A negligência dos pais acaba levando menores para abrigos, onde aguardam por nova família.

Maus-tratos e negligência colocam 34 crianças em lares de adoção em Campo Grande

Uma das principais causas que levam crianças a serem levadas para abrigos são os maus-tratos e negligência que sofrem pelas famílias biológicas. Colocadas para adoção, as crianças ficam à espera de um novo lar e na esperança de deixar o passado infeliz para trás.

Em Campo Grande, existem 34 crianças distribuídas em 12 abrigos aguardando para serem encaminhadas a uma nova casa. Atualmente, 25 famílias estão na fila de espera para adotar, o que poderia reduzir a quantidade de crianças esperando nos lares. No entanto, o perfil exigido pelos casais acaba deixando a fila ainda maior.

Conforme a juíza da Vara da Infância e Juventude, Katy Braun do Prado, a negligência dos pais biológicos em decorrência do consumo de álcool e drogas é, sem dúvidas, a maior causa de recolhimento de meninos e meninas.

“Chega em um ponto que eles [pais] não conseguem mais gerir a própria vida, como que vão cuidar de outro ser humano?”, disse a juíza ao Jornal Midiamax.

Em casos como esses, a juiz explica que muitas vezes os pais perdem a guarda de mais de um filho e isso faz com que dois e até três crianças sejam levadas para os lares, lugares esses que se mantém graças a ajuda financeira do Estado e Município e, principalmente, doações da população.

Espera para um novo lar
As crianças que são levadas para um abrigo esperam, em média, 2 anos para serem as escolhidas de uma nova família . No entanto, quando o perfil da criança escolhida não é tão exigente, a espera pode ser menor.

A juíza Katy Braun do Prado explica que, atualmente, não existe fila de espera de adoção para as 34 crianças nos abrigos, isso porque as 25 famílias que querem adotar pedem crianças com perfis diferentes das que estão disponíveis.

As crianças disponíveis para adoção, são as que mais têm dificuldade para serem adotadas. Tem em média 9 anos, tem doenças tratáveis e fazem parte de um grupo de irmãos.

“Quando tem mais de 9 anos, as pessoas acham que tem mais dificuldade de educar. Tem casos que a família não aceita irmãos, não querem os que são doentes, como crianças autistas, paralisia, crianças que tem diabetes, porque no geral são essas crianças que as famílias não têm coragem de adotar”, afirmou a juíza.

Responsabilidade afetiva x devolução aos abrigos
Segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), a adoção é uma medida irrevogável, pois, uma vez que se alcança a decisão em um processo de adoção, é dada à criança ou adolescente a condição de filho, garantindo todos os direitos previstos na legislação.

As crianças que estão em um abrigo para serem adotas geralmente não têm um passado feliz. Além dos maus-tratos, algumas vão parar nos lares de acolhimento por conta de miséria ou até mesmo pela morte dos pais biológicos.

Por conta da legislação que ampara essa criança, quando ocorre os casos de desistência na adoção, os pais adotivos respondem por abandono e isso, segundo a juíza, acaba trazendo fortes marcas para a vida daquela criança, pois ela acaba retornando para o abrigo.

Em Campo Grande, o juizado da Vara da Infância e Juventude teve de lidar com um caso de ‘desistência’. Depois de 12 anos com os filhos adotivos, um casal foi condenado na Justiça a pagar pensão ao menino, de 16 anos, e a menina, de 13.

“Eles atribuíram um monte de defeitos às crianças e começaram a maltratá-las. Na verdade, não se pode devolver a criança depois de todo o processo de adoção, mas tivemos que pegar elas de novo e levar para o abrigo por conta desse descaso desses pais. Isso acaba com as esperanças de uma criança, é algo que também ficará marcado na vida delas”, comentou a drª Katy.

Os irmãos, de 16 e 13 anos, agora esperam novamente por uma nova família, mas para a juíza, será muito difícil que eles consigam um novo lar devido à idade em que já estão. “Eles estão novamente no abrigo e, caso ninguém os queira adotar, eles permanecerão até completar 18 anos”, contou.

