Por ordem do ex-presidente, o senador anuncia candidatura e embaralha ainda mais as cartas da oposição para as eleições de 2026.
Preso na carceragem da Polícia Federal em Brasília desde o dia 22 de novembro, o ex-presidente Jair Bolsonaro passou a considerar cada vez mais a possibilidade de, enfim, passar o bastão a um herdeiro político.
Nos últimos dias, cresceu a convicção de que o nome a ser ungido deveria ser o de Flávio Bolsonaro, o seu primogênito, tido como o mais “político” dos filhos, capaz de buscar pontes com outros setores da oposição. Em ao menos três ocasiões, o senador ouviu do pai que deveria estar preparado.
Na terça 2, antes de ir a novo encontro, Flávio disse ter orado e prometido a Deus que “o que saísse da boca do meu pai nessa visita a gente iria tomar como uma decisão definitiva”. Levou com ele uma carta de Eduardo Bolsonaro, autoexilado nos Estados Unidos, na qual, em meio a palavras de incentivo, relatos sobre a vida privada e desenhos feitos pelos filhos pequenos, o irmão argumentava ao pai sobre a “decisão que precisava ser tomada”.
Foi nesse ambiente, em que se misturavam família e política amálgama que moldou a história do clã, que Bolsonaro deu o veredicto há muito tempo esperado pela direita. “Bicho, o nome tem que ser você. E tem que ser agora. Vamos embora”, anunciou. “Sim, senhor, vamos embora”, respondeu Flávio.
A ordem do capitão serviu para mobilizar a tropa bolsonarista e lembrar a eventuais colegas de front que o clã fará de tudo para se manter no jogo. Também serviu para elevar a pressão sobre aliados por anistia e pela liberdade do ex-presidente. Em um primeiro momento, o sentimento que se espraiou na oposição a Lula e entre os que desejam o PT fora do Palácio do Planalto foi de frustração. O mercado financeiro reagiu mal, enquanto aliados do bolsonarismo mostravam pouco ou nenhum entusiasmo com o anúncio. “Não será a polarização que construirá o futuro”, alertou de imediato o chefe do União Brasil, Antonio Rueda. Outro cacique do Centrão, o senador Ciro Nogueira, presidente do PP, disse que tem ótima relação pessoal com Flávio, mas lembrou que “política não se faz só com amizades”. “Se faz com pesquisas, com viabilidade, ouvindo os partidos aliados. Isso não pode ser uma decisão apenas do PL”, afirmou. Gilberto Kassab, presidente do PSD e entusiasta das candidaturas de Tarcísio e Ratinho Junior (nesta ordem), fechou-se em copas: nenhuma declaração sobre o anúncio de Flávio até quinta, 11. No entorno do presidente Lula, o clima foi de comemoração: um candidato com o sobrenome Bolsonaro é considerado o rival mais fácil a ser batido.
A reação mais emblemática foi a de Tarcísio de Freitas, o principal candidato fora do clã. Nome mais bem colocado nas pesquisas, ele vem sendo instado há tempos por partidos e setores econômicos a se apresentar como o desafiante de Lula. Essa aposta cresceu desde que Bolsonaro foi condenado e preso, mas o seu futuro sempre esteve ligado à necessidade de ter o aval do ex-presidente. Preterido, o governador foi procurado por Flávio logo após o anúncio, mas demorou três dias para se manifestar publicamente — e, quando o fez, provocado por repórteres, foi evasivo. “Ele se junta a outros grandes nomes da oposição, que já colocaram seus nomes à disposição”, disse, listando os governadores Romeu Zema (Minas), Ronaldo Caiado (Goiás) e Ratinho Junior (Paraná).
A sensação predominante entre os partidos à direita é que a candidatura de Flávio pode não ser definitiva. Para alguns caciques do Centrão, ela pode sair do tabuleiro, a depender da evolução do quadro eleitoral ou da volatilidade do ex-presidente, que “muda de opinião a todo instante”, como diz um dos líderes partidários.
Dois dias após tornar pública sua indicação, o Zero Um disse que retirar sua candidatura teria “um preço” e sugeriu que este seria a anistia a seu pai, o que foi entendido como uma pressão sobre os partidos que querem o apoio do bolsonarismo. Não por coincidência, reuniões que envolveram Ciro Nogueira, Antonio Rueda e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), levaram a Casa a aprovar a toque de caixa o PL da Dosimetria, que, em tese, pode tirar Bolsonaro da cadeia em menos de três anos.
Depois, em razão da repercussão negativa, Flávio reafirmou a sua pretensão presidencial. “Eu não vou retirar minha candidatura. Os partidos que quiserem caminhar conosco vão ser muito bem-vindos. E, quanto antes chegarem, mais eles vão poder participar”, disse a VEJA.
