Senadora foi filmada fazendo compras em loja de luxo nos EUA com lobista acusado de extorquir empresários de bets

Soraya se envolve em novo escândalo em ano pré-eleitoral
A senadora sul-mato-grossense Soraya Thronicke (Podemos) durante reunião da CCJ do Senado / Foto: - Saulo Cruz/Agência Senado

Com um mandato marcado por polêmicas e escândalos, a senadora sul-mato-grossense Soraya Thronicke (Podemos) voltou a protagonizar mais um nesta última semana em um ano pré-eleitoral, quando, teoricamente, a parlamentar deveria evitar qualquer imagem negativa, afinal, em 2026, ela tentará a reeleição para mais oito anos no Senado.A senadora Soraya Thronicke durante as compras em loja de luxo em Orlando (EUA), com lobista - Foto: reprodução/metrópoles

Conforme reportagem publicada ontem pelo site Metrópoles, Soraya Thronicke foi filmada, na noite da sexta-feira, fazendo compras ao lado do controverso lobista Silvio Assis em uma loja da grife francesa Louis Vuitton, no The Mall at Millenia, um dos principais shoppings de luxo em Orlando, no estado da Flórida, nos Estados Unidos, onde ambos passam férias. 

Nos últimos anos, o lobista esteve envolvido em uma série de escândalos, incluindo, desde a suspeita de pedido de propina para facilitar compras de vacinas contra a Covid-19 até a acusação de extorquir empresários do setor de apostas on-line, as famosas bets, as quais foram alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado em que a relatora foi a parlamentar sul-mato-grossense.

Nas imagens obtidas pelo site, é possível ver a senadora sul-mato-grossense e o lobista na loja com taças de espumante e em um dos vídeos Soraya aparece próximo ao provador elogiando uma peça que Silvio Assis experimentava.

A assessoria de imprensa da parlamentar confirmou que esteve na loja com o lobista, mas não deu mais detalhes, revelando apenas que está curtindo o recesso com a família nos Estados Unidos.

ESTREITA RELAÇÃO
A estreita relação entre a senadora e o lobista veio à tona durante os trabalhos da CPI das Bets em dezembro de 2024, quando a revista Veja revelou que Soraya empregava a irmã e o genro de Assis como assessores em seu gabinete, no Senado.

Em 2018, o lobista foi preso pela Polícia Federal após gravações telefônicas interceptadas com autorização judicial flagrarem ele negociando pagamento de R$ 3,2 milhões em propina para facilitar a liberação de registros sindicais no Ministério do Trabalho.

Essa aproximação de ambos acabou refletindo na CPI das Bets, pois os senadores membros rejeitaram o relatório final de Soraya Thronicke, ficando quatro votos contrários e três favoráveis ao texto. Com isso, o colegiado teve suas atividades encerradas sem medidas a serem adotadas.

A senadora sul-mato-grossense entrou para a história do Senado, pois foi a primeira vez, nos últimos 10 anos, que uma CPI da Casa de Leis teve o relatório rejeitado.

O documento elaborado pela relatora acusava 16 pessoas de cometer crimes (indiciamento), incluindo influenciadores digitais como Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra.

O texto ainda apresentava 20 projetos de lei para conter os malefícios causados pelas apostas virtuais. 

Entre eles, havia projetos para a proibição de jogos semelhantes a caça-níqueis (como o Jogo do Tigrinho, o que não afetaria apostas esportivas de tempo real) e a proibição de pessoas inscritas no CadÚnico (instrumento que identifica famílias de baixa renda) de apostar na internet.

Após a reunião, Soraya afirmou que, mesmo com a rejeição, entregaria os documentos às autoridades.

A senadora tentou minimizar a derrota do seu relatório, afirmando que, se fosse aprovado na CPI, não haveria uma “força maior” nos pedidos de indiciamentos.

