Fadiga vocal, desconforto, tosse persistente. Problemas que precisam ser investigados.

Fonoaudiólogo Ademir Baena alerta para distúrbios da voz
Fonoaudiólogo Ademir Baena é especialista em voz

Fadiga vocal, desconforto, tosse persistente. Problemas que precisam ser investigados. O alerta é do fonoaudiólogo de Dourados, Ademir Garcia Baena, especialista em voz.

Segundo Baena, cerca de 70% da população economicamente ativa no Brasil, tem a voz como Instrumento de Trabalho. São cantores, parlamentares, vendedores, operadores de telemarketing, clérigos, advogados, repórteres, leiloeiros, radialistas, locutores e professores que são os que mais sofrem com problemas de voz.

O tema ganha espaço na mídia nesta semana, quando se comemora o Dia Mundial da Voz (16 de abril), que tem como objetivo chamar a atenção para a prevenção aos problemas vocais que, inclusive, podem ser um alerta ao câncer de laringe.

Ademir Baena égraduado em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, especialista em Fonoaudiologia Clinica e Voz com aperfeiçoamento em Distúrbios de Aprendizagem, Dislexia e Fonoaudiologia Clinica. Fez estágio em Voz na Universidade Estadual do Arizona, em Tempe (EUA), Centro de Voz da Universidade de Medicina de Pittisburgh (EUA), Universidade British Columbia, em Vancouver (Canadá) e no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Santa Maria da Faculdade de Medicina de Lisboa (Portugal). É sócio fundador da Academia Brasileira de Laringologia e Voz, membro da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, criou o Serviço de Atendimento Fonoaudiológico Público de Dourados em Unidade de Saúde, o Projeto Estadual de Saúde Vocal do Professor, o Programa de Saúde Vocal do Professor do Município de Dourados, o Programa de Saúde Vocal "Viva Voz" da Universidade Estadual (UEMS), o Programa de Saúde Vocal da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e de Saúde Vocal "Viva Voz" do Município de Maracaju.

Confira a entrevista que Ademir Baena concedeu ao DouradosAgora.

Como identificar a disfonia ?
As Disfonias (Distúrbios Vocais) relacionadas ao trabalho manifesta-se por diversos sinais e sintomas, que podem estar presentes concomitantemente ou não, os mais comuns são: ardência e/ou dor na região da garganta e pescoço, desconforto, tosse crônica, esforço durante a fonação, pigarro constante, ressecamento da garganta, fadiga vocal, dificuldade em manter a voz, há perda da intensidade vocal causando "falhas" na voz, pouca resistência ao falar e afonia, principalmente rouquidão (que persistente por mais de duas semanas) deve ser investigada.

São queixas encontradas em diferentes graus de severidade, dependendo do quadro clinico. O inicio dos sintomas é insidioso, com predominância nos finais de uma exposição vocal ou no fim de semana e diminuição após repouso noturno ou nos finais de semana. Aos poucos esses sintomas vão se tornando mais freqüentes e mesmo com repouso vocal não há recuperação da voz. Nesta fase, dificilmente o trabalhador consegue exercer sua função a contento, necessitando muitas vezes de licença, readaptação de função, acarretando prejuízos profissionais, sociais, pessoais, educacionais e econômicos.

Qual é a população afetada e o perfil do paciente?
Cerca de 70% da população economicamente ativa no Brasil, tem a voz como Instrumento de Trabalho, como por exemplo: cantores, parlamentares, vendedores, operadores de telemarketing, clérigos, advogados, repórteres entre outros profissionais, ressaltando que o professor é o profissional que mais sofre com problemas de voz. Ser professor é uma profissão geralmente caracterizada pelo alto nível de estresse, gerado por diversos fatores que vão desde questões administrativas e político-educacionais até de motivação e problemas de comportamentos dos alunos, o numero excessivo de alunos por sala, a falta de segurança no trabalho, ambiente empoeirado, ruidosos, carga excessiva de trabalho, caracterizando fatores de risco para o desenvolvimento de um distúrbio vocal, 70% dos professores em média apresentam distúrbio vocal. O perfil dessas pessoas revela que há uma prevalência do sexo feminino, idade média de 40 anos, que já apresentam lesões das pregas vocais, sendo o nódulo a patologia mais freqüente, lembrando que na fase infantil os meninos apresentam mais distúrbios vocais que as meninas, com idade que vai de 04 anos até os 12 anos em média.

Quais as causas dos distúrbios?
O desenvolvimento do distúrbio vocal relacionado ao trabalho é multicausal, podendo estar associado a diversos fatores, que podem desencadear ou agravar o quadro de alteração vocal de forma direta ou indireta, podemos referir algumas causas como: jornada de trabalho prolongada, sobrecarga, ritmo de trabalho estressante, maus hábitos vocais(falar alto, gritar, pigarrear ou tossir freqüentemente), uso de ar condicionado, choque térmico, baixa umidade, alimentação muito condimentadas, especialmente se a pessoa apresentar o refluxo gastro esofágico, tabagismo, etilismo, infecções das vias aéreas superiores, influencias hormonais, falta de hidratação etc.

