A ministra deu a delaração em evento em SP.

Democracia não foi abalada com o 8/1, diz Cármen Lúcia
A ministra deu a delaração em evento em SP. / Foto: © Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

S ÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou na noite desta quarta (26) que nós, o povo brasileiro, 'não temos o direito de desistir da democracia', que merece ser preservada e festejada.

'Vamos completar 200 dias do que chamamos de dia da infâmia, o 8 de janeiro. A democracia não foi abalada, o STF não foi abalado', afirmou a ministra em palestra que integrou o seminário Como Renasce a Democracia, no Sesc Pompeia, na capital paulista. 'A democracia não se abala quando há uma sociedade que não se deixa abalar.'

No evento, com curadoria da historiadora e professora da UFMG Heloisa Starling, Cármen disse que 'ditadura é o regime do ódio, democracia é o afeto libertador'.

A ministra associou o conceito de democracia a uma 'ideia de construção permanente', não 'algo acabado e pronto'. Daí a necessidade de uma geração depois da outra serem capazes de cultivá-la. 'Nós temos o dever de fazer com que o desejo [por democracia] de tantas gerações aconteça.'

De acordo com ela, são três os principais 'princípios ativos' de um sistema democrático: a confiança, a responsabilidade e a esperança.

'Para que tenhamos um Estado de Direito, é preciso que eu tenha responsabilidade sobre o outro', disse. 'É necessário que haja relações de confiança na sociedade, especialmente num quadro como o nosso, de tantas desigualdades.'

Nesse momento da fala, Cármen comentou o machismo, que mesmo ela, uma ministra da mais alta corte do país, sente. 'O preconceito passa pelo olhar.'

O tom otimista prevaleceu na palestra, mas Cármen Lúcia lembrou nós da Justiça do país. 'Somos bons em criar normas, mas ruins para cumpri-las', disse. 'Todo mundo é a favor da realização de concursos [para o trabalho público], a não ser que se trate do filho, que é sempre um gênio', comentou a respeito da prática do nepotismo.

No fim da palestra, marcada por histórias da família e de Minas Gerais, estado natal da ministra, ela lembrou 'Fullgás', composição de Marina Lima e Antônio Cícero. 'Esta é a hora de abrir os braços e fazer um país', arrematou.

PARA CONSTRUIR UMA CULTURA POLÍTICA

No debate que aconteceu anteriormente no Sesc Pompeia, cujo mote era 'Para Construir uma Cultura Política', o cientista político Miguel Lago comentou um fenômeno que, de certa forma, rearranja os eixos ideológicos como os conhecemos.

Segundo ele, as forças da direita tradicional -cada vez mais próximas das bandeiras da extrema direita, como se viu na recente eleição da Espanha- 'estão abraçando uma dinâmica de ruptura enquanto as forças de esquerda assumem uma dinâmica de conservação [dos direitos]'.

São movimentos que contrariam o que se entende habitualmente como esquerda e direita, ou seja, a primeira movida pelas mudanças e a segunda conservadora.

Ainda de acordo com Lago, a direita age dessa maneira porque percebe que a sociedade está mais ligada ao ideário da extrema direita, o que pode representar um risco para a democracia no Brasil e em outros países.

No mesmo debate, a escritora Rosiska Darcy de Oliveira falou sobre a força conquistada por movimentos negros e feministas, entre outros.

'Apesar de tudo isso [as ameaças sofridas pela democracia], esses movimentos são irreversíveis. Não serão esmagados, não vão abrir mão de suas conquistas', afirmou a autora, que integra a Academia Brasileira de Letras.

Onde está a democracia?

Na terça (25), primeiro dia de seminário no Sesc, a secretária de Ciência e Tecnologia da cidade do Rio de Janeiro, Tatiana Roque, a pesquisadora em planejamento urbano da UFRJ Natália Alves, o jornalista e professor da USP Eugênio Bucci e o urbanista e professor da UFMG Roberto Andrés debateram a partir do mote 'Onde Está a Democracia?'.

Bucci ressaltou o perigo que o fanatismo representa para o estado democrático. 'Não há esperança fora de uma política democrática, que não está assegurada [no Brasil]', afirmou o professor. 'Se o fanatismo nos engolfa, tudo o que entendemos como civilização será arruinado.'

Segundo ele, 'precisamos aprender com os fatos' para escapar do fanatismo. O enfraquecimento da fiscalização ambiental e outros recuos civilizatórios perpetrados durante o governo Bolsonaro devem, segundo ele, ser tratados como verdade factual.

Citando Hannah Arendt, filósofa nascida na Alemanha e radicada nos EUA, Bucci enfatizou a necessidade de preservar a verdade factual, especialmente na seara política.

'Quem é que afere a verdade factual? O repórter, o historiador, o filósofo... A política não pode deformar essas antenas pelas quais nós captamos os fatos', disse. 'Se não for para discutir os fatos, a política se rarefaz. E se não for baseada nos fatos, a liberdade é uma farsa.'

Tatiana Roque lembrou que há na democracia 'uma outra temporalidade que não é a das eleições'. No último governo, de acordo com ela, a extrema direita tentou minar a força de instituições que são 'intermediárias da democracia'.

Natália Alves e Roberto Andrés discutiram a precariedade democrática no ambiente urbano. Para a pesquisadora, a 'gestão racializada dos espaços da cidade', marcada por 'gravíssimas desigualdades', representa um impacto negativo para a democracia.

A urbanização no Brasil é caracterizada por 'um esforço das elites de viver o mais longe possível dos pobres', diz Andrés. Para ele, a expansão dos condomínios, distantes das áreas centrais das cidades, a partir da fase final da ditadura militar significou um 'movimento histórico de restrição' conduzido pelas classes de renda mais alta.

Segundo Andrés, a democracia se fortalece quando os cidadãos têm condições de circular livremente por toda a cidade. Neste momento da sua fala, o professor defendeu a tarifa zero para o transporte público, modelo seguido por mais de 70 municípios do país.