Os indiciamentos aprovados pelas CPIs são enviados ao Ministério Público ou à Polícia Federal, que podem ou não acatar o procedimento.

A maior parte dos pedidos de indiciamento no relatório são para empresários e empresas do setor de apostas, como a MarjoSports e a Brax Produção e Publicidade.

O relatório ainda pedia o indiciamento de Virgínia Fonseca, por estelionato e propaganda enganosa; e de Deolane Bezerra, que chegou a ser presa pela Justiça de Pernambuco, por estelionato, exploração não autorizada de jogos de azar, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa (assim como seus sócios na empresa de apostas Zeroum Bet); de Adélia de Jesus Soares, advogada de Deolane e proprietária da Payflow Processadora de Pagamentos, que atua no setor de apostas; de Daniel Pardim Tavares Lima, por falso testemunho perante a CPI, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa; de Pâmela de Souza Drudi, influenciadora digital, publicidade enganosa e estelionato; de Fernando Oliveira Lima, conhecido com Fernandinho Oig, dono de empresa de aposta, e de duas pessoas a ele vinculadas, pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Com o total de 21 reuniões, a CPI escutou 19 pessoas. Isso representa pouco mais de 10% do total de depoimentos aprovados. 

Além disso, em diversas ocasiões os integrantes do colegiado foram surpreendidos com a ausência dos convocados: seis pessoas não apareceram para depor.

A comissão ainda analisou 192 requerimentos de informações sigilosas do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), dos quais metade foi aprovada. Em resposta aos requerimentos, o Coaf enviou 63 documentos à comissão até o início de junho.

A CPI das Bets foi instalada em novembro de 2024 para investigar o impacto que as apostas on-line causam no orçamento das famílias brasileiras, apurar supostos vínculos com o crime organizado e identificar irregularidades na atuação de influenciadores que divulgam essas apostas.

As chamadas apostas de quota fixa se referem às apostas on-line esportivas (bets) e aos jogos on-line que se assemelham aos cassinos (como o Jogo do Tigrinho). A “quota fixa” é aquela que permite ao apostador saber de antemão quantas vezes a mais ele receberá sobre o valor apostado, caso seja premiado.

O setor passa por uma abertura desde 2018, com a Lei nº 13.756. O período sem regras explícitas para atuação gera divergência entre especialistas quanto à legalidade de determinadas atividades do setor.

INDÚSTRIA DO TABACO
Soraya Thronicke ainda enfrenta impasse na atuação parlamentar, já que, enquanto “combate” as apostas on-line, é autora de projeto de lei que prevê a regulamentação do cigarro eletrônico no Brasil, cujo mal à saúde da população mundial está amplamente comprovado.

Quando fala sobre os cigarros eletrônicos, a senadora costuma contar uma história que lhe ocorreu em 29 de maio de 2024, quando estava em Bolonha, na Itália, fazendo um tour pelas instalações da Philip Morris International, a gigante do tabaco, que custeou toda a viagem internacional e tem interesse na aprovação do projeto de lei.

Thronicke visitou a fábrica acompanhada por dois senadores do PSD, Sérgio Petecão e Irajá. 

A certa altura da visita, perguntou para o seu guia: onde fica o setor que fabrica os cigarros tradicionais de tabaco?

O funcionário não soube responder. Desinteressado, disse apenas: “Mas isso é passado”.

Thronicke acha que o episódio é uma ilustração adequada sobre o caráter visionário e inovador dos cigarros eletrônicos: eles são o futuro.

O futuro do emprego, o futuro dos investimentos e, acredita ela, até o futuro de uma população de fumantes mais saudável.

A senadora concorda com a maior bandeira da propaganda dos fabricantes: que os cigarros eletrônicos – também chamados de vaporizadores, ou apenas vapes – são uma alternativa menos prejudicial ao organismo do que os cigarros tradicionais. Por isso, apresentou no ano passado um projeto de lei que regulamenta os vapes, atualmente proibidos no Brasil.

