
Os Estados Unidos mais uma vez terão a maior delegação nas disputas do atletismo nos Jogos. Mas as seletivas olímpicas para a Rio 2016, encerradas neste domingo, deixaram de fora um dos maiores exemplos de superação do esporte mundial na atualidade. Por um centésimo de segundo, Aries Merritt ficou fora do pódio americano dos 110m com barreiras e não poderá defender seu título. O peso da ausência vai além da frustração de um campeão. Há menos de um ano o medalhista de ouro em Londres passou por um transplante de rim, foi submetido a uma cirurgia para conter complicações e enfrentou uma lesão da virilha. Contrariando todas as indicações médicas, correu (o que podia e) o que não podia atrás da vaga. Infelizmente, ficou pelo caminho.
Merritt tinha o índice mínimo exigido pela Federação Internacional de Atletismo (IAAF) para classificar-se para o Engenhão. Mas como os EUA são uma potência do esporte e o número de atletas com a marca ultrapassa o limite máximo de três por país em cada prova, muitos medalhões acabam surpreendidos. As vagas nos 110m ficaram com Devon Allen (13s03), Ronnie Ash e Jeff Porter (ambos com 13s21). Merritt, com 13s22, pediu o photofinish da chegada. Mas as imagens só confirmaram sua derrota.
- Para mim, estar onde eu estou é um milagre. É uma pena eu não ir aos Jogos. Sei que em seis semanas estarei em uma forma muito melhor do que agora e poderia fazer algo muito semelhante ao que fiz em Pequim (Mundial de 2015). No entanto, não é o caso - disse, em entrevista coletiva após a prova, no sábado.
O drama do barreirista tornou-se público apenas em agosto do ano passado, mas começou dois anos antes. Apesar do status de campeão olímpico e recordista mundial, Merritt foi apenas o sexto colocado no Mundial de Moscou, em 2013. A colocação só evidenciou o que ele já vinha sentindo fora da pista: perda de potência, cansaço excessivo e mal-estar frequente. Médicos descobriram uma rara doença renal que deixava seus órgãos como ameixas enrugadas, trabalhando muito abaixo de sua capacidade.
Às vésperas de disputar o Mundial de Pequim, em 2015, Merritt revelou sua condição clínica e anunciou que sua irmã LaToya Hubbard lhe doaria um rim no início de setembro. Surpreendeu mais ainda ao manter a inscrição no evento e, na final, faturar o bronze com 13s04.
- O pior momento foi quando me falaram que eu não poderia correr mais. Fiquei deprimido. Muito irritado, chateado. Era como se tivessem arrancado uma alegria de dentro de mim. (...) Sabia que poderia ganhar uma medalha. Eu sabia. Eu tinha seis semanas para resolver isso. Eu sabia que tinha tempo antes da cirurgia. Mas teria que fazer coisas que não poderia. Como por exemplo, comer proteínas. Eu tinha um transplante de rim dias depois. Mas pensei: “”Que seja, vou fazer o que tiver que fazer”. Porque eu realmente pensei que seria o meu último campeonato. Achei que era aquilo e ponto - contou ao GloboEsporte.com.
O recordista mundial se submeteu ao transplante em 1º de setembro. Em 18 de outubro, precisou passar por uma segunda cirurgia, pois o rim estaria se movendo. Perdeu muito peso e massa muscular. Mas manteve a confiança sobre seu potencial tanto para se recuperar em tempo recorde quanto para repetir as grandes atuações enquanto atleta.
Para alcançar o alto rendimento, no entanto, Merritt optou por desobedecer conscientemente às recomendações médicas. Teria que tomar suplementação alimentar, algo que possivelmente aumentaria a carga de trabalho do rim novo. E o movimento de suas pernas para ultrapassar as barreiras constantemente geraria atrito com a cicatriz e a área operada. Um tombo, algo relativamente comum em sua prova, poderia ser extremamente danoso.
- Foi como reaprender a andar. Foi muito devagar. Meus joelhos estavam bambeando, eu estava pesado. Mas eu estava feliz de voltar a treinar, sabia que meu corpo voltaria. Como atleta você tem memória muscular. Meu corpo sabia o que tinha que fazer. Quando eu acordei a primeira coisa em que pensei foi quando poderia voltar a treinar, porque o Rio (2016) estava chegando.
A Olimpíada do Rio começará em 25 dias. A competição de atletismo, no Engenhão, vai de 12 a 21 de agosto. Apesar de todo o esforço, Aries Merritt terá que se contentar com a torcida pela televisão. Sua dedicação, no entanto, servirá se exemplo a todos aqueles que quiserem aprender como superar barreiras. Dentro e fora das pistas.
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