Fernando Migliaccio da Silva foi um dos primeiros réus a depor no processo em que o ex-ministro Antônio Palocci responde por ter supostamente recebido dinheiro da Odebrecht.

 Moro mantém sigilo de depoimento de ex-executivo da Odebrecht processado na Lava Jato

O juiz federal Sérgio Moro decidiu manter em sigilo o depoimento do ex-executivo da Odebrecht Fernando Migliaccio da Silva, prestado nesta sexta-feira (31), na 13ª Vara Federal de Curitiba. Ele é um dos 15 réus no processo em que o ex-ministro Antônio Palocci é acusado de ter recebido propina da empreiteira, para supostamente ajudá-la a fechar contratos com a Petrobras.

A decisão de Moro foi tomada porque Silva é um dos delatores ligados à empresa, cujo depoimento ainda permanece em sigilo pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Além do executivo, Moro ouviu outros dois réus, também delatores. Os depoimentos deles, porém, foram divulgados.

Os depoimentos dos três configura o início de uma das últimas fases do processo em primeira instância. Até o dia 20 de abril, Moro deverá ouvir os outros 12 réus. Também respondem a esse processo o ex-presidente do Grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht, o ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) João Vaccari Neto e os empresários João Santana e Mônica Moura, que atuavam na publicidade do governo e de atos do PT.

Além de Silva, Moro tomou os depoimentos do ex-gerente da área internacional da Petrobras, Eduardo Costa Vaz Musa, e do ex-presidente da empresa Sete Brasil, João Carlos de Medeiros Ferraz.

Ferraz trabalhou na Petrobras até 2011, quando assumiu a presidência da Sete Brasil, empresa constituída por diversos investidores incluindo a estatal, que tinha como objetivo a construção de navios-sonda para a exploração do pré-sal no Brasil.

Segundo o delator, a indicação para a presidência da Sete Brasil partiu de um acordo estabelecido durante a estruturação da empresa. Ferraz explicou que a estatal detinha pouco mais de 9% de participação acionária da Sete Brasil, mas que, seguindo o acordo, deveria indicar o presidente e o diretor de operações, cargo que foi ocupado por Pedro Barusco, ex-gerente da Petrobras.

Ferraz explicou que ficou sabendo do esquema de pagamento de propina na estatal por Barusco e que foi convencido por ele a aceitar participar do esquema. "Barusco me chama e fala que havia sido tomada a decisão entre ele, Renato Duque [ex-diretor de serviços da Petrobras já condenado na Lava Jato] e João Vaccari [ex-tesoureiro do PT, também condenado pelo esquema] de implantar na Sete Brasil um esquema de levantamento de propinas a serem pagas pelos estaleiros", relatou.

Em um primeiro momento, conforme o réu, a cobrança da "comissão" foi estabelecida em 1% dos pagamentos que a Sete Brasil fazia aos estaleiros responsáveis pela construção das sondas. Porém, após reclamação por parte dos estaleiros, o valor foi reduzido para 0,9%.

Devido ao volume muito grande de pagamentos, Barusco e Vaccari teriam, posteriormente, determinado uma divisão de pagamentos por estaleiro, ou seja, cada um dos envolvidos receberia a propina de uma empresa, para facilitar a distribuição do dinheiro.

Ferraz afirmou ter recebido US$ 1,5 milhão em conta no exterior, valor pago pelo Grupo Jurong. De acordo com ele, foram três depósitos, feitos a partir de 2013.

"Se esse esquema tivesse continuado, os valores teriam sido possivelmente bem maiores. Eu acredito que entre R$ 20 e R$ 25 milhões de dólares", afirmou o delator.
 

Reunião em São Paulo
 
O ex-presidente da Sete Brasil mencionou no interrogatório uma reunião, em São Paulo, da qual participaram ele, Barusco, Duque e Vaccari. Nesse encontro, eles teriam falado especificamente sobre o pagamento de vantagem indevida nos contratos dos estaleiros.

Duque e Vaccari teriam demonstrado interesse em cobrar um percentual de valores dos sócios operadores da Sete Brasil, sugestão à qual o delator disse ter se posicionado contrário.

Sobre a proximidade de Duque e Vaccari, Ferraz disse que Barusco teria descrito "uma proximidade quase siamesa" entre os dois.
 

Antonio Palocci
 
O delator foi questionado pelo juiz Sérgio Moro sobre a relação com o ex-ministro Antonio Palocci. Ferraz disse que conheceu Palocci na casa do amigo Júlio Camargo, mas não soube precisar uma data, afirmando ter sido entre 2006 e 2008.

De acordo com ele, a partir dali, a relação deles foi "interessante", mas sempre com a intermediação de Júlio Camargo.

Apesar do relacionamento, Ferraz disse Palocci nunca pediu dinheiro a ele e que os dois nunca trataram de qualquer negociação financeira relacionada à Sete Brasil.
 

Padrinho
 
Ferraz também foi questionado sobre um e-mail que trocou com o amigo Luiz Reis, funcionário do Banco Santander, que prestava serviço de assessoria financeira. Na mensagem, os dois teriam se referido a Palocci como um "padrinho" de Ferraz.

O suposto apadrinhamento pelo ex-ministro foi negado pelo delator. "Minha carreira nunca evoluiu por conta, entre aspas, dessa minha proximidade com o ex-ministro Palocci", garantiu.

Ele afirmou que o termo padrinho era usado em conversas informais com Reis, em tom de brincadeira. Ferraz teria mencionado a Reis que conheceu Palocci na casa de Camargo e que o ex-ministro teve uma boa impressão dele.

"Não era de fato um padrinho. Era uma brincadeira, em cima de uma possível ajuda que ele ia me dar no desenvolvimento na carreira na Petrobras, o que acabou não acontecendo, como eu relatei aqui", disse o delator.
 

Musa confirma propina
 
Eduardo Musa confirmou o recebimento de propina na época em que atuou na Sete Brasil. A empresa tinha participação societária da Petrobras. Ele assumiu o lugar que foi de Pedro Barusco, outro ex-gerente da Petrobras, que devolveu o maior valor entre as pessoas físicas que já firmaram acordos de delação na Lava Jato até o momento, quase US$ 100 milhões.

"Barusco me procurou, disse que estava a pedido do Ferraz, e que havia um esquema de pagamento de percentual em cima dos contratos e que, como eu iria assumir o lugar dele, tinha acertado que eu passaria a receber um percentual lá, que eu não me lembro o quanto ele estipulou, em função desse recebimento ilícito já acertado. Eu aceitei", disse.