Ele só se banhava uma vez por ano, sempre no dia 1° de janeiro, motivo de festa na cidade

Após anos com fama de Cascão, ex-prefeito toma banho, mas não perde o apelido
Cascão hoje mora em Dois Irmãos do Buriti e recebe cuidados de uma família que mora com ele. / Foto: Paulo Francis

Por volta de 2003, nos fundos de um muquifo, em Palmeiras, a 80 quilômetros de Campo Grande, um homem velho entregava uma garrafada à mãe desesperada para curar a tosse insistente da filha. “Pode tomar. Isso é mel com fedegoso. Cura tosse em uma semana”, dizia o homem que não escondia a sujeira na porta de casa.

Se é loucura recorrer a tal garrafada, até hoje não se sabe, a única certeza é que a tosse de muita gente passou. Talvez, por isso, tenha sido impossível esquecer a cara do velho, com aparência suja, mas sorriso simpático, tanto quanto o apelido que o deixou conhecido na região: Cascão.

O nome de batismo é Alfreu Silva, mas ainda hoje a maioria só o reconhece pelo apelido. Cascão é ex-vereador de Anastácio e cumpriu dois mandatos como prefeito em Dois Irmãos do Buriti, o primeiro entre 1989 a 1992. O segundo, de 1997 a 2000.

Ganhou o título de Cascão antes mesmo da vida política por se recusar a tomar banho. Só se banhava uma vez por ano, sempre no dia 1° de janeiro. Tal cena virava festa popular entre os mais próximos, comerciante e chacareiros do distrito. Isso também o deixou conhecido como o “Prefeito mais sujo do Brasil”.

Cascão também não escovava os dentes e nos últimos anos sobreviveu em meio à miséria. Adorava dizer que era pobre porque foi um político que “nunca roubou”, embora noticiários já tenham estampado seu nome por responder em regime aberto por improbidade administrativa e até ter sido preso por não comparecer mensalmente para assinar presença no Fórum Municipal. Mas ele jura que sempre foi justo. “Se eu roubei foi para dar par ao povo. Comigo não tem nada, não tenho nem carro e bicicleta”, diz.

Hoje - Aos 86 anos, pesando 50 quilos e com sinais de esquecimento entre uma conversa e outra, atualmente Cascão mora em Dois Irmãos do Buriti e não faz mais jus ao apelido. Toma banho todos os dias e usa roupas limpas. “Isso é coisa que o povo falava. Mas eu não tomava banho mesmo. Aprendi com os índios. Eles só se molhavam por causa do calor, mas não tomavam banho”, justifica.

Hoje a situação é diferente por causa da idade. “Tenho que me cuidar, né”, diz. “Eu já esqueço muito das coisas porque velho é assim mesmo”, completa.

Também com problemas de audição é preciso aumentar o tom para ele compreender o diálogo. Cascão ainda fala bastante do tempo que era político, mas de maneira rasa, às vezes, confusa. “Fui prefeito de Dois Irmãos seis vezes”, diz.

Com certa dificuldade, se levanta da rede e vai até à sala que faz de quarto mostrar o que ficou do passado. Na parede, o cartaz de quando foi candidato pelo PSD e inúmeras fotografias durante o mandato. “Se alguém falar que eu roubei eu mostro as fotos. Tem Cascão na prefeitura, na ponte e fazendo estrada”, diz.

Entre as fotografias, Cascão exibe registros de quando começou na política e fazia campanha com Fiat 147 e um jegue. “Eu cheguei aqui com três caminhões e um circo”, lembra.

Uma das fotos exibe a tenda circense que virava palco de campanha. Outras mostram Cascão no meio da estrada escrevendo à mão nomes de candidatos.

O ex-prefeito sorri ao mostrar a pasta empoeirada com diplomas antigos que ganhou durante o mandato. Mostra-se orgulhoso dos títulos e também do encontro que um dia teve com Fernando Henrique Cardoso em uma das visitas do então presidente a Corumbá. “Sabe, eu cheguei a Dois Irmãos e só tinha três pessoas. O Zé Olho de Gato que era dono da borracharia, o cara do açougue e o dormitório Avelino. Depois disso eu fui vendendo tudo para fazer a escola e a cidade”, diz ele.

Cascão não deu muitos detalhes sobre o que realmente foi feito e os desafios de sua administração, também não quis falar sobre o processo de improbidade e quando íamos à ferida da política, voltava os olhos para o caderno de palavras cruzadas. “Faço palavra cruzada para passar o tempo, porque o povo não dá valor em mim. E que eu vou fazer, né? Deus quis assim”.

Terapia do papel – Sem falar muito do passado, no dia a dia Cascão vive em casa própria e conta com ajuda de uma família que mora com ele. Ocupa a cabeça fazendo colagens à espera de surpreender os moradores no fim de ano. “Estou fazendo recorte e colagem pra colocar no portão no Natal”.

Sobre o futuro, o ex-prefeito diz que só quer chegar ao centenário em paz. “Se eu chegar aos 100 anos sem ninguém me enchendo o saco está tranquilo. Não tenho mais o que pedir nessa vida”.