Repercussão de matéria sobre clínica famosa de Campo Grande trouxe à tona outros casos no estabelecimento

Pet shops têm obrigação de devolver corpo dos animais e podem responder por danos morais
Repercussão de matéria sobre clínica famosa de Campo Grande trouxe à tona outros casos no estabelecimento / Foto: Pet e seus tutores (Foto: Imagem Ilustrativa, Freepik)

Após repercussão de matéria publicada pelo Jornal Midiamax, expondo casos de negligência e suposto ‘sumiço’ de corpos em pet shop famoso da Capital, diversos relatos surgiram por meio do canal Fala Povo, além de depoimentos deixados na própria publicação, nas redes sociais do jornal. Por isso, a equipe de reportagem procurou especialistas na área de direito animal, para esclarecer quais os direitos dos tutores nestas situações.

Conforme o especialista em direito animal, Pablo Chaves, os relatos apresentados pelos tutores para o Jornal Midiamax são cabíveis de ação por danos morais contra a clínica. Além disso, existe ainda a possibilidade do veterinário também ser responsabilizado pela falha do atendimento. Além disso, algumas situações podem ser enquadradas também em maus-tratos, a depender dos fatos ocorridos, conforme prevê o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais. 

“O tutor que se sentiu prejudicado pode procurar o judiciário para entrar com ação cível, para reparo de danos morais. Infelizmente não vai trazer o animal de volta, mas é uma forma de punir a clínica veterinária pelos erros e pelas falhas, e eventuais situações de maus-tratos”, ressalta.

Já em relação ao suposto sumiço dos corpos de animais mortos nas dependências da clínica, durante internações e procedimentos, o especialista destaca que é importante os tutores realizarem denúncia na Decat (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Ambientais e de Atendimento ao Turista), para que seja feita uma investigação acerca do paradeiro dos corpos e a maneira que os corpos dos animais foram descartados. Neste cenário, também cabe mover uma ação por danos morais, pela dor e sofrimento causados aos tutores. 

“Hoje as pessoas consideram os pets como filhos. Inclusive, temos crematórios para realizar uma despedida digna para os animais, que inclusive fazem até velórios para os animais. Você receber a notícia que seu animal faleceu e o corpo dele ter sido levado, sem a sua autorização, é um fato que pode causar dano moral. É uma falha muito grave. [O tutor tem direito de saber] como foi feito esse descarte, onde foi feito, tudo isso deve ser esclarecido”, explica Pablo. 

Além disso, o especialista lembra que o CDC (Código do Consumidor) também é um respaldo para os tutores vítimas de negligências, para endossar uma possível indenização, seja por meio de danos materiais (ressarcimento do valor que foi gasto), tanto pelo material (reparação pela dor e sofrimento causados aos tutores). Para isso, o primeiro passo é registrar uma ocorrência na Decat, e posteriormente buscar um advogado especialista em direito animal para entrar com uma ação judicial. 

Clínica tem obrigação de devovler o corpo dos animais
Caso o animal venha a falecer nas dependências de uma clínica veterinária, o estabelecimento tem a obrigação de devolver o corpo do animal ao tutor, conforme explica o advogado Jayme Magalhães. Segundo advogado, cabe ao tutor decidir o destino do animal após a morte, por isso, a clínica não pode simplesmente optar, por vontade própria, por entregar os corpos à coleta. Sumir com o corpo do pet pode levar o estabelecimento a indenizar o tutor.

“Quando os os tutores não podem reaver o corpo dos seus pets, o caso é bem claro, para mim, de maus-tratos, porque é dever, a clínica não pode descartar o animal sem autorização do tutor, então no meu modo de ver existe um abuso da empresa. Ela tem que ter uma autorização por escrita do tutor para que seja descartado esse animal”, esclarece.

