Com vazamentos de documentos oficiais, papa Francisco enfrenta seu maior desafio
O atual pontífice é o primeiro papa latino-americano e o primeiro com o nome de Francisco.

"Rezem por mim", suplicou o argentino Jorge Mario Bergoglio repetidamente durante a primeira semana de seu Pontificado, em março de 2013. O pedido, apesar de ser visto como um simples gesto de humildade do novo papa - o primeiro latino-americano e com o nome de Francisco -, na verdade era uma sinalização do líder católico em busca do apoio que precisava para realizar as reformas que tanto queria dentro da Igreja.

Desde o início de seu Pontificado, Francisco deixou claro que abalaria as estruturas da Igreja e que não mediria esforços para reparar e reorganizar o que julgava necessário, desde as denúncias de pedofilia até a reforma da cúria e o funcionamento das organizações financeiras do Vaticano. No entanto, o seu jeito espontâneo de lidar com o público, seus discursos cativantes e as frequentes quebras de protocolo em eventos oficiais fizeram o mundo inteiro concentrar o olhar apenas na personalidade do papa - e não no que ele estava promovendo no interior do Vaticano.

Quase três anos depois de sua eleição, ocorrida às pressas devido à histórica renúncia do papa Bento XVI, os efeitos das reformas de Francisco vieram à tona e provocaram o maior escândalo de sua gestão: o chamado "Vatileaks2", o segundo vazamento de documentos oficiais da Santa Sé (o primeiro ocorreu em 2012 e é considerado o estopim para a saída de Bento XVI do cargo).

Uma das primeiras decisões de Francisco como líder católico, entre julho e agosto de 2013, foi a formação de comitês para análises de reformas econômicas e para supervisão de atividades financeiras da Santa Sé. As medidas foram adotadas em conjunto com uma série de novas normas contra lavagem de dinheiro, financiamentos ilícios e corrupção. Uma das principais comissões, a de Reforma Econômica-Administrativada Cúria, era composta por sete especialistas laicos e por um religioso, o padre espanhol Lucio Ángel Vallejo Balda, de 54 anos, que era secretário da Prefeitura de Assuntos Econômicos da Santa Sé e membro da Opus Dei. Por um ano, o grupo se reportou diretamente ao papa, aconselhando-o sobre assuntos econômicos e sobre como melhorar a transparência do Vaticano.

Mas o que deveria ser apenas um passo para uma reforma nos organismos financeiros e nas contas do Vaticano, sobretudo no banco Instituto para as Obras de Religião (IOR), acabou se tornando a maior crise da gestão de Francisco até agora. Parte dos documentos redigidos pela comissão foi vazada e comprovou uma clara resistência de uma ala do purpurado ultraconservador às mudanças implantadas pelo papa. Ao centro do escândalo está o próprio Vallejo Balda, junto com a italiana laica Francesca Immacolata Chaouqui, 33, uma das integrantes da comissão. Ambos foram presos preventivamente pelo Vaticano no mês passado por suspeita de vazamentos de relatórios confidenciais, em meio à publicação de dois livros na Itália inspirados nestes documentos.

"Avarizia" ("Avareza", na tradução do italiano) é assinado pelo jornalista Emiliano Fittipaldi e relata a constituição do império financeiro da Santa Sé, denunciando o gasto excessivo de membros da Igreja em passagens aéreas, imóveis, artigos de luxo e roupas, financiado com desvios de obras de caridade.

Já a obra "Via Crucis", do também jornalista Gianluigi Nuzzi, conta como Francisco tem encontrado dificuldades em realizar suas reformas. Em entrevista à ANSA, o teólogo e professor Fernando Altemeyer Júnior disse que "Francisco continua quixotescamente fazendo aquilo que precisava ser feito, enquanto outra ala da Igreja permanece lutando por seus privilégios". "Um dos maiores problemas da Igreja é que a cúria pensa que manda mais que o Papa. É como se o dragão se virasse contra o feiticeiro", comentou o especialista. Para o teólogo, apesar do escândalo dos vazamentos ser "um freio brutal" no projeto de Igreja idealizado por Francisco, seriam necessárias ao menos duas décadas para todas as reformas serem concluídas. "Francisco é apenas um 'turning point' na história", disse.

Além disso, Altemeyer afirmou que o mais novo episódio do vazamento está relacionado ao escândalo de 2012, "pois são as mesmas pessoas se opondo ao Papa, as mesmas resistências, o mesmo posicionamento da Opus Dei". "O Vatileaks foi uma facada nas costas de Bento XVI e contribuiu para sua renúncia. Francisco, certamente, poderá também renunciar, mas ele não é covarde e tentará primeiro completar suas reformas e suas 'limpezas'. Ele renunciará apenas se se sentir isolado e sozinho, ou quando não tiver mais forças físicas para aguentar o peso do cargo", analisou o especialista.

De acordo com Altemeyer, a tendência é que o Papa tente resolver o novo escândalo o mais rápido possível e se concentre em outros temas que são cruciais em seu Pontificado, como o meio ambiente, tema de sua encíclica "LaudatoSí". "Francisco não pode governar pensando somente em Roma. Precisa pensar no mundo todo e nos desafios", ressaltou.