O efeito Trump sobre o Acordo de Paris que começa a ser formatado no Marrocos
Estudantes americanos protestam do lado de fora da COP 22 em reação à eleição de Donald Trump (Fadel Senna/AFP) / Foto: Fadel Senna/AFP

Não tardou muito para que, logo no início da manhã, em minha caixa de correios eletrônicos começassem a pipocar mensagens revelando espanto e muito desconforto, por parte de ambientalistas do mundo todo, com a escolha que os norte-americanos fizeram nas urnas. Não é para menos. Uma das “tiradas polêmicas” de Donald Trump é desastrosa para a causa de quem está, neste exato momento, reunido na 22ª Conferência do Clima, a convite das Nações Unidas, em Marrakesch.Dos que estão sentados em círculos para tentar formatar melhor maneira de botar em operação o Acordo Climático conseguido em Paris no ano passado para evitar que a Terra se aqueça mais do que 1.5 grau até o fim do século, muitos certamente já ouviram e reverberaram a afirmação do atual presidente da nação mais poderosa do planeta, de que o fenômeno da mudança climática é uma “notícia falsa”.

Assim, levando em conta que os Estados Unidos, além de ser um país rico e poderoso, ocupa também o segundo lugar na lista dos mais poluidores, é preocupante a entrada em cena de um protagonista que nega todo o esforço conseguido até aqui para baixar as emissões de carbono.Entre outros detalhes bastante relevantes, Trump, em vez de enfatizar a importância de as empresas investirem mais em formas de diminuir o impacto da produção sobre o meio ambiente, faz o contrário. Para ele, as exigências ambientais sobre empresas as torna menos competitivas no mercado global.

"Eu não acredito que devemos colocar em perigo as empresas dentro do nosso país. Custa muito e ninguém sabe ao certo se vai funcionar", declarou sobre as restrições ambientais. E mais: para ele, o fenômeno do aquecimento global foi criado para e pelos chineses.

Podem ter sido declarações marqueteiras para ganhar eleição. De qualquer maneira, soa um tanto anacrônico aos cem países que já ratificaram o Acordo, estar em discordância com o líder  da nação que manda muito, justamente, no mercado financeiro e corporativo. Deve estar dando vontade, pelo menos nos norte-americanos instalados no país africano, de fazer as malas e voltar para casa. Mas há os que preferem enxergar, no risco, uma oportunidade.  Para Carlos Ritl, secretário-executivo do Observatório do Clima, uma coalizão de organizações da sociedade civil para discutir mudanças climáticas,os países que já ratificaram o Acordo vão prosseguir na luta contra o aquecimento, com ou sem os norte-americanos a bordo.

“Esses países não vão esperar pelos EUA para agir porque isso é interesse deles. Uma economia inteira baseada em energias renováveis está em movimento no mundo, e representa uma fatia crescente do PIB e da geração de empregos nos próprios EUA. As convicções pessoais de Trump terão, em alguma medida, de se enquadrar a essa realidade”, pensa ele.

Nem todos estão assim otimistas. No site do jornal britânico “Independent” há uma reportagem contando como ficaram nervosos os conferencistas no Marrocos. Trump já declarou que tem o objetivo de desmantelar o Acordo de Paris e sugeriu que os Estados Unidos não devem desperdiçar dinheiro com essa questão. Em que pese o fato de, nessa mesma reportagem, aparecer uma preocupação do novo líder da América do Norte em desmentir o dito, a preocupação é grande.

Patricia Espinosa, que hoje é a voz da ONU para questões das mudanças climáticas, havia declarado, no mês passado, que as Nações Unidas não tinham um “plano B” para o caso de Trump vencer as eleições. Mas admitiu que o resultado final, que caiu como um furacão sobre o mundo, poderia ter graves implicações na agenda das mudanças climáticas.

Num artigo escrito para o “The Guardian”, a jornalista canadense e ativista ambiental Naomi Klein preferiu adotar o tom “isso não poderia ter acontecido mas, já que aconteceu, vamos botar a mão na massa e n os mostrar fortes”. Klein fez campanha para o candidato derrotado Bernie Sanders e pontua, no texto, uma falha grave que muitos partidos de esquerda estão reconhecendo: há uma distância entre seus discursos e os grupos de vulneráveis que são, verdadeiramente, as maiores vítimas do sistema político que eles estão tentando mudar.

“Essa falha impediu a campanha de atingir o seu pleno potencial. Esses erros podem ser corrigidos e uma coalizão corajosa, transformadora, pode começar a ser construída. Essa é a tarefa que temos pela frente. O Partido Democrata precisa ser arrancado dos neoliberais pró-empresários, ou então ele precisa ser abandonado. Há uma legião de líderes progressistas da coalizão capazes de inspirar as pessoas, muito mais do que em qualquer momento da minha vida.  Então, vamos sair desse choque tão rápido quanto possível e construir o tipo de movimento radical que seja uma verdadeira resposta ao ódio e medo representado pelos trunfos deste mundo dos neoliberais. Deixemos de lado tudo o que está nos mantendo afastados e vamos começar agora”, escreve ela.

Adotando o mesmo tom, os diretores executivos do Greenpeace Internacional lançaram uma nota dizendo que não vão se curvar ao fato de que tentar reverter o aquecimento, controlando as mudanças climáticas, com Trump na presidência, ficou mais difícil, sim. Mas não impossível.

“As pessoas em todo o mundo vão trabalhar junto a senadores, membros do Congresso, governadores, prefeitos, CEOs, que acreditam que um mundo mais verde, mais seguro, mais pacífico e justo é possível”, diz a nota.

A questão é essa palavrinha – justo – que assusta muito aqueles que entendem o mundo de outra forma, com base na competitividade e meritocracia. E, pelo que acabamos de assistir, não são poucos os que começaram, de fato, a preparar sua espaçonave para habitar um planeta só de uma classe, sem se preocupar com pobres e desigualdades. Para eles, as mudanças climáticas realmente não serão problema, porque, com capital, é só arrumar as malas e se bandear para outros territórios mais confortáveis.

Não estou muito otimista, como já perceberam.