Sobre conflitos ideológicos que dominam o Brasil, cantora diz que não “arreda da trincheira jamais”.

Maria Gadú chora em aldeia de MS e pede que luta indígena seja menos solitária
Cantora participa da 13ª Grande Assembleia Terena, em Aquidauana. / Foto: Paulo Francis/Campo Grande News

A cantora brasileira Maria Gadú está em Mato Grosso do Sul. Veio especialmente para 13ª Grande Assembleia Terena, na Aldeia Ipegue, localizada em Aquidauana – a 135 quilômetros de Campo Grande. Nos últimos anos, ela virou militante da causa indígena, na música e nas andanças pelo Brasil.

Depois de passar um bom tempo com os guajajara no Maranhão, os caiapós do alto do Xingu e os guarani de São Paulo, as histórias de Mato Grosso do Sul impressionaram a cantora. “A gente tem visto que cada etnia tem problemas, mas os guarani kaiowá tem todos, é fora do controle com todos esses conflitos, e tenho tentado conhecer isso pessoalmente. Estar nesse tipo de assembleia é muito emocionante. Aqui eles reúnem, discutem os problemas e distribuem as soluções, sinto que isso traz uma força para região muito potente e bonita, dentro de um estado lindo e maravilhoso com o Pantanal”.

Maria Gadú viajou ao Estado a convite da organização do evento que, neste ano, entre dezenas de lideranças, trouxe Sônia Guajajara, líder e ex-candidata a presidência da república. Quietinha, chegou ontem à aldeia sem parecer estrela da MPB, como é conhecida na mídia. Sentou num banco com o público e ficou prestando atenção nas discussões. Ao ouvir o indígena e advogado Luiz Henrique Eloy, conhecido como Eloy Terena, falar sobre a resistência de seu povo, ela não segurou a emoção e chorou.

Na hora do almoço, a cantora também não pediu privilégios. Pegou seu prato e foi comer no chão junto com todos os participantes do evento. No período da tarde, entrou no debate, na plenária feminina debatendo a pauta de mulheres indígenas.

Em entrevista ao Lado B, Maria falou da empatia com a causa indígena e atribuiu essa relação à resistência do avô.

“Minha família inteira é descendente dos povos indígenas do Rio Negro. Meu avô não tinha muita memória de referências sobre o lugar que ele veio, mas tinha alguns conceitos muito enraizados e passou isso pra gente. Manteve o nome da família inteira com nomes indígenas, meu nome é Mayra, meu pai é Moacyr e meu irmão é Cauê. Isso foi um impulso para estudar a nossa verdadeira relação com a história brasileira, aliado a busca de lutar junto com os indígenas pela preservação histórica”, conta.

A relação marcou a música da cantora. Atualmente, o novo trabalho mergulha de forma mais declarada, e menos subjetiva, na cultura indígena. O clipe da nova música, “Mundo líquido”, foi todo gravado no Rio Negro, durante uma expedição (Katerre) no Amazonas. “Estou há tempos preparando um trabalho que está muito mais imerso. Porque arte para mim não é um braço do entretenimento, é arte e educação. E estamos vivendo um momento de possibilidade de expansão discursos e histórias, por isso, se for para usar esse canal (música) para isso, vou usar”.

Na visão da cantora, quem se nomeia artista carrega nas mãos essa responsabilidade. “A gente não tem que ficar se privando dessa responsabilidade social. A arte é o viés para chegar às pessoas e desenvolver um afeto e, através desse afeto, gerar um engajamento e uma empatia”.

Ainda que causas de minorias tenham ganhado força nos últimos anos, Maria explica que é preciso muito para entender que a luta dos povos indígenas é de todos. “Acho que está muito longe de ser ideal ou suficiente. Eu sempre relaciono visibilidades dentro das causas, a indígena é a primeira e a mãe de todas e, por exemplo, quando surgiu a frase “Ninguém solta a mão de ninguém” eu achei engraçado, porque ninguém está segurando na mão do indígena, que é quem mais resiste e de certa forma tem a causa mais solitária. Eu fui numa manifestação de São Paulo com Guarani e pude ver a pouquíssima adesão social do cidadão na causa”, lamenta.

Ao olhar para a assembleia tão grande em Mato Grosso do Sul, a cantora agradece. “Eu só tenho a agradecer, mas quando todo cidadão conhecer de verdade a causa, acho que isso que vai ser uma grande virada, e a maior revolução que esse país já viu”.

Na contramão de cantores que ficam em cima do muro e não tomam partido para não perder contratos, Maria parece despreocupada. “Eu vejo muita gente reclamando que ao ser ativista você perde contrato, mas eu nunca vi esses contratos. Minha questão sempre foi ligada a educação e a arte, então eu vejo como expansão do senso crítico, como bem estar, por isso não sinto muita diferença nesse sentido. Mas eu sei que há quem sinta”.

Apesar dos conflitos ideológicos que dominam o País e sentimento de incerteza, Maria diz que nunca pensou em deixar o Brasil. “Se eu tiver que morrer, vou morrer aqui, perto dos meus. Não arredo da trincheira jamais. Eu vejo pesquisadores falando em retrocesso, mas não acho que a gente está 1964, estamos vivendo uma nova era de trevas que ativou a boçalidade social. Estou sentindo é que eles estavam dentro do armário e hoje o clima é muito tenso, com discurso contra a cultura e o raciocínio”, finaliza.

Na Capital - A grande assembleia de Aquidauana reúne sete aldeias terenas, como Morrinho, Bananal e Cachoeirinha. Ao final da Assembleia, Maria Gadú e Sônia Guajajajara estarão presentes em um evento na Praça dos Imigrantes, em Campo Grande.