Dan Giusti deixou emprego no Noma, o premiado restaurante de René Redzepi em Copenhague, para revolucionar os cardápios das colégios públicos americanos

Conheça o chef que deixou um restaurante premiado para preparar a merenda de escolas públicas
O americano Dan Giusti comanda a Brigaid, que oferece alimentação de qualidade para as escolas públicas americanas / Foto: Divulgação

A pergunta que não quer calar. É possivel preparar uma refeição por apenas 1 dólar? Para quem duvida, o americano Dan Giusti prova o contrário. "É complicado, mas não impossível. A receita para alcançar esse objetivo é ter um bom chef na cozinha", rebate o filho de um italiano de Pescara, nascido em Nova Jersey, e que trabalhou no Noma, ao lado do chef René Redzepi, considerado um dos melhores restaurantes do mundoe que já esteve no topo da lista dos 50 melhores do planeta.

As palavras proferidas pelo chef atestam conhecimento de causa. Hoje, ele e sua equipe preparam 4 mil refeições para seis escolas públicas da cidade de New London, no estado de Connecticut, e duas no Bronx, em Nova York. Tudo isso por apenas US$ 1, já que o governo americano disponibiliza US$ 3,39 por criança e adolescente. Dessa quantia, a empresa de Dan, a Brigaid, arca com as despesas dos ingredientes, os salários dos chefs e a logística. O que resta, US$ 1,25 é para a compra dos alimentos, sendo que US$ 0,25 são destinados ao leite. A bebida é obrigatória segundo as rígidas regras do National School Lunch Program, um programa nacional de alimentação escolar.

Nos menus preparados para as escolas públicas americanas, Dan Giusti valoriza frutas, legumes e verduras frescos Foto: Divulgação

O milagre da "multiplicação" não é tão simples como parece. Até porque Dan Giusti com a sua brigada, criada em 2016, segue uma filosofia bem familiar: o que vai para a mesa tem de ser saboroso, nutritivo e feito na hora. E não é de se estranhar. Como bom descendente de italianos, ele cresceu à base de muito espaguete com molho de tomate fresco, feito pela tia Rosa, verduras e frutas.

— O meu amor pela culinária nasceu na casa dos meus parentes. A comida era, e ainda hoje é, uma forma de carinho, de atenção e de hospitalidade — comenta ele que desafia até os mais céticos. — Nas escolas públicas, a hora do almoço tem um significado muito importante. Para muitos, é a única refeição completa do dia. E é nesse momento que temos a oportunidade de mostrar nosso afeto e de como se melhor nutrir.

O prazer em comer sempre se fez presente na vida de Dan. Afinal as receitas da zia Rosa eram um deleite para o garoto que, em casa, tentava imitar a tia.

— Nem sempre dava certo. Aí, eu pedia para que ela fizesse novamente, observava e repetia até chegar no ponto certo — relembra ele, que, aos 14 anos, enquanto os colegas pensavam que caminho profissional seguir, já havia decidido o que fazer: cozinhar.

Dan estudou no Culinary Institute of America (CIA), a mesma escola de gastronomia onde estudaram os brasileiros Rafa Costa e Silva, do Lasai, e Thomas Troisgros, do Olympe, passou pelo 1789, em Washington, até chegar ao dinamarquês Noma. Houve até tempo para voltar às origens e trabalhar, por um ano, no Pinocchio, um local estrelado, em Borgomanero, uma cidadezinha do norte da Itália.

— Admito que a consagração veio quando virei chef de cuisine, em Copenhague. Era o ápice da minha carreira, mas também comecei a pensar no que veria depois — conta.

Em meados de 2015, em uma conversa com o colega de profissão, o canadense David Zilber — depois de um sábado de intenso de trabalho, às 2 da manhã —, ele revelou ao amigo: "meu sonho é pode alimentar muitas pessoas". O significado de muitas era, na verdade, milhares.  A ideia, porém, não era abrir um restaurante. Era algo a mais.

O sonho foi transcrito para o papel e virou um artigo publicado no jornal "The Washington Post". Dan Giusti anunciava assim a sua intenção de transformar as refeições oferecidas pelas escolas públicas. Como? Por meio da contratação de chefs que preparariam pratos frescos dentro das próprias instituições. A proposta causou alvoroço, e o chef viu, naquele momento, nascer a Brigaid. O nome é uma alusão ao termo francêsbrigade de cuisine, usado para definir a estrutura organizacional de uma cozinha. Um dos investidores, é nada mais nada menos, que René Redzepi, chef e um dos sócios do Noma, premiado com 2 estrelas Michelin, e ex-patrão do americano.

A revolução alimentar oferecida pelo chef americano foi ganhando adeptos. As escolas que aderiram à proposta passaram a colaborar com a equipe da Brigaid.

— Nós recrutamos os chefs que se tornam funcionários das escolas e supervisionamos o time de merendeiras que preparam as refeições. Nas escolas, onde as cozinhas não são equipadas, nós distribuímos a comida quase pronta, mas fresca — explica Dan, que desenvolve receitas e introduz novos ingredientes como peixe fresco e verduras no cardápio.

Tudo isso, é claro, seguindo rigorosamente todas as normas ditadas pelo programa nacional de alimentação americano. Vale lembrar que antes da chegada da Brigaid essas mesmas escolas serviam, segundo estimativas, refeições contendo 75% de alimentos industrializados.

Elogios e críticas não faltam. O chef diz que colocou seu ego de lado e admite não se frustar mais com comentários.

— No começo, quando uma das receitas não agradava, eu me culpava. Agora, percebi que é preciso também levar em conta o gosto da criançada e dos adolescentes. Com o tempo, percebemos que o sucesso é maior com os mais novos que começam mais cedo a provar novos sabores — explica.

Mesmo diante de clientes tão exigentes, ele já realizou a proeza de tornar brócolis e cenouras campeões de preferência. E, em tempos globalizados, até mesmo arroz e feijão já figuraram no menu.

A nobre batalha para reformar a alimentação nas escolas não é uma exclusividade de Dan Giusti. O inglês Jamie Oliver, em 2010, rodou os Estados Undios com o seu Jamie Oliver's Food Revolution onde tentava combater o predomínio de nuggets e achocolatados nos refeitórios das escolas.

A Brigaid não é um projeto com começo, meio e fim. É uma empresa que veio para ficar e expandir. Prova disso é que muitas escolas em todo o território americano já manifestaram interesse no serviço da Brigaid.

— Não é fácil mexer no modo como os estudantes se alimentam. É preciso romper barreiras e até convicções. Mas o resultado que temos obtido nos dá grande satisfação — afirma o chef.

Ele já teve até que mudar de lugar um bebedouro sob alegação de que, ao invés de leite, os estudantes passariam a tomar água. Mesmo diante de infundadas restrições, o americano não se arrepende de ter deixado o glamour dos restaurantes estrelados pelas cozinhas industriais e, às vezes pouco equipadas, de instituições públicas.

O desejo de alimentar milhares de pessoas se tornou realidade, mas o objetivo é chegar a casa dos milhões com a expansão dos serviços da Brigaid. O que, porém, não invalida a prospectiva de investir em um novo empreendimento gastronômico.

— Nada de restaurante ou fast-food, mas quem sabe uma sorveteria? Alimentar é uma forma de amar. E se for doce e nutritivo, melhor ainda — brinca.