Economistas acreditam que, por um lado, proposta pode beneficiar clientes, mas bancos podem se recusar a oferecer crédito ou compensar em outras taxas.

Juros do cartão de crédito podem cair até dez vezes se projeto for aprovado
Rotativo do cartão chegou a 320% ao ano em julho. / Foto: Álvaro Rezende/Correio do Estado

O Senado vota hoje um projeto de lei que limita os juros do cartão de crédito e do cheque especial. Se a proposta for aprovada, o juro do cartão de crédito que fica em média em 300% ao ano pode ser reduzido a 30% ao ano até o fim de 2020. 

Economistas acreditam que a mudança pode ser positiva para os clientes, mas o sistema bancário pode embutir outras formas de compensação.

A inclusão do PL 1.166/2020, do senador Alvaro Dias (Podemos-PR), como primeiro item da pauta de votação foi decidida em reunião de líderes partidários realizada na terça-feira (4). 

Originalmente, o projeto limitava os juros em 20% ao ano até julho de 2021. Mas, para diminuir a resistência do texto na Casa, o relator da matéria, senador Lasier Martins (Podemos-RS), propôs juros de 30% ao ano para linhas de crédito do cartão de crédito e de cheque especial enquanto durar o estado de calamidade pública (até 31 de dezembro de 2020).

Segundo o Banco Central do Brasil, no período compreendido entre 15 e 21 de julho a média das taxas de juros anuais aplicadas pelos bancos nas operações de cartão de crédito rotativo e de cheque especial foram de 320% e 110% ao ano, respectivamente. 

“Parte da população que teve retração em sua renda mensal contraiu endividamento nessas duas modalidades de crédito bancário e, como as atividades econômicas não voltaram a patamares anteriores à pandemia de Covid-19, a perspectiva é que esse endividamento cada vez mais se expanda”, explica.

Ele prossegue que a tendência é que o limite na taxa diminua o endividamento.

“A limitação da taxa de juros em 30% diante dos juros praticados atualmente tende a desacelerar o crescimento do montante das dívidas dessa parte da população, sendo uma medida emergencial que pode contribui com a população nesse período de pandemia”, afirma o economista.

Para os bancos, essa lei poderá reduzir o montante a receber pelo crédito concedido aos seus clientes em inadimplência, mas com juros menores a dívida crescerá mais devagar. 

“Com isso, os clientes endividados tendem a ter menos dificuldade em quitar suas dívidas. Assim, ao mesmo tempo que os bancos tendem a receber um retorno menor do valor emprestado, a tendência é de que as dívidas sejam pagas em menores prazos, sem comprometer a solvência financeira dos bancos e abreviando o prazo médio de recebimento dos bancos”, reiterou Heimbach.

Para a economista do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da Fecomércio (IPF-MS), Daniela Dias, a medida é importante para o consumidor.  

“A gente poderia não chegar a patamares tão estrondosos como em tempos anteriores. Saber o valor dessas taxas de juros e negociá-las são aspectos fundamentais, até porque a questão de crédito e cheque especial também leva em consideração outras taxas de juros, como a Selic, que deve permanecer em baixa. Então essa limitação, aliada a essa taxa mais baixa e o próprio histórico desse consumidor, são importantes para que a gente tenha um pacote de medidas que possam ser facilitados para o consumidor”, considerou.  
 

OUTRO LADO
Na contramão, os bancos podem sobretaxar os consumidores e ainda negar o acesso ao crédito. O gerente de desenvolvimento de negócios do Sicredi, Miguel Greco, acredita que pode ser gerado um entrave para o sistema financeiro como um todo. 

“Quando você começa a taxar, ou estipular máximos de remuneração a essas linhas, você pode coibir as instituições financeiras a tomarem risco. Principalmente em operações mais arriscadas, como cheque especial e rotativo do cartão, elas têm mais risco de inadimplemento para as instituições, então quando se estipula o máximo de ganho, esse banco pode ficar mais resistente a conceder esse crédito. Isso vai na contramão do que se espera no período de crise, quando as pessoas precisam ter mais acesso ao crédito”, explicou.

De acordo com o economista Sérgio Bastos, apesar de ser uma medida benéfica ao cliente, os agentes financeiros encontrarão uma maneira de compensar as perdas. 

“É uma medida contra mercado, porque geralmente um sistema financeiro sadio, bem estruturado, ele trabalha, entre outras coisas, com a liberdade de fixação de taxas de juros. Ou seja, esses juros são estabelecidos pelo próprio sistema financeiro, de forma que essa liberdade é essencial”, disse.

Bastos ainda aponta que essa medida pode não causar o efeito desejado.

“Quando há essa limitação, ela pode trazer uma vantagem para o usuário do cheque especial e do rotativo do cartão de crédito. No entanto, aquele que empresta, no caso o banco, vai buscar outras formas de compensar essa perda. Então eu creio que, como uma medida efetiva de redução geral de juros, não vai ter o efeito desejado e também é uma situação negativa de intromissão numa matéria que é o próprio mercado que define”, explicou.

PROJETO
A proposta é uma das ações no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Conforme o projeto de lei, o Banco Central fará a regulamentação e a fiscalização do disposto nessa lei. A justificativa para o teto nos juros, de acordo com a proposta, é para que brasileiros que enfrentam a pandemia, e em muitos casos perderam seus empregos, não sejam onerados com juros abusivos.

“O pequeno empresário, o profissional liberal ou o empregado que deixar de ter renda e possuir cartão de crédito seguramente vai usar esse cartão para comprar o que precisar. Continuando sem renda, muitos, nesses meses de paralisação e no início da retomada da economia, não conseguirão pagar a totalidade da fatura dos cartões e entrarão no parcelamento rotativo, onde os juros superam 300% ao ano”, justifica o texto do projeto apresentado.

Conforme o texto substitutivo apresentado pelo relator Lasier Martins, os limites de crédito disponíveis em 19 de março de 2020 não poderão ser reduzidos até o fim do estado de calamidade pública. E os empréstimos dessas linhas de crédito estarão isentos do pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).