Para evitar esses traumas para as crianças, os pretendentes à adoção têm o momento para desistirem de adotar, que é durante o estágio de convivência, momento antes da decisão judicial da conclusão da adoção.

“É durante esse tempo que eles [pais] descobrem que não querem aquela criança, esse é o momento da desistência. Mas ainda assim, é uma situação difícil para a criança que está ali cheia de esperança de que vai encontrar uma nova família”, disse Katy Braun.

Processo de adoção
Os interessados em adotar, antes precisam passar por um processo de preparação até ficarem aptos a entrarem na fila de adoção. Em Mato Grosso do Sul, os candidatos devem passar por CPA (Curso Preparatório para Adoção), que habilita a família para o processo de adoção.

O curso é sempre aberto ao público em geral, maiores de 18 anos, e sempre é precedida pela juíza Katy Braun. O curso abrange diversos assuntos relacionados à infância e adolescência, tendo como foco central uma reflexão sobre toda a realidade de quem pretende adotar.

O curso tem 4 módulos e dura 2 meses. Cada módulo é composto por dois dias consecutivos de treinamento. Para receber o certificado de conclusão é necessário 100% de frequência.

Depois dessa fase de pré-requisito, a família detalha ao juizado o perfil da criança que quer adotar e, a partir daí, já fica apta a adoção. “O candidato apresenta para gente qual perfil da criança que ele quer. Idade, se aceita com doença, se aceita irmãos, e aí, dependendo do perfil, a adoção acontece imediatamente. Depende se a criança que eles querem está disponível”, disse Katy a reportagem.

No geral, a espera para que o perfil desejado seja encontrado demora, em média, 2 anos.

Recomeço e surpresas
Em meio a tanta burocracia da papelada, curso e espera, há sim um final feliz. Em Campo Grande, um grupo de quarto irmãos, de 12, 11, 4 e 3 anos, foram adotados pelo mesmo casal e permanecem unidos em uma nova oportunidade da vida depois de esperarem em abrigo por um ano.

“É um recomeço”, define a médica veterinária, de 40 anos, agora mãe dos quatro irmãos. A mulher mora com o marido em uma cidade da Paraíba e encontrou a 3,7 mil km do Nordeste, as crianças para integrarem a sua família.

A veterinária conta a reportagem que a demora para a adoção foi muito curta, em apenas 5 meses.

“A gente entrou no cadastro nacional em fevereiro desde ano e a gente tinha um perfil que não era bem o perfil dos meninos. A gente aceitava irmãos de até 5 anos e em um mês, o Fórum de Campo Grande nos ligaram e disse que tinha quatro irmãos e se a gente queria conhecer. Topamos o desafio”, disse ela ao Jornal Midiamax.

Logo depois, o casal começou a conversar com os meninos frequentemente durante dois meses, por telefone, por aplicativos de mensagens e videoconferência. Até que chegou o grande dia de conhece-los.

“Meu marido e eu fomos até Campo Grande para conhecer eles e quando eles nos viram já estavam nos chamando de ‘mãe’ e ‘pai’. Naquele momento a gente sabia que ia adotar eles, ficamos uma semana na cidade e foi tudo muito rápido, coisa de Deus mesmo”, afirmou a paraibana.

Três dias antes de vir buscar os meninos para morarem com o casal na Paraíba, a médica veterinária descobriu que estava grávida. “Meu marido e eu estávamos a muito tempo tentando e agora estou grávida de 24 semanas a espera da Valentina”, disse.

Com a espera da nova irmãzinha, os garotos já estão adaptados na nova família, cidade e rotina. “Eles estão ótimos, adorando a escola. Os menores fazem aula de judô, os maiores jogam futebol. Estão evoluindo bastante, a gente vê que não demonstram nenhum problema ou infelicidade de morar aqui. Está sendo ótimo proporcionar esse recomeço para eles”, finalizou a veterinária.