O movimento dessas legendas, no entanto, não parece ser nesse sentido. Flávio se reuniu com Rueda e Ciro, além de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, e saiu convencido de que só o seu partido está de fato abraçando a candidatura. Convidado, Marcos Pereira, presidente do Republicanos, sigla de Tarcísio, não foi, mas reuniu-se no dia seguinte com Rueda e Ciro — nada falaram sobre Flávio depois do encontro. A estratégia dessas siglas será não se comprometer agora e esperar para ver o quanto a candidatura do Zero Um vai avançar. Pesquisa Datafolha mostra que ele ficaria 15 pontos atrás de Lula em um eventual segundo turno. Sua rejeição, de 38%, é menor que a de Lula (44%) e de seu pai (45%), mas é muito superior à de Tarcísio (20%) e de todos os governadores (veja o quadro).
A hipótese de Flávio não abrir caminho para outro candidato já leva parte da oposição a pensar em outras saídas. Tarcísio vem sendo aconselhado a se afastar de Bolsonaro e tentar atrair seu eleitor defendendo a anistia e mostrando que, para ela ser implantada, a oposição precisa vencer a eleição e ele é o nome mais viável. “Ele ficou quieto, só ouviu”, disse um dos conselheiros, que esteve recentemente com o governador fazendo esse tipo de análise. Alçado ao mundo da política pelo ex-presidente, Tarcísio sempre teve uma relação difícil com o clã. Entre as reclamações estão o fato de ele não abrir espaços no seu governo, de não fazer política e, principalmente, de não ser tão solidário a Bolsonaro, adotando posições protocolares, de pouco confronto e quase sempre forçadas pelo momento. Diante do histórico, para muitos bolsonaristas é melhor um voo solo do que apostar no governador. “Tarcísio joga parado, não fala, não negocia. E vem dando ouvidos a inimigos do Bolsonaro que pregam o afastamento do ex-presidente”, desabafa um dos aliados mais próximos ao capitão.
Devido a esses problemas, líderes de direita começaram a repassar nos últimos dias as alternativas disponíveis, a exemplo de Ratinho Junior (PSD), que tem quase a mesma pontuação de Tarcísio nas pesquisas. Apesar disso, parte do entorno do governador paranaense não enxerga nele essa ambição. “Os aliados de Ratinho, inclusive pessoas do PSD, falam que ele vai ficar no governo até o final. Mas eu não ouvi isso da boca dele”, diz o deputado Ricardo Barros (PP-PR), cujo partido integra a base do governo. Outros aliados, porém, dizem que Ratinho Junior segue “candidatíssimo” e que sua postulação deve voltar a ganhar tração à medida que Tarcísio sair de cena. Após uma reunião com Kassab, em São Paulo, no sábado 6, o paranaense afirmou que trabalha com cautela e que, por ora, nada mudou.
Além do governador paranaense, seus colegas Zema e Caiado declararam que continuam candidatos, mesmo após o anúncio de Flávio. Outro nome que voltou a circular nos bastidores é o da senadora Tereza Cristina (PP-MS), que foi uma bem-sucedida ministra de Bolsonaro, mas não lhe deve capital político. Além disso, tem ampla simpatia entre a direita tradicional e muita influência no agronegócio. A senadora diz que fica “feliz” pela lembrança e não descarta a missão, mas acha que há muita discussão a ser feita: “Não adianta ser só um bom nome, é preciso vencer o nosso adversário, que é o PT e Lula”.
No núcleo familiar, que raramente vive dias pacíficos, todos saíram em defesa de Flávio, inclusive a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, com quem o senador teve um atrito nos últimos dias. Ela também era cotada para a eleição presidencial, mas a entrada de Flávio na corrida empurra a madrasta, ao menos por ora, para a disputa ao Senado pelo Distrito Federal. Outro apoio recebido por Flávio veio do seu partido. “Vamos abraçar e fazer campanha”, promete Sóstenes Cavalcante, líder da sigla na Câmara.
Na política desde 2001, quando se filiou ao PP, Flávio foi deputado estadual no Rio entre 2003 e 2018, quando se elegeu senador. Desde que o pai ficou inelegível, repetiu à exaustão que seria candidato à reeleição. Sua entrada na corrida ao Planalto bagunçou um cenário já caótico na oposição. Além da rejeição ao sobrenome, o Zero Um será questionado na campanha por fatos como o escândalo da rachadinha em seu gabinete — ele diz que o episódio foi motivado por perseguição política e que não respondeu a processo criminal. O tempo está hoje a favor de Flavio, pois é um fator que aumenta a pressão sobre os concorrentes. Faltam pouco mais de 100 dias para Tarcísio e Ratinho Junior deixarem seus cargos se quiserem tentar a Presidência. Até lá tudo pode mudar, pois no Brasil, como se sabe, a política é como nuvem: em instantes, o cenário se move rapidamente. Para o filho do ex-presidente, missão dada pelo pai é missão cumprida, não importam o ceticismo geral e os enormes desafios pela frente.











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