Jayme também cita que, ao sumir com o corpo de um animal, também pode recair sob a clínica a suspeita de erro médico. “Se ouve uma falha médica, você não tem nem como fazer uma contraprova, [porque] sumindo com o corpo, se some com a prova. Então, ocorre-se a presunção, nesse caso, de possível dano cometido ao tutor”. Além disso, o advogado ressalta que é importante o tutor levar o acontecimento ao conhecimento da Decat e registrar uma denúncia formal. “Isso tudo deverá ser apurado por lá”, reforça.

Pet durante atendimento (Foto: Imagem Ilustrativa, Freepik)
Reportagem trouxe à tona outros casos 
Uma tutora, que pediu para não ser identificada, procurou a equipe de reportagem para relatar que, há alguns meses, levou seu cachorro para fazer uma cirurgia de hérnia no estabelecimento. No entanto, ao receber a alta e retornar para a casa, a genitália do animal saiu para fora da pele. O cão ficou com o órgão exposto, pendurado. 

“Levamos novamente lá e cobraram por outro procedimento para recolher a genitália dele pra dentro, pagamos e mesmo assim não resolveu o problema. Foi quando levamos em uma outra clínica e o animalzinho passou por uma nova cirurgia, dessa vez o médico fez o procedimento correto, mas teve que retirar a genitália dele e abrir um orifício por onde ele faz xixi. Graças a essa segunda clínica o cachorro sobreviveu e hoje está muito bem”, diz a tutora. 

Outra leitora enviou seu depoimento pelas redes sociais do jornal, relatando que ao levar sua cachorra para tomar banho na clínica, foi mal atendida pela dona. Ela relata que estranhou a demora e ao bater na porta de uma das salas, se deparou com cinco pessoas em cima da cachorra, tentando aplicar um sedativo. A tutora estranhou a atitude, pois diz que costumava levar a cachorra desde quando era filhote para tomar banho no local, e nunca havia sido necessário sedativo antes.

“Ela, que é bem carinhosa e tranquila, estava agitada! Eu questionei o que estava acontecendo, disseram-me que ela precisava ser sedada para o banho. Uma mulher, que se identificou como proprietária, me surpreendeu com arrogância e agressividade, perguntou-me se eu estava duvidando dela, dava risadinha e piscava com deboche para outros funcionários quando eu não concordava com ela”, relatou. 

Relato chegou pelas redes sociais (Foto: Reprodução)
Outro relato, também enviado pelas redes sociais, destacou o descaso sofrido no atendimento. “Minha cachorra foi atropelada, levei lá, por fim minha cachorra acabou morrendo por erro deles, mesmo eu tirando ela de lá e levando para outra clínica, ela faleceu porque já havia passado da hora”.

Em mais um relato, outra tutora descreve que teve problema com os pontos em um curativo após o procedimento de castração. “Levei minha gata para fazer castração, paguei tudo que eu tinha que pagar pra ela ficar o mais confortável possível, alguns dias depois o ponto começou a infeccionar. Mandei mensagem pra eles, porque eu tive todo o cuidado necessário com ela, eles não me responderam em nenhum momento, então eu cuidei em casa, e agora novamente infeccionou. Clínica despreparada, funcionários que não têm empatia, ética e senso para atender os clientes!”

Sindicato recebeu denúncias
Em nota aberta, divulgada pelo LuteVet/MS (Sindicato dos Médicos Veterinários do Mato Grosso do Sul), foi informado que o sindicato encaminhou ofícios ao MPT (Ministério Público do Trabalho), à Delegacia Regional do Trabalho e ao CRMV/MS (Conselho Regional de Medicina Veterinária de Mato Grosso do Sul), com relatos detalhados, incluindo fotos, vídeos e testemunhos de profissionais, sobre a situação que vem acontecendo na clínica.

À reportagem, o sindicato informou que, por se tratar de processos que correm em sigilo, não poderia divulgar detalhes sobre os relatos ou sobre o andamento das apurações. 

