No período, população tem descoberto mais sobre si e o mundo.

Isolamento social traz mudanças no comportamento e no modo de ver as dificuldades
Patrícia acreditou que o período com os filhos estudando em casa poderia ser difícil, mas descobriu que as crianças estavam independentes e empenhadas em fazer o isolamento dar certo. / Foto: Arquivo Pessoal

O que aprendemos em tempos difíceis? Na história da sociedade ou nos desafios cotidianos pessoais seres humanos tendem a refletir sobre o processo que vivem e o que foram capazes de aprender nos momentos de crise. Por mais que o isolamento social para combater a Covid-19 não seja exemplar em Mato Grosso do Sul – temos um dos piores índices nacionais –, muita gente ainda se dedica a evitar aglomerações por si mesmo e pelo próximo – nesse processo tem descoberto mais sobre si e o mundo.  

Para a jornalista e empresária Elcilene Holsback, 36 anos, a parte mais difícil do isolamento foi desacelerar. Após passar um fim de semana em São Paulo para ver um show internacional, cancelado de última hora em razão dos casos de coronavírus, ela precisou retornar a Campo Grande e optou pelo autoisolamento. “Mudar minha rotina, que sempre foi bem agitada, e ficar longe dos amigos e família foi difícil. Passei mais de 15 dias sem ver minha mãe e agora vejo pouco, para evitar o risco”, explica.  

Neste processo de ver o mundo apenas pelo quintal de casa e pela tela do celular, as relações humanas ganharam outra dimensão. “Aprendi que a internet é, sim, uma importante ferramenta, mas que nada substitui o contato com pessoas queridas. É um momento de reflexão, independente mente de crença ou religião. Creio que tudo isso está nos mostrando o quanto é importante valorizar as pessoas e a vida. E [devemos] usar isso em benefício do próximo, já que neste momento há muitas pessoas precisando de ajuda”, explica.  

Como o trabalho permitia, todas as funções foram mantidas por home office. “O que ocupa boa parte do tempo”, afirma. Os animais de estimação, a culinária e as flores também foram essenciais para tranquilizar a mente. “Estou aproveitando para curtir meus bichos, que são minhas companhias, arrumar coisas da casa que sempre ficam para depois, assistir séries e cuidar do jardim, que é algo que adoro”, ressalta.

Depois de um tempo, a rotina precisou se adaptar, com pequenas saídas para reuniões de trabalho e visitas ao supermercado. “Falo diariamente com minha mãe por telefone e com os amigos pelo celular – até por chamadas de vídeo –, mas realmente nada substitui a presença das pessoas que amamos. Estou respeitando ao máximo o período. Tenho fé que não vai demorar muito e poderemos ter essas alegrias cotidianas de volta”, acredita. 
 

Aprendizados

Enquanto o medo do isolamento e da pausa no calendário escolar foi iminente para os pais, a gerente de negócios Patrícia Helena Freire Ferreira, 38 anos, se surpreendeu com a prole. “O que mais aprendi nesse isolamento foi o quanto meus filhos estão independentes. Ouvi muitas mães reclamando das aulas on-line, que a escola não está fazendo o trabalho dela, que além de trabalharem em casa ainda teriam de serem professoras. Mas eu não tive dificuldades com eles nessa adaptação, salvo o primeiro dia, que precisei estar mais próxima para poder orientá-los onde ir para acessar, onde encontrar as atividades e como devolverem as tarefas. De resto, foi super tranquilo”, explica.  

Mãe de dois, Mariana, de 12 anos, e Eduardo, de 8, ela precisou apenas cuidar das tarefas deles ao fim do dia, com a mesma rotina escolar. “Apenas para ver se não deixaram nada para trás”, conta.  

Já para as crianças, a escola fez muita falta. “Aprendi a estudar pelo Google e vi que é ruim. Prefiro ir para a escola”, confessa Mariana Freire Ferreira. Com tanto tempo sobrando, o que não faltou foi distração. “Aprendi a fazer bolo de cenoura, quero começar a praticar violão pela internet, mas não comecei. Só quero”, ri. Para a adolescente, não sair de casa não é tão ruim assim. “Eu gosto de sair, mas não é tão difícil ficar”, acredita.

O irmãozinho concorda. Cheio de empolgação, Eduardo conta que já está íntimo da cozinha. “Aprendi a cozinhar, a fazer pão, enroladinho de salsicha, panqueca e até a fazer um sanduba”, ri. 

A culinária também fez sucesso na casa de Fabrícia. Mãe de duas meninas, a professora de yoga precisou continuar se dividindo entre as aulas on-line e o cuidado com as filhas. “Eu aprendi que gosto muito dessa vida mais sossegada”, brinca Fabrícia Bento Sampaio, 37 anos.

Ao lado das filhas Sofia, 14 anos, e Rachel, 12, ela aprendeu a ter mais paciência durante o isolamento social. “Agora temos tempo para fazer mais coisas juntas. Eu sentia esse pesar de querer fazer mais coisas com elas e não ter tempo nem para isso. Estou até mais paciente”, ressalta.

Na lista de afazeres tem bozó, receitas em família e quiz no celular. “Elas me mostram os vídeos que estão vendo. Tenho de ajudar mais nos estudos também, agora que é em casa. Está sendo muito bom para nossa relação e até entre elas. Ter tempo para as pequenas coisas é maravilhoso. Descobrimos na prática como as coisas tidas como pequenas são mesmo as mais valiosas”, frisa.  

Home office

Adepta do home office parcial há algum tempo, Patrícia acredita que em casa consegue trabalhar ainda mais do que o normal e ser um pouco mais presente no cotidiano dos filhos. “Eu acabo trabalhando até mais do que quando estou indo na empresa, ficando até mais tarde ou não parando muito tempo na hora do almoço. É bom porque não estou no trânsito, na correria de pegar criança na escola, fazer almoço, voltar correndo para o trabalho. Consegui colocar as pendências em dia. Claro que sinto falta de ir e estar com as pessoas, visitar os clientes. Gosto muito de gente e me faz falta o contato social”, pontua.  

Já Fabrícia, que nunca foi ligada em vídeos, precisou se adaptar. “Estou aprendendo um jeito diferente de dar aula porque a distância, mesmo que em tempo real, é uma outra dinâmica. A forma de planejar e orientar a prática tem de ser diferente para funcionar legal. Então estudo e aprendo a fazer a mesma coisa, mas de um modo diferente. Está sendo muito legal esse desafio, e eu gosto de desafios. Me estimula bastante”, acredita.