A implementação de uma política de saúde pública mais justa, com o perdão do trocadilho, não era para ser feita (ou, pelo menos, executada, em alguns casos) pela Justiça.

Confira o editoral desta segunda-feira: "Injustiça na saúde pública"

Se o Poder Judiciário tem sido muito demandado a garantir tratamentos, é porque o sistema de saúde pública não é justo.

A implementação de uma política de saúde pública mais justa, com o perdão do trocadilho, não era para ser feita (ou, pelo menos, executada, em alguns casos) pela Justiça. Mas é assim que tem ocorrido no Brasil nas últimas décadas. Em muitos casos, os tribunais são – literalmente – o último recurso para que o cidadão tenha um atendimento digno no sistema de saúde. Diariamente, juízes e desembargadores se deparam com situações dramáticas nos tribunais: vidas de pessoas em risco – e com vidas, eles sabem muito bem, não se brinca.

Por mais que se tente buscar mecanismos para evitar a judicialização da saúde pública, existem princípios que os magistrados não podem abrir mão: o da Fumaça do Bom Direito (a verossimilhança dos casos apresentados, coerência dos fatos, antes da instrução processual) e o do Perigo da Demora (o risco da perda da tutela pretendida em caso da demora em se tomar uma decisão). Não era para ser assim, mas as vidas de muitas pessoas, sobretudo as de baixa renda, tem ficado ultimamente também nas mãos dos magistrados – além, claro, das dos médicos.

Nesta edição, trazemos reportagem dimensionando o problema existente no Poder Judiciário: o excesso de demandas por cirurgias, tratamentos e medicamentos. Os operadores do Direito querem mais transparência por parte do poder público para poder fazer justiça nos milhares de processos que são chamados para julgar a todo instante. Nada mais justo. Cabe agora ao poder público providenciar os dados necessários – e sem demora, porque tratam-se de vidas em risco – para que as decisões sejam tomadas. A informação precisa é essencial em um processo judicial e em qualquer situação que envolva uma decisão a ser tomada: seja por um juiz, por um médico ou por qualquer outro profissional. Tenham certeza: informação salva vidas e ainda economiza dinheiro público.

O que podemos verificar nesta fila por procedimentos, que chega aos milhares em Campo Grande e, certamente, ultrapassa os milhões no Brasil, é que se o Poder Judiciário tem sido constantemente demandado a garantir tratamentos, é porque o sistema de saúde pública brasileiro não é justo. Para usar um termo da Medicina, a causa do excesso de pedidos de procedimentos cirúrgicos e de medicamentos na Justiça é a consequência de uma doença que precisa de cura urgentemente: a má gestão da saúde pública.