No entanto, a entidade confirmou que, nos últimos meses, recebeu diversas denúncias envolvendo situações relacionadas à atuação de médicos-veterinários do local. “Todas foram formalmente encaminhadas às autoridades competentes, como o Ministério Público, cumprindo nossa missão de proteger e representar a categoria”, diz a nota.

O Jornal Midiamax também procurou a Decat (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Ambientais e de Atendimento ao Turista) e o CRMV/MS, para apurar detalhes sobre as investigações, e aguarda retorno. 

A clínica denunciada pelos leitores também foi procurada, mas não retornou até o fechamento da matéria. O espaço segue aberto para futuras manifestações. 

Clínica passou por vistoria
Conforme documento encaminhado à imprensa, a clínica passou recentemente por uma fiscalização do CRMV/MS (Conselho Regional de Medicina Veterinária de Mato Grosso do Sul). Em relação às condições das baias onde os animais ficam, foi constatado boas condições de higiene, além disso, foi constatado disponibilidade de água e alimento para animais internados. No entanto, foi constatado que a maioria dos animais em pós-operatório não utilizava colar elisabetano ou roupa cirúrgica.

Em relação à esterilização de material cirúrgico, no momento da fiscalização não havia instrumental previamente esterilizado disponível para verificação, mas foi identificado que a clínica utiliza papel grau cirúrgico para indicar materiais que precisam passar pelo procedimento.

Na vistoria também foram encontradas duas pomadas sem data de validade aparente e ampolas violadas vedadas com esparadrapo. Não foi identificada medicação vencida, e a clínica foi orientada sobre o manejo adequado dos medicamentos.

O documento ainda listou uma série de recomendações, incluindo: monitoramento constante do estado clínico dos pacientes; administração correta das medicações prescritas; uso de colar elisabetano ou roupa cirúrgica, quando indicado; higienização e manutenção adequada do ambiente; e registro completo em prontuários sobre condutas e evolução clínica de cada animal; dentre outros.

No documento também consta que foi reforçado com a responsável técnica a obrigatoriedade da presença de médico veterinário durante todo o período de atendimento e internação, além de outras orientações de conduta no local.

‘Pega de surpresa’, diz dona de clínica sobre denúncias
Procurada pela reportagem, a dona da clínica alegou que foi ‘pega de surpresa’ pelos relatos. Ela afirma que trabalha com castração há mais de oito anos, e não havia recebido feedbacks negativos de clientes e funcionários até então. “Nunca tive nenhuma reclamação, nada do tipo. Então, realmente, me pegou muito de surpresa. Eu mando mensagem para todos os doutores quando a gente castra o animal lá na clínica, no dia seguinte a gente já pergunta como que está o animal. E todos estão bem”.

A proprietária ainda ressaltou que óbitos podem acontecer durante os procedimentos, assim como em qualquer cirurgia, e destacou que por conta das campanhas de castração, a clínica atende muitas ONGs (Organizações Não Governamentais) e animais de rua, sem histórico prévio desses pets.

“Animais que morreram durante o procedimento de castração, acontece sim, por conta de anestesia, porque a gente atende muita ONG, muitos animais que são de rua, então a gente não sabe o histórico completo do animal. Às vezes o animalzinho vai lá e a gente não sabe o histórico dele, então corre o risco, como qualquer outra cirurgia, não só castração”.

No entanto, no caso de Kira, o tutor afirma que a gatinha já havia passado por consultas em clínicas anteriores que não apontaram nenhuma predisposição genética. “Ela não era de rua nem de ONG; eu a criei desde o nascimento, o histórico de saúde dela era impecável”, relatou.

Em relação ao ‘sumiço’ com os corpos de animais mortos, a mulher justificou que a clínica possui contrato com uma empresa terceirizada que recolhe os animais mortos. “A clínica via de regra, sempre chama os tutores para dar um último adeus, porém, nesse dia do óbito do Mimizinho, como ele veio a óbito ainda antes de inciarmos a cirurgia, e coincidiu da empresa estar recolhendo os corpos neste momento”, relata, sobre o caso citado na reportagem.