos 440 registros inativos. Como há duas versões da vacina da Pfizer, por exemplo, o MPF ainda espera entender o que pode ser erro e o que pode ser aplicação não autorizada.

“Outrossim, solicitam-se informações pormenorizadas sobre as providências adotadas por essa secretaria, junto aos entes municipais e ao órgão competente do Ministério da Saúde, tendo por objetivo retificar/revisar os dados no SIPNI e monitorar a situação de indivíduos que - eventualmente - foram vacinados com imunizantes não autorizados”, ponderou Gonçalves.

O procedimento preparatório foi convertido em inquérito civil neste mês.

Números atualizados
Até o dia 18 de outubro, a SES contabiliza que 74,35% dos 246,4 mil adolescentes de 12 a 17 anos sem comorbidades completaram o esquema vacinal. 13,4 mil com comorbidades foram imunizados.

Das 301 mil crianças de 5 a 11 anos, 27,79% foram totalmente vacinadas.

SES não se pronuncia
O Jornal Midiamax procurou a SES, mas até o fechamento desta reportagem, não obteve um posicionamento. Os contatos foram devidamente registrados e o espaço segue aberto para posterior manifestação.