Hospital, referência no tratamento do câncer infantil, pede ainda a compra emergencial de 50 mil frascos do remédio que era usado anteriormente. Governo federal passou a importar produto chinês que, segundo testes e especialistas, não tem comprovação de eficácia.

Hospital vai à Justiça contra o governo para suspender importação de medicamento para leucemia
Centro Infantil Boldrini, em Campinas / Foto: Arquivo Boldrini

O Centro Boldrini, referência na América Latina para o combate do câncer infantil, entrou na Justiça contra o Ministério da Saúde para suspender a importação da Leuginase - medicamento chinês comprado pela União desde o início do ano para tratamento da Leucemia Linfóide Aguda (LLA) - e que, segundo especialistas e testes realizados, não tem comprovação de eficácia. O pedido de liminar solicita ainda que o governo faça a compra emergencial de 50 mil frascos do medicamento alemão, que era usado para tratar a doença antes da troca feita pela pasta federal.

A advogada do Boldrini, Carina Moisés Mendonça, afirmou ao G1 que os contaminantes encontrados nos dois testes realizados no medicamento chinês e a falta de estudos que comprovam a eficácia dele em seres humanos embasaram a ação, protocolada quinta-feira (4) na 6ª Vara da Justiça Federal de Campinas (SP). Segundo ela, o valor total para a compra emergencial do remédio fabricado pelo laboratório alemão é de R$ 23 milhões. O Ministério da Saúde informou que ainda foi notificado da decisão.
 
De acordo com especialistas, cerca de 4 mil crianças precisam de um componente chamado asparagina, que tira o alimento das células malignas da LLA. Até o início deste ano, o Ministério da Saúde importava a Asparaginase de laboratórios alemães e americanos, cuja eficiência é de 90% e possui apenas três impurezas, segundo testes. No entanto, o impasse começou quando, no início do ano, a pasta decidiu comprar o remédio do fabricante chinês.
 
 

Resultado de testes
 
O teste encomendado pelo Boldrini para verificar a eficácia da Leuginase apresentou resultados preocupantes para os pacientes. O laudo apontou que 40% do produto está contaminado por proteínas, o que, segundo especialistas, não garante a eficiência do remédio. O exame foi realizado por um laboratório americano e é o segundo teste no medicamento encomendado pelo hospital.

De acordo com a oncologista e presidente do Boldrini, Silvia Brandalise, a quantidade de proteína presente na Asparaginase, que era o remédio importado pelo Ministério da Saúde antes da troca para o produto chinês, é de 0,5%, o que comprova a tese do hospital de que a Leuginase não possui eficácia suficiente para ser aplicada em crianças. O primeiro teste encomendado pelo centro, feito pelo Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), já havia apontado que o produto apresenta 398 impurezas.

Importação por conta
 
O medicamento é essencial para o combate da LLA, que atinge principalmente crianças e jovens. Por conta da falta de comprovação de eficácia, o Boldrini optou por não usar o medicamento chinês e decidiu importar a Asparaginase por conta própria, já que o estoque fornecido pelo governo federal acabou na última semana.

No entanto, os 18 frascos que foram comprados ainda não chegaram e pelo menos 40 crianças que vão iniciar o processo podem ter o tratamento prejudicado. Nesta quinta-feira (14), o hospital recebeu a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importar mais 500 frascos, mas ainda não há prazo para o medicamento chegar ao Brasil.

“A possibilidade de usar a Leuginase está descartada. Vamos importar o remédio que nós temos certeza da eficácia por conta própria. Já importamos 18 frascos, que ainda não chegaram por conta da burocracia brasileira para a importação de medicamentos. Mas vamos aguardar chegar e buscar ajuda para importar mais frascos. A criança brasileira não pode ser usada para testar um medicamento que não existe estudos sobre os efeitos que ele tem”, afirmou Silvia Brandalise.
 

Ministério da Saúde, Anvisa, Laboratório
 
O Ministério da Saúde ainda não foi notificado da decisão e informou que o Boldrini recebe recursos do governo federal para comprar a "asparaginase de sua conveniência".

Além disso, o governo federal disse que a asparaginase chinesa já é usada em 11 estados brasileiros (Amapá, Bahia, Goiás, Maranhão, Pará, Piauí, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima e São Paulo) e, até agora, não houve "nenhum efeito diferente do esperado pela literatura disponível".

O Ministério da Saúde afirmou ainda, em nota enviada ao G1, que "a compra deste ano seguiu os mesmos critérios técnicos e embasamentos científicos dos anos anteriores". Sobre a ação protocolada pelo Boldrini, a pasta informou que ainda não tem conhecimento do pedido de liminar.

Já o LNBio também emitiu um comunicado onde explica que os testes realizados no remédio são "preliminares e não conclusivos".

A empresa uruguaia Xetley S.A, representante do laboratório Beijing SL Pharmaceutical - fabricante da Leuginase - disse que vai aguardar o resultado da análise da Fiocruz. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a importação do medicamento pelo Ministério da Saúde, mas informou que a responsabilidade da qualidade do produto é do importador.