Davi Miguel não tem condições de ser submetido a cirurgia e nunca esteve em fila de transplante, segundo Jackson Health Memorial. Audiência em dezembro deve confirmar retorno ao Brasil.

Criança com doença rara deve voltar sem transplante dos EUA 3 anos após campanha de R$ 1,5 milhão
O menino Davi Miguel, de Franca (SP), se mudou para os EUA para tentar transplante contra doença rara / Foto: Jesimar Gama/ Arquivo pessoal

Mais de três anos depois de arrecadarem R$ 1,5 milhão e de se mudarem para os EUA, os pais de Davi Miguel Gama devem voltar ao Brasil sem conseguir realizar a cirurgia para a doença rara do filho. Hoje com 4 anos, o menino tem uma síndrome que afeta as funções do intestino, mais conhecida como “diarreia intratável”.


Uma audiência de conciliação, marcada para 6 de dezembro pela Justiça Federal de Franca (SP), deve definir as condições e a data do retorno.
A família se mudou do interior de São Paulo para Miami no final de julho de 2015 depois de uma campanha que mobilizou até artistas. Um acordo firmado com a União permitiu o custeio das despesas gerais e do transplante no Jackson Health System por meio das doações e de repasses extras do poder público.


Sem condições clínicas para ser submetida a uma cirurgia, a criança nunca esteve na lista nacional de transplantes dos Estados Unidos, confirmou pela primeira vez ao G1 o Jackson Health, que acompanha o menino desde 2015. Os pais - que informaram nas redes sociais que a criança chegou a listar na fila pelo procedimento - disseram que o uso recorrente de cateteres causou tromboses no sistema circulatório.


"Nossa equipe médica tem sido transparente com a família e o governo brasileiro a respeito do caso dele, enquanto continua a prover um tratamento de suporte de vida para Davi. O Jackson avalia a elegibilidade dos pacientes para serem listados para um transplante baseado em critérios financeiros, psicossociais, cirúrgicos e médicos. Davi infelizmente não é elegível para um transplante e nunca foi listado na lista nacional de transplante", informou o hospital.
Enquanto ainda alimentava esperanças de ver o filho curado, mesmo com a impossibilidade anunciada de antemão pelos médicos, a família viu os recursos destinados à permanência nos EUA praticamente se esgotarem.

"É triste porque a gente veio pra ficar um ano e meio com a esperança de que fosse feito o transplante e voltar com ele bem e deu tudo errado", diz o pai, Jesimar Gama.
Procurado em diferentes oportunidades pela reportagem, o Ministério da Saúde não falou sobre a audiência de conciliação.


A pasta enviou uma nota, divulgada segundo ela em março deste ano, em que confirma a regularidade dos pagamentos à família, mediante a comprovação dos gastos, e que um médico do Jackson Memorial já declarava que o paciente deveria voltar ao Brasil por não ter condições de ser submetido ao transplante.
"Quando retornar ao Brasil, o SUS dará toda a assistência necessária ao paciente", comunicou.
 

Sem cirurgia
 
Pouco tempo depois de ser internado no Jackson Health System, em 2015, Davi foi dispensado para permanecer em casa. O menino teve a cirurgia descartada pelo hospital por não ter condições de saúde adequadas.
De acordo com o centro hospitalar norte-americano, esse tipo de decisão é baseado em critérios internacionais e na chamada Regra Final, protocolo que dita normas para a doação de órgãos nos Estados Unidos.


"Os centros de transplantes americanos, incluindo o Miami Transplant Institute, no Jackson, aderem a estatutos e políticas estabelecidas pela Rede de Aquisição e Transplante de Órgãos (OPTN). Esses regulamentos são projetados para cumprir os requisitos da Regra Final, que priorizam a alocação de órgãos escassos e aqueles pacientes que estão mais propensos a sobreviver e a prosperar na jornada do transplante, o que inclui a necessidade de acompanhamento de cuidados médicos e medicamentos pós-transplante ao longo da vida."

Desde então, a família continuou a cuidar do menino, que ainda hoje se alimenta por nutrição parenteral, além de levá-lo para consultas no hospital.
Nesse período, segundo o Jackson Health, a criança foi internada diversas vezes devido às suas condições médicas deterioradas.


Enquanto ainda guardavam esperanças de que a saúde de Davi Miguel melhorasse, os pais, que não têm visto para trabalhar no exterior, esgotaram quase todo o recurso destinado à permanência deles nos EUA.
 
Além disso, a família relata que passou a ter dificuldade para comprar a nutrição parenteral, principalmente após o governo federal atrasar pagamentos de US$ 47 mil. A conta foi paga, mas a mesma farmácia deixou de fornecer a alimentação especial, com medo de ter um calote, segundo Jesimar Gama.


O pai afirma que recorreu a outra farmácia, mas que o estabelecimento também não pretendia continuar a fornecer a nutrição parenteral por causa do acúmulo de novos débitos. "É a alimentação dele, ele sobrevive dela, vai direito no sangue, é o que o mantém vivo."

De um total de US$ 1 milhão reservado para ser usado pelo hospital, ainda restariam US$ 300 mil, mas o dinheiro só poderia ser usado na cirurgia, diz Gama.
"Alegam que não podem usar desse dinheiro, que esse dinheiro seria para o transplante, e como ele não é candidato ao transplante, não podem usar para outros procedimentos."
 

A volta ao Brasil
 
No início de setembro, os advogados de defesa da família se reuniram com representantes da União para uma audiência de conciliação na Justiça Federal de Franca.
Nela, o governo federal garantiu arcar com as despesas referentes ao retorno da família ao Brasil, bem como apresentou dois centros hospitalares– o Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, em São Paulo, e o Hospital de Clínicas, em Porto Alegre (RS) – como opções para que o menino continue a ser acompanhado no Brasil.


Uma contraproposta, que deve ser avaliada em dezembro pela União, foi apresentada pelos pais, que confirmaram o interesse em permanecer em São Paulo na volta ao Brasil.
No entanto, isso não representa a possibilidade de o menino passar por uma cirurgia a curto prazo. No melhor dos cenários, Jesimar Gama espera que o filho cresça com saúde até que um dia possa ser operado, adulto, no sistema de saúde brasileiro.
"No momento ele não é apto ao transplante. Pode ser que, quando ele fique mais velho, as veias se restabeleçam, se recanalizem, mas no momento ele não tem condições de fazer", afirma.
 

Entenda o caso
 
Nascido em Franca, Davi Miguel recebeu o diagnóstico da doença no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP). Em seguida, passou a ser acompanhado na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Hospital Regional em Franca, e posteriormente, por decisão judicial, foi transferido para o Hospital Samaritano em São Paulo.
Sem condições de arcar com o tratamento oferecido no exterior, a família entrou na Justiça para que a União arcasse com o custeio da cirurgia. A disputa começou em agosto de 2014. Além da ação, os familiares também promoveram uma campanha para arrecadar fundos e pagar o procedimento.


A decisão que obriga a União a arcar com os custos do tratamento ocorreu quase um ano após o início do processo. A Justiça Federal também determinou que 70% do valor arrecadado pela família em doações fossem revertidos para pagar as despesas da cirurgia em Miami. O restante da quantia poderá ser usado para as despesas dos pais nos Estados Unidos.