Pesquisadores retomaram trabalhos de melhoramento genético do morangueiro com o objetivo de desenvolver uma variedade cem por cento nacional.

Com isso, pretende-se contornar um dos principais entraves da cultura no País: a dependência de variedades estrangeiras que dominam o mercado brasileiro. Atualmente, os materiais utilizados são resultado do trabalho de melhoramento norte-americano, mais especificamente do estado da Califórnia.

Para produção, os moranguicultores brasileiros adquirem mudas produzidas em países como Chile e Argentina – principalmente propriedades do Sul do Brasil –, o que aumenta os custos de produção e, consequentemente, o valor do produto final.

Desenvolver uma variedade brasileira de morango também pode gerar plantas resistentes a pragas e doenças, reduzindo a aplicação de defensivos químicos, por exemplo.

Esse é o horizonte do projeto "Melhoramento genético do morangueiro visando adaptação, resistência a pragas e qualidade de fruta", um dos principais programas de melhoramento em andamento no Brasil.

O trabalho exigiu a formação de uma ampla rede de pesquisa liderada pela Embrapa e composta pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), em Lajes (RS); Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), em Caxias do Sul (RS); Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba (PR) e Instituto Federal do Sul de Minas Gerais, em Inconfidentes (MG).

A intenção é que cada um desses locais receba uma Unidade de Avaliação dos materiais desenvolvidos, tendo em vista a forte influência do ambiente na cultura do morangueiro.

Como o próprio nome do projeto indica, os objetivos são estudar a resistência das variedades às principais doenças da cultura; caracterizar aspectos físicos, químicos e nutricionais, bem como os compostos funcionais das frutas – o que propicia maior qualidade para o consumidor; além de desenvolver variedades que se adaptem às diferentes condições regionais.

Além disso, conforme dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o morango é uma das culturas com maior incidência de resíduos.

Novas variedades mais resistentes, em conjunto a sistemas de produção já em implantação, como o cultivo fora do solo, e a produção de mudas são o segredo para uma produção mais limpa.

A pesquisa busca materiais que sejam competitivos e sustentáveis do ponto de vista econômico, social e ambiental.

Com a criação de variedades brasileiras, aliada a um adequado sistema de produção de mudas, haverá diminuição da dependência de plantas estrangeiras para o cultivo, o que dará maior independência de escolha para o produtor, além de garantir que as divisas geradas pelo setor – como os royalties das variedades e o lucro da produção de mudas – fiquem no País.

Histórico

A pesquisa com melhoramento genético de morango no País teve seu auge entre as décadas de 1960 e 1980, por meio de um trabalho desenvolvido pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e pela Embrapa Clima Temperado (Pelotas, RS). Mas, nos últimos 25 anos, as variedades desenvolvidas no exterior dominaram o mercado nacional.

Para reverter esse quadro, a Embrapa retomou seu programa de melhoramento, encerrado na década de 1990. Um novo ciclo de trabalho teve início oficialmente em julho com o objetivo de dar mais autonomia à cultura no País.

Essa é a segunda fase de um projeto iniciado em 2009, que pretende, entre outras metas, lançar ao menos uma variedade nacional nos próximos anos.
O morango ideal para o consumidor

Além das características agronômicas, o trabalho de melhoramento busca desenvolver cultivares levando em consideração o sabor e a relação do açúcar com a acidez.

Segundo explica o pesquisador da Embrapa Clima Temperado (RS) responsável pelo projeto, Sandro Bonow, a intenção é investir em características que atendam às necessidades de mercado, não só por parte dos produtores, como também dos consumidores, como sabor doce, tamanho médio e cor avermelhada.

As variedades desenvolvidas na década de 1970 pela Embrapa, embora bem-sucedidas, tinham foco bastante voltado à indústria – um dos pontos fortes da produção em Pelotas – e, por isso, apresentavam acidez maior, o que não atrai tanto o consumidor quando o foco é o consumo da fruta fresca.

As variedades norte-americanas, por outro lado, são mais doces do que as antigas variedades – aspecto muito apreciado pelos brasileiros – e foram desenvolvidas com foco no mercado, levando em conta características como tamanho, cor e firmeza.

As variedades asiáticas apresentam sabor doce ainda mais intenso e é por isso que os materiais estão sendo importados, principalmente, da Coreia do Sul – para atender ao que o consumidor brasileiro quer. "O foco sempre foi muito o produtor. Queremos pensar agora também no consumidor", completa Bonow.

Mais de dez mil plantas testadas

O trabalho de melhoramento é lento. Para se obter uma nova variedade de morango são necessários, no mínimo, sete anos entre o cruzamento e o lançamento.

Na primeira fase do projeto, iniciada em 2009 e encerrada em 2013, os primeiros passos para a retomada do melhoramento foram dados com a estruturação do programa.

Segundo Bonow, o primeiro passo foi a importação de germoplasma de outros países, principalmente dos Estados Unidos e da Coreia do Sul.

Todas essas amostras estão centralizadas num repositório nacional, situado na Unidade de Pelotas, chamado Banco Ativo de Germoplasmas (BAG) de morangos.

Os materiais coletados possuem determinadas características desejadas e, por isso, estão sendo cruzados para obtenção da variedade nacional. Os pesquisadores chegam a testar mais de dez mil plantas para escolher uma que seja promissora.

"A gente quer combinar características desejáveis num mesmo material. Só que é necessário ter a combinação certa.

Esse é o grande desafio", explica o pesquisador. Atualmente, material asiático, sul-coreano, americano e de países europeus já estão em estudo pela pesquisa em busca de uma nova variedade nacional.

Realidade da cultura

O morango é apreciado no mundo inteiro, sendo consumido in natura ou industrializado, e tem grande mercado nas principais economias mundiais.

No Brasil, em geral, essa cultura é cultivada em pequenas propriedades rurais, que dedicam, normalmente, até um hectare para o cultivo, utilizando mão de obra familiar durante todo o ciclo.

Atualmente, é cultivado, principalmente, no Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo, além de diversos outros estados com diferentes solos e clima, como Paraná, Santa Catarina, Distrito Federal, Goiás e Espírito Santo.

A área plantada no Brasil é de aproximadamente 3,5 mil ha, produzindo, em média, 30 toneladas por hectare, com produção de 105 mil toneladas anuais a cada safra.