“Ele não parava e a minha mãe dormiu no chão. E eu dormi no chão junto com a minha mãe”, disse criança de 3 anos.

"Ela dormiu no chão", disse menina de 3 anos que viu a mãe ser assassinada

Maio foi embora oficialmente nesta semana que começou exatamente no dia 1 de junho. Este ano, ainda assim, maio fica. Vai ficar para sempre dentro de duas crianças que viram o assassinato brutal da mãe, da avó e o suicídio do pai. No mesmo mês, com dias de diferença um do outro, duas famílias se unem pela tragédia similar em Costa Rica, a 305 km de Campo Grande. O paralelo entre elas é triste: nas duas, mulheres foram assassinadas enquanto as crianças assistiam.

Os casos chacoalharam a pequena cidade de cerca de 20 mil habitantes que ainda tenta entender como “o não aceitar” que relacionamentos terminem pode acabar em tanta violência. Desta vez, ainda assim, de uma maneira completamente explícita, a morte violenta literalmente respingou em quem está apenas começando a entender a vida.

É cruel que uma criança que está para completar 3 anos e ainda aprende a falar tenha sido motivada a dizer ao pai que dormiu abraçada no corpo sem vida, ensanguentado, da mãe. É o que conta a coordenadora do Conselho Tutelar de Costa Rica, Giovania Carvalho Pereira. O conselho foi chamado pela polícia nos dois casos, como determina o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

"Ela dormiu no chão" – Foram as palavras que a pequena de três anos, uma das filhas que Marilei Ramos, 33, deixou no mundo contra a própria vontade. Ela dormia no quarto com o namorado e no mesmo quarto dormia também a filha menor. As duas filhas mais velhas, ainda crianças também, dormiam em outro cômodo. Souberam do assassinato da mãe quando acordaram no dia seguinte.

Foi assim, na inocência do sono, que Marilei foi morta, na noite do dia 27, com muitos golpes de punhal fabricado por quem a violentou, o ex-namorado Jair Soares de Oliveira, 32. Jair também matou, com o mesmo método, o atual namorado de Marilei, Gilcione Rodrigues Martins, 34.

Enquanto Giovania relembra o caso tão recente, que ela conta por telefone à reportagem, coincidentemente chega ao Conselho o pai da criança mais nova. Agora, ela vai morar com ele, que fica com o maior desafio entre as pessoas da família: trabalharem o trauma que já deixa consequências na criança.

“A criança pequena, ela que presenciou, ela estava com dificuldade para dormir”, conta a conselheira.

A chefe do conselho afirma que o pai “é presente, tinha guarda compartilhada, e está sendo assistido pela defensoria para formalizar a guarda da criança”. “O pai das outras duas meninas é de Paranhos, a gente já está fazendo contato com o conselho de lá, para ver se é de interesse dele ter a guarda ou não”, relata.

O pai da mais nova ouviu palavras bem duras que dificilmente vai esquecer tão cedo. “As mais velhas estavam no quarto, não acordaram, só acordaram de manhã, elas viram bem de relance. A mais nova relatou para o pai que ela pedia pro autor parar”, conta Giovania.

“Jair não faz isso, você está machucando a minha mãe. Ele não parava e a minha mãe dormiu no chão. E eu dormi no chão junto com a minha mãe”, contou a criança.

“A irmã da vítima, ela viu pela janela a moça caída”, afirma a conselheira que já inicia o protocolo para que as três sejam atendidas por psicóloga. “Sabe assim aquele sentimento de você ver o desamor? Nosso trabalho é ver o desamor no dia a dia. O ser humano não tem amor”, diz Giovania, ainda invadida pela violência dos casos.

Uma vida em seguida da outra – Foi assim, em pouco tempo, que o filho de 11 anos e a filha de 8 anos de Roseli Costa Soares, 28 anos, assistiram impotentes enquanto o pai Weber Barcelos da Silveira, 36 anos, invadia a casa da avó, onde os três estavam abrigados.

Elza Lima Soares, 46 anos é o nome da avó heroína que tentou defender a filha de um ex-marido que não aceitava o fim do relacionamento. Morreu baleada no tórax e cintura, enquanto as crianças viam. Weber baleou a mãe, que sobreviveu por pouco depois de ficar em estado grave, internada em hospital da cidade.

Finalizados os disparos, na frente dos próprios filhos, Weber atirou na própria cabeça e morreu.

O menino de 11 anos correu para o batalhão da polícia militar, próximo de onde moravam, conforme relata a conselheira. “Depois da separação foi buscar abrigo com a mãe, duas casas acima do destacamento militar. A criança foi correndo até o destacamento, o pessoal da PM contou que já tinha ouvido tiro”.

Revolta – A equipe do conselho foi até o local no mesmo dia atender as crianças. Para quem já sabe falar, é triste que as boas palavras tenham sido substituídas pelo ódio. Giovania conta que antes de saber se a mãe sobreviveria e ainda lidando com a morte da avó, o filho de Roseli estava revoltado.

“Até pra mim ele disse: ‘se a minha mãe não escapar, sorte que meu pai morreu senão eu ia matar ele”, contou a criança à conselheira.

“A menininha a gente via uma preocupação se a mãe ia escapar ou não, ele estava com muita revolta. A mãe já retornou e agora todos estão sendo acompanhados pelo sistema”, explica.

Inédito na memória – Giovania termina a entrevista ao relatar que a violência dentro de casa é parte do trabalho, mas desse jeito, em poucos dias de diferença, nunca viu. “É comum a criança presenciar agressões, muito comum, mas a nível de assassinato, isso é bem atípico aqui na cidade. Vai ficar na memória de tristeza”, diz.

“É essa falta de consciência dos homens de não aceitar o fim do relacionamento, de estar com posse e com isso vem o desamor aos filhos”, finaliza.