Por que hoje atinge mais crianças que antes? Qual é o fator determinante?
Não diria que houve aumento do distúrbio vocal em crianças, considero que o diagnóstico das disfonias na infância tem sido facilitado, nos últimos anos, pelo desenvolvimento de métodos diagnósticos de fácil execução técnica, como a laringoscopia indireta com fibra óptica, procedimento este realizado pelo Médico Otorrinolaringologista, permitindo uma avaliação mais precisa, aumentando a demanda dessa população nos consultórios de fonoaudiologia. Um fator determinante é que um dos segmentos da Fonoaudiologia que vem avançando no sentido de realizar ações coletivas é a área da voz, através de palestras, eventos importantes com a intenção de chamar a atenção sobre os problemas vocais, que ano após ano vem aumentando, claro que precisamos avançar ainda mais nestas campanhas e eventos educativos. Os pais e educadores devem ficar atentos àquelas crianças que após as aulas, após brincadeiras infantis ficam roucas, e se for o caso encaminhá-las aos profissionais competentes.

Com relação à performance da voz, o que determina 'segurança', 'insegurança', 'autoridade'?
A voz é uma das extensões mais forte de nossa personalidade, é a nossa expressão sonora e emocional, portanto, a voz revela a saúde, a cultura, a região, e com certeza ela pode revelar nosso grau de segurança ou insegurança, revela credibilidade, maturidade, conhecimento, autoridade e outras caracteristicas, falar bem com boa voz é antes de tudo, realizar-se como pessoa. A pessoa que tem uma boa voz, bem colocada, bem impostada, uma articulação precisa, que tem um controle corporal, um controle emocional, com certeza será um bom comunicador e um profissional diferenciado.

De que forma a escola pode ajudar na detecção dos problemas de voz na infância?
Promovendo ações educativas, através de palestras, cursos, prestando informações aos professores e conseqüentemente aos pais não só sobre os problemas da fala articulada, gagueira, mas especialmente sobre a voz da criança, observando aquela criança que após as aulas, durante os intervalos grita muito e geralmente ficam roucas, fazem esforço para falar, as veias ficam saltadas, o pescoço fica tenso, a criança que arrasta um problema de voz para a idade adulta, tem chances de escolha profissionais mais reduzidas, portanto é de fundamental importância a participação da escola, se feitas estas observações e perceber rouquidão nas crianças, solicitar, encaminhar para os especialistas (fonoaudiólogo ou o médico otorrinolaringologista) para uma avaliação.

E quanto à prevenção?
Considerando que o distúrbio vocal relacionado ao trabalho tem grande impacto social, econômico profissional e pessoal, é fundamental que sejam priorizadas ações de prevenção, como os que já sugerimos (Programa de Saúde Vocal), que possam evitar o aparecimento destas disfunções; ações educativo-terapeuticas voltadas à adequada utilização da voz como meio de expressão, noção anatomofisiológica do aparelho fonador, cuidados vocais, aquecimento e desaquecimento vocal, através de cursos teórico-práticos e a confecção de uma cartilha contendo informações básicas sobre a saúde vocal, material esse já à disposição. O desafio que agora se coloca é que os órgãos competentes coloquem em prática esse Programa de Saúde Vocal, visando melhor qualidade do ensino e vida digna aos professores e á comunidade de um modo geral.

Disfonias podem revelar problemas mais sérios?
A Disfonia, é na realidade apenas um sintoma presente em vários e diferentes distúrbios, ora se apresentando como sintoma secundário, ora como principal. Muitas vezes é o sintoma mais importante de uma doença, sendo por isso encarado como a própria doença, como ocorre nas disfonias funcionais; outras vezes, trata-se de um sintoma discreto num quadro maior, que pode revelar uma doença, como a DP (Doença de Parkinson). Quaisquer distúrbios vocais, especialmente quando o sintoma mais freqüente é a rouquidão, e rouquidão persistente por mais de duas semanas, deve ser investigado, diante deste fato, a pessoa deve procurar o Médico Otorrinolaringologista ou o Fonoaudiólogo, que são os profissionais capacitados em conduzir, orientar e tratar os problemas vocais.

Como a família pode identificar problemas emocionais a partir da voz da criança/adolescente?
A voz é acima de tudo, a substância sonora necessária à realização da fala, a voz veicula a fala e sofre todas as influencias psicossociais que marcam uma personalidade, portanto, a criança ou adolescente que apresenta problemas vocais, devido à dificuldade de se comunicar de forma adequada, muitas vezes são discriminadas e ou satirizadas, o que contribui para uma baixa auto-estima e essa criança ou adolescente podem apresentar problemas comportamentais, e os pais devem ficar atentos à essas mudanças e especialmente quando o seu filho(a) após as aulas e brincadeiras infantis apresentam voz rouca, especialmente se essa rouquidão persistir por mais de duas semana, diante dessas características procurar o profissional especializado em voz.

Considerações finais
A importância da voz e da comunicação humana é inquestionável. É visível nos dias atuais um aumento progressivo dos profissionais que dependem da voz como instrumento de trabalho. Cerca de 70% da população economicamente ativa no Brasil tem a voz como instrumento de trabalho. As alterações vocais ocasionadas principalmente pelas questões relacionadas à organização do trabalho têm levado diversas categorias, especialmente os educadores a situações de afastamento e incapacidade para o desempenho de suas funções, o que implica custos financeiros, profissionais, pessoais e sociais. Por outro lado, as ações de vigilância e a elaboração de normas técnicas que adequem o conhecimento científico acumulado às novas condições e demandas de trabalho são praticamente inexistentes e fazem-se necessárias, urgentemente, uma vez que um número crescente de trabalhadores ingressa em categorias profissionais que utilizam a voz como instrumento de trabalho. É fundamental que haja maior envolvimento das instituições, como universidades, órgãos competentes do estado e municípios, para que mudanças mais robustas ocorram assim como políticas mais efetivas, sempre visando o bem comum de uma comunidade.