A escocesa Jo Cameron, de 71 anos, é uma das duas pessoas identificadas com uma rara mutação que a faz sentir praticamente nenhuma dor

 A mulher que não sente dor
Jo Cameron (esquerda) só descobriu que era diferente aos 65 anos, depois de uma cirurgia / Foto: Jo Cameron / BBC News Brasil

Jo Cameron tem 71 anos e praticamente não sente dor alguma. Também não tem medo ou fica ansiosa.

Ela vive em Iverness, na Escócia, e é uma das duas pessoas no mundo diagnosticadas com uma rara mutação genética.

Há seis anos, quando foi submetida a uma cirurgia, descobriu que era diferente. Os médicos não acreditaram que ela não precisava de analgésicos no pós-operatório.

Ela operou a mão e não sentiu necessidade de tomar remédio para dor.

Como ela dispensou os analgésicos, o anestesista Devij Srivastava decidiu levar o caso a geneticistas especializados em dor das universidades britânicas UCL (University College London) e Oxford.

"Quando ficou sabendo que eu não estava tomando (anestésicos), o médico checou meu prontuário e descobriu que eu nunca havia pedido analgésicos", conta Jo Cameron. Foi quando ela foi encaminhada para se consultar com especialistas na Inglaterra.

Ao ser diagnosticada com a mutação, Jo percebeu que ela, na verdade, não estava "incrivelmente saudável" como achava.

Perigos no dia a dia

Jo sempre soube que não precisava de remédios para dor, mas nunca se perguntou o porquê disso.

"Eu era apenas uma pessoa feliz, não percebi que havia algo diferente em mim", diz.

Ela não percebia, mas sempre tolerou a dor numa escala muito maior que as outras pessoas. Até mesmo no parto. "Foi estranho, não doeu. Foi bem prazeroso, na verdade", conta.

Na cozinha, com frequência, Jo queima o braço no fogão. Só percebe quando a pele começa a cheirar a carne chamuscada. Nem assim notou que era insensível à dor.

Ela garante que não tem vontade de mudar, mas reconhece que a dor tem sua importância. "A dor existe por uma razão, para te avisar. É um alerta", avalia.

"Seria bom ter um aviso quando algo está errado", afirma, dizendo que não "sabia que o quadril tinha ido embora até que ele foi embora". "Não poderia andar com o tipo de artrite que tenho".

Médicos acreditam que ela também consegue se curar mais rápido que o normal. Os especialistas dizem que Jo tem uma combinação muito específica de genes que a torna mais esquecida e a faz se sentir menos ansiosa.

"É chamado o gene feliz ou do esquecimento. Eu venho incomodando as pessoas por ser feliz e esquecida o tempo todo. Agora, tenho uma desculpa", observa.

Jo também não tem medo. Recentemente, ela bateu o carro. Nem ligou para o episódio, que deixaria muita gente chateada.

"Não tenho adrenalina. Todo mundo deveria ter aquele aviso, faz parte de ser humano".

Depois da batida, conta Cameron, a outra motorista estava tremendo. Já ela, estava calma. "Não tenho esse tipo de reação. Não é ser corajoso, é que o medo simplemente não vem".

Rastreando a condição

Pesquisadores acreditam que haja mais pessoas como Jo Cameron no mundo.

"Um em cada dois pacientes após cirurgias ainda experimentam dor de moderada a grave, apesar de todos os avanços no desenvolvimento de analgésicos. Resta saber se novos tratamentos poderiam ser desenvolvidos com base em nossos resultados", disse o anestesista Devij Srivastava.

Há pesquisas de novos medicamentos que poderiam oferecer alívio da dor pós-cirúrgica e também acelerar a cicatrização de feridas. "Esperamos que isso ajude os 330 milhões de pacientes que se submetem a cirurgias no mundo a cada ano", disse o médico.

O caso de Jo vai virar artigo acadêmico na publicação British Journal of Anaesthesia, assinado pelo médico Srivastava and James Cox, da UCL.

Cox diz que pessoas com insensibilidade rara à dor podem ser valiosas para pesquisas médicas.

O caso de Jo pode ajudar outros pacientes a lidar melhor com a dor. "Aprendemos como suas mutações genéticas afetam a forma como as pessoas experimentam a dor, por isso encorajamos qualquer um que não sinta dor a se manifestar. Esperamos que, com o tempo, nossos achados possam contribuir para a pesquisa clínica para dor e ansiedade no pós-operatório, e potencialmente dor crônica, e cicatrização de feridas", explica Cox.