Empreiteira tem contrato milionário para realizar manutenção constante em vias de terra de Campo Grande

Obra não avança 2 meses após chuvas e moradores da Chácara dos Poderes cobram empresa de Patrola
Empreiteira tem contrato milionário para realizar manutenção constante em vias de terra de Campo Grande / Foto: Henrique Arakaki, Jornal Midiamax

Em abril, moradores do bairro Chácara dos Poderes ficaram ilhados após a enxurrada abrir crateras imensas nas vias durante uma tempestade. Dois meses se passaram, mas poucas coisas mudaram: ainda não é possível trafegar com dignidade. Apesar do contrato milionário, a empreiteira André L. dos Santos LTDA, responsável por realizar manutenção constante em vias de terra de Campo Grande, pouco avançou nas obras. Isso tem gerado revolta, insatisfação e descrença.

Fânia Guimarães, de 42 anos, mora na região há 2. Para ela, é inadmissível que o desperdício do valor das obras com um serviço de péssima qualidade. Basta uma chuva e todo o (pouco) trabalho feito é perdido, o famoso “quem faz mal feito, faz duas vezes”.

“O que a gente espera é um investimento com planejamento. As obras são feitas de forma paliativa, não há revestimento adequado, como cascalho ou saída de água. Quando a gente esperneia, briga, eles vêm e fazem alguma coisa, mas são obras mais para aquietar o coração da população do que para resolver o nosso problema”, afirma.

O morador João Cruz, de 68 anos, concorda. Ele pontua que só em sua rua, a empreiteira realizou o serviço 10 vezes. Quando chove, todos os buracos reaparecem. “É um serviço porco. Eles tapam buracos com resto de entulho, ferro, madeira, só pra dizer que tapou mesmo. Quando chove, tudo isso vai por água abaixo. É um serviço bem mal-acabado”, frisa. “Na minha rua colocaram uma manilha que não tinha nem 50 cm de diâmetros e não resolveu nada. Esses serviços são perdidos e é nosso dinheiro que vai para o ralo”.

Rua ou autódromo?
Porém, nos últimos dias, o problema na região não se restringiu às crateras nas ruas. Caminhões da empreiteira em alta velocidade pelas vias passaram a aumentar a insegurança de condutores e pedestres do bairro.

Segundo Fânia, o trânsito na região é bastante ruim. Nos trechos da EW2, por exemplo, a via é praticamente mão única, já que é tudo muito estreito por conta dos buracos. Com carros de passeio precisando disputar espaço com os caminhões que correm por ali, aumentou o medo de acidente.

“A principal preocupação agora é o medo de acidente, porque tem lugar que se tiver que desviar, não tem essa possibilidade. Quem transita com carro de passeio não consegue desviar dos carros que os caminhões passam atropelando”, lamenta. “Inclusive, tem várias reclamações no grupo de moradores. Temos que tomar cuidado porque não tem margem para nenhum recuo se necessário. Tem criança que pode atravessar, cachorro… É perigoso”.

João Cruz também presenciou a correria dos caminhões na região. Segundo ele, os veículos aparecem carregados e, embora pesados, não diminuem a velocidade. Com medo de acidente quando está de moto, ele para, espera a poeira abaixar, se certifica que nenhum outro veículo está no caminho e só então prossegue o trajeto.

“Esses caminhões são um perigo. Nós que somos seres humanos ainda temos uma noção de parar e olhar, corremos menos risco, mas tem os animais. Além dos nossos animais de criação, tem muita capivara, anta… Se sai um desses bichos na rua, eles morrem”, pontua. “É um absurdo! Parece que eles estão trabalhando por hora corrida e não por trabalho feito. Parece que estão na Fórmula 1”.

Caminhão de empreiteira na Chácara dos Poderes (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)
Problema solucionado?
O Midiamax procurou Rodrigo Gonçalves, presidente da associação de moradores da Chácara dos Poderes, para entender como a insegurança tem impactado a rotina do bairro. Por telefone, Rodrigo confirmou que estava recebendo diversas reclamações sobre caminhões em alta velocidade nas vias e que isso preocupava os moradores.

Como medida, na manhã de quinta-feira (2) ele conversou com um dos encarregados que garantiu resolução do problema. “Os motoristas estavam passando em alta velocidade e ele ficou de falar com os funcionários. Desde que houve essa conversa, por volta das 11h, não recebi novas reclamações”.

A reportagem acionou a Prefeitura de Campo Grande. Em resposta informou, por meio da Sisep (Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos), que vem atuando sistematicamente na manutenção das estradas da Chácara dos Poderes.

“As equipes estiveram no segundo semestre do ano passado em várias vias e neste ano, desde maio, estamos executando patrolamento e cascalhamento. A região é grande, com 46 vias totalizando aproximadamente 60 km, o que demanda muitos dias de trabalho para o atendimento às demandas, pois existe toda a questão da logística para mobilização de máquinas e caminhões e o transporte do material para o cascalhamento”. 

Por fim, acionamos o advogado da empreiteira para explicar as denúncias realizadas, mas não obtivemos resposta. O espaço segue aberto para futuras manifestações.

Patrola é denunciado por corrupção
(Montagem: Buscas na ALS – Henrique Arakaki, Jornal Midiamax / Detalhe Patrola – Alicce Rodrigues, Midiamax)
A primeira fase da Operação Cascalhos de Areia reuniu indícios que apontam para suposta rede de empreiteiras nas mãos de laranjas, a princípio comandadas por Patrola.

Assim, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) denunciou Patrola e outros empreiteiros por desvios em contratos de cascalhamento e locação de máquinas que ultrapassam R$ 300 milhões, segundo investigações.

A denúncia agora aguarda análise do juiz Waldir Peixoto Barbosa, da 5ª Vara Criminal de Campo Grande. Também figuram entre os denunciados o ex-secretário de obras da Prefeitura de Campo Grande, Rudi Fioresi, empreiteiros, supostos laranjas da organização criminosa e servidores.

Conforme apurado pelo Jornal Midiamax, no total, 12 pessoas respondem por crimes como peculato, corrupção, fraude à licitação e lavagem de dinheiro.

André Luiz dos Santos seria o operador do esquema de ‘laranjas’ para comprar as empresas e, assim, vencer todas as licitações de cascalhamento em Campo Grande. Trata-se de contratos difíceis de aferir a comprovação dos serviços.

Todas as empreiteiras têm contratos desde 2017 na Prefeitura de Campo Grande. À reportagem do Jornal Midiamax, o ex-prefeito Marquinhos Trad disse que “todos os contratos de responsabilidade do gestor foram feitos e aprovados pela Procuradoria-Geral do município e controladoria de transparência. Não fiz e não faço parte dessa relação processual”.

Além disso, negou a prática de qualquer ato ilegal: “Todos os meus atos foram proclamados pelo MP como lícitos e legais”.