O caso reacendeu a atenção para as consequências trágicas trazidas pela rotina de vulnerabilidade na qual 18 mil indígenas vivem dentro da maior cidade do interior de Mato Grosso do Sul.
O assassinato da menina Raíssa da Silva Cabreira, de 11 anos, embebedada e brutalmente estuprada por cinco homens – sendo um deles tio dela - e jogada para a morte de um penhasco a 20 metros de altura (relembre aqui), dentro da Reserva Indígena de Dourados, ganhou repercussão nacional.
O caso reacendeu a atenção para as consequências trágicas trazidas pela rotina de vulnerabilidade na qual 18 mil indígenas vivem dentro da maior cidade do interior de Mato Grosso do Sul. Rotina essa que tem se tornado ainda mais perigosa com o aumento do consumo de álcool e drogas.
“Vemos crescer esse índice de violência contra a mulher, violência doméstica, violência sexual contra a criança e adolescente, temos nos deparado praticamente diariamente. Com certeza deve acontecer muito mais casos do que chega para a gente. Acredito sim que temos muitas Raíssas. Estamos cansados de pedir ajuda e ninguém ouvir. Hoje percebemos muitos caírem em cima desse caso, mas queremos é apoio para olhar o todo e conseguir um trabalho de prevenção para não acontecer. Não é só olhar depois que acontece, é isso que revolta a gente. Hoje estão todos sensibilizados, falando nos grupos, na rede social e daqui a pouco tempo ninguém mais tá falando disso”, lamentou o capitão Gaudêncio Benites, liderança guarani na aldeia Bororó, onde o assassinato da criança aconteceu.
O Dourados News esteve na aldeia para uma série de reportagens sobre o assunto que começa a ser publicada nesta terça-feira (16/8).
No local, a reportagem conversou com Gaudêncio, que está há sete anos como capitão. Esse é um ‘cargo’ cultural de liderança que coloca sobre ele grande responsabilidade sobre a comunidade que vive na Bororó.
No momento em que conversava com a equipe, chegaram por telefone mais dois casos de mulheres vítimas de violência doméstica. Espancadas, foram socorridas por familiares. E o apelo à liderança era por amparo e para que o agressor fosse localizado pela equipe do Conselho Indígena, que reúne cerca de 15 voluntários da comunidade.
“Nós enquanto líderes, atendemos diretamente, encaminhamos às autoridades. Isso [violência contra mulheres e crianças] vem crescendo. A população aqui está crescendo e temos a questão da infiltração de bebida alcoólica e droga, que é muito fácil porque há várias entradas e saídas. Então é muito preocupante para nós enquanto líder né? Porque tentamos minimizar, combater, mas ainda assim, não é suficiente para o tamanho da aldeia”.
São aproximadamente 16 mil pessoas que vivem na reserva. As aldeias Bororó e Jaguapiru ocupam um total de 3,4 mil hectares. É a maior reserva em contingente populacional do país, reunindo três etnias diferentes: guarani, kaiowá e terena, o que também é fator social de conflito. A condição de vulnerabilidade social e miséria na qual muitas famílias vivem, o caminho para denúncias, o acesso à polícia, tudo é muito difícil. A menina Raíssa era estuprada desde os cinco anos de idade pelo tio, o que somente foi descoberto após a morte dela.
“Como líder tenho feito um papel de orientar a comunidade, principalmente as mulheres que sofrem ou que tenham criança e adolescente sofrendo violência, para que denunciem, tragam para a gente tentar ajudar no que fazer. Acredito que um dos principais fatores que fazem não denunciarem é principalmente o medo de ameaça de morte e às vezes a pessoa coloca na cabeça que se denunciar o cara vai preso e ela vai passar necessidade com as crianças dela. As próprias mulheres falam isso para gente, mas mesmo assim procuramos abrir a mente dessas pessoas para não deixar impune, não deixar isso acontecendo”.
Atualmente apenas uma guarnição da Polícia Militar atua em patrulhamento comunitário. Mas isso, somente no período diurno. E, evidentemente, não é suficiente.
Conforme destacou Gaudêncio, à noite a aldeia fica descoberta de qualquer tipo de segurança. A própria comunidade organiza rondas noturnas para tentar coibir casos de violência. Mas, o alcance é pequeno perto do tamanho da área. E o aumento considerável no consumo de álcool e drogas só deixa tudo ainda mais complicado e perigoso.
“Vemos muitos pontos de venda de bebida surgindo na aldeia. Se as autoridades não tomarem uma providência urgente o futuro na minha comunidade, não tô falando nem como cacique e nem como capitão, mas como membro da comunidade, a tendência é só piorar. Para isso mudar o poder público tem que olhar mais para nós e parar de fazer promessas, tem que fazer com que aconteçam as coisas né. Queremos ver ações dentro da nossa aldeia. Porque pedir, nós pedimos”, finalizou o capitão indígena.











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