Sucesso e fracasso rondam o destino de "Cinquenta Tons de Cinza" (2015) desde sua origem. Os mais de 100 milhões de exemplares vendidos do primeiro livro da trilogia de E. L. James foram, claramente, a principal motivação para um grande estúdio de Hollywood levar este soft porn best-seller para o cinema, esperando garantir uma significativa bilheteria com a enorme base de leitores e fãs. E os números de visualizações do trailer e de pré-venda de ingressos nos Estados Unidos parecem confirmar essa aposta.

Por outro lado, as críticas sempre perseguiram o romance originado de uma fanfic – ficção criada por fãs – de “Crepúsculo”. Se a casta história fantástica do livro de Stephenie Meyer já gerou controvérsias por seu conservadorismo, seu filhote sadomasoquista criou ainda mais polêmicas: acusações de misoginia na dinâmica de dominação/submissão e de incitação à idealização de um “príncipe encantado” que controla tudo com dinheiro, poder e sexo versus a defesa de abrir espaço para as mulheres expressarem seus próprios desejos sexuais.

Mas antes de qualquer discussão mais aprofundada, são as falhas da pobre prosa literária de James que chamam mais atenção durante a leitura. Com um material em mãos que, embora seja lucrativo, é de qualidade discutível, chega a ser surpreendente para os mais céticos que Sam Taylor-Johnson tenha feito uma adaptação cinematográfica que, apesar de ser fiel às principais passagens da obra original, consegue ser consideravelmente melhor e alcançar um público maior. E isso mesmo com um início não muito animador, que faz jus ao fraco enredo e aos absurdos na narrativa e nos diálogos do romance.

No caso, o público é apresentado a Anastasia Steele (Dakota Johnson, de “A Rede Social”), estudante de literatura inglesa que, para ajudar Kate (Eloise Mumford), sua colega de quarto que está resfriada, vai entrevistar o jovem magnata Christian Grey (Jamie Dornan, da série “The Fall”) para o jornal da faculdade, sem experiência ou pesquisa nenhuma.

Logo surge a atração entre o frio e sedutor empresário e a moça tímida e atrapalhada, dando margem a todo tipo de canastrice, seja nos olhares dos atores ou na trilha sonora de Danny Elfman, remetendo aos prólogos dos pornôs tradicionais.

Felizmente, o tropeço inicial, tanto no sentido literal quanto no figurado, não se repete tão acintosamente e o filme entra num caminho mais aprazível, equilibrando bem a tensão e o humor da estranha relação que se estabelece entre os dois, como na inusitada reunião de negócios.

Isso porque Ana descobre que o enigmático Sr. Grey a deseja, mas dentro de suas próprias regras, bem acordadas em um contrato de dominação que faria dela sua submissa em relação a brincadeiras sexuais sadomasoquistas, alimentação e comportamento.

Esta condução mais satisfatória cabe, em parte, à direção de Taylor-Johnson, da cativante biografia da juventude de John Lennon, “O Garoto de Liverpool” (2009).

De seu primeiro trabalho, aliás, a única ligação com este é a execução de “I Put A Spell On You”, que lá marcava uma importante cena e agora abre a produção em uma bela interpretação da Annie Lennox – a seleção musical é jovem, indo do indie ao pop, com uma versão de Beyoncé de seu próprio hit.

Longe do drama familiar de seu début em longas, a cineasta investe no romance dramático em que se baseia o livro, tentando imprimir mais classe e refinamento ao conteúdo.

Resultado que se confere no trabalho cuidadoso da equipe técnica, com a fotografia de Seamus McGarvey e a edição de Lisa Gunning ditando ritmo e tom mais românticos nas cenas de sexo – com exceção da sequência final – do que no livro ou do que foi visto, por exemplo, no recente “Ninfomaníaca” (2013), de Lars von Trier.

Outra contribuição fundamental é do roteiro de Kelly Marcel, que faz merecidos cortes em cenas desnecessárias ou infames e suprime os pensamentos da narrativa em primeira pessoa de Anastasia, extremamente toscos para uma estudante de literatura – alguém precisava ouvi-la falar da “deusa interior”?

Apesar da pobreza na trama e nos diálogos, que ainda se faz perceptível, o êxito da roteirista e da diretora está no fato de dar poder a Ana, tornando-a menos submissa do que a personagem original e transformando-a em uma espécie de dominadora do Sr. Grey, ao tentar introduzi-lo em um relacionamento normal, situação que ela também desconhece.

A questão é que ambas não conseguem ultrapassar os problemas do material para incluir novas camadas de compreensão dentro da história, tal como ocorre no longa de temática semelhante, “Secretária” (2002), de Steven Shainberg – que apresenta, literalmente, o primeiro Sr. Grey, com James Spader e Maggie Gyllenhaal –, ou com o livro que cita, “Tess of the d’Ubervilles”, de Thomas Hardy.

Quanto ao elenco, a rápida aparição de Marcia Gay Harden como a mãe do empresário é uma amostra de quanto os coadjuvantes ficaram relegados na adaptação, em favor do foco nos dois protagonistas, que, embora não tenham uma química arrasadora, conseguem defender o casal.

Vinda de uma família de atores – ela é filha de Melanie Griffith com Don Johnson e neta da Tippi Hedren –, Dakota Johnson aproveita bem a sua chance, com uma interpretação que cresce junto com a personagem e a torna mais interessante.

Com um Christian Grey menos bruto e controlador do que o do livro, Jamie Dornan não compromete com sua passiva arrogância, mas também nada acrescenta à complexidade pretendida em seu papel.

Assim, a dúvida que fica é se, mesmo com o esperado sucesso deste filme e consequente produção de duas sequências, a trilogia conseguirá, tal qual seu personagem, manter o controle até o fim.