No gigantesco complexo da empresa, o grupo conheceu todas as etapas da produção do cigarro eletrônico, da trituração das folhas de tabaco – importadas do Sul do Brasil – ao empacotamento nas caixinhas da Philip Morris.

Thronicke diz ter ficado impressionada com o que viu. “Não se investe mais em cigarro comum. Só países de terceiro mundo, subdesenvolvidos, incluindo o Brasil”, comentou mais tarde.

A viagem é tratada com enorme discrição, conforme a revista Piauí, que chegou a perguntou à Philip Morris sobre o patrocínio da visita, mas a empresa, em nota, limitou-se a dizer que “a viagem foi organizada pela Câmara de Comércio Italiana de São Paulo [Italcam]”.

O vice-diretor geral da Italcam, Alfredo Pretto, disse que não comentaria o patrocínio, por se tratar de “informações organizativas internas”, e que o responsável pela visita foi o ex-senador paraibano Cássio Cunha Lima.

Procurado, Cunha Linha, dono de uma consultoria que faz lobby para a Philip Morris em Brasília, não quis falar sobre o assunto em função de “restrições contratuais”. Recomendou à revista Piauí que procurasse a Philip Morris – fechando, assim, o círculo do silêncio.

O cigarro eletrônico está proibido no Brasil desde 2009, depois que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o considerou um produto altamente nocivo à saúde pública e que causa dependência. 

Desde então, numerosos estudos científicos e fatos médicos vieram corroborar essa avaliação. A indústria tabagista, porém, continua a propalar as vantagens dos vapes e não tem medido esforços para convencer políticos brasileiros.

Em 2023, quando ficou claro que a proibição seria mantida, a indústria do tabaco começou a se mexer para o que chamava internamente de “solução legislativa”, ou seja, virou seus canhões para o Congresso Nacional, indo bater na porta do gabinete de Soraya Thronicke.

A senadora agiu rápido: em setembro de 2023, convocou uma audiência pública para discutir o cigarro eletrônico.

Assim que a audiência acabou, ainda no corredor do plenário, ela anunciou à imprensa que faria um projeto de lei propondo a legalização do produto.

A Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), que congrega as gigantes do setor em atuação no Brasil – Philip Morris, BAT e, até maio deste ano, Japan Tobacco International –, logo enviou ao gabinete da senadora exemplos de regulamentação em diferentes países, para embasar seu projeto. 

EMENDAS
A senadora Soraya Thronicke também foi alvo de outra polêmica ao destinar R$ 8 milhões em dinheiro do Orçamento da União de 2024 a uma Organização Não-Governamental sediada no Rio de Janeiro, que atua discretamente em projetos a municípios fluminenses, ou seja, um estado bem distante do colégio eleitoral que a elegeu em 2018 na famosa “onda bolsonarista”, quando candidatos apoiados pelo então candidato a presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, tiveram esmagadoras votações.

O valor que Soraya mandou para o Instituto de Desenvolvimento Socioambiental (IDS) poderia ser distribuído entre pelo menos 20 entidades em Mato Grosso do Sul – média de R$ 400 mil para cada uma. A ONG fluminense tem representação “avançada” em Brasília (DF), São Luís (MA), Rio Branco (AC) e Santo André (SP).

Soraya explica que a ONG realiza feiras em todo o País, inclusive em Mato Grosso do Sul, porém, o valor padrão destinado por parlamentar federal a feiras, por exemplo, não passa de R$ 300 mil. Caso o dinheiro destinado ao Rio fosse mandado para Mato Grosso do Sul, os municípios poderiam realizar pelo menos 25 feiras para a divulgação do trabalho desenvolvido pelos agricultores familiares.

Os recursos poderiam ainda ser utilizados para comprar máquinas e equipamentos agrícolas para famílias de assentados, cujas propriedades sofrem com a falta de infraestrutura básica.