Bellity se identifica como parda e contou ter sido surpreendida pelo resultado da banca que avalia o fenótipo dos candidatos. Família busca respostas sobre quais critérios basearam decisão.

Jovem é rejeitada no sistema de cotas da UFMS e quer acionar a Justiça
Bellity, jovem de 18 rejeitada pela banca avaliadora de cotas raciais. / Foto: Reprodução

A UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) utiliza um sistema novo, este é o segundo ano, para decidir quem se enquadra, ou não, no sistema de cotas raciais. A banca de avaliação surgiu depois de diversas denúncias de fraudes. Agora, no entanto, é acusada de não avaliar, de forma correta, o fenótipo, ou seja, as características que classificam uma pessoa como parda ou negra, nomeações definidas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Bellity Alves Arruda, 18, foi surpreendida, no início de fevereiro, com a negativa do sistema de cotas da UFMS, após ser aprovada em primeiro lugar para o curso de bacharelado em administração, no sistema de cota l6. Ela se declara parda, diz ter todas as características exigidas (tom de pele, lábios e nariz), e não entende porque foi rejeitada. Agora, depois de ter recurso negado na Universidade, pretende acionar a Justiça.

Ela terminou o ensino médio no ano passado, que cursou em escola pública. “Me identifico como parda, minha mãe é parda, meus avós por parte de pai são negros e se for pelas características do IBGE eu sou parda, tanto é que a minha irmã, que é bem branca, sempre brincou comigo, me chamava de ‘neguinha’. Nunca nem pensei que poderia acontecer isso”, conta.

Ela seguiu todo o processo após descobrir que passou no curso no dia 22 de janeiro. “A avaliação estava marcada para o dia 30 ou dia 31. Às 15h40 do dia 30 fui lá e não quiseram me atender, aí voltei no dia 31. Eu faço curso de comissária de voo, tenho que estar bem vestida, com cabelo arrumado, não acreditei que seria um problema, fui pra lá 12h40, a banca começava às 13h”.

O curso de comissária de voo exige que esteja “bem arrumada” e foi assim que Bellity foi à avaliação da banca depois do curso, no dia 31. Ela acredita que a aparência, no dia, tenha sido critério para rejeitá-la. Bellity já utilizou cabelo, que é ondulado e volumoso, trançado, mas hoje, ele passou por coloração, está loiro e alisado. Outros fatores que ela acredita terem contribuído.

“Uma mulher, coordenadora, explicou como seria o processo, pediu para quem estava de batom tirar o batom, passei papel higiênico para tirar um pouco da base, aí o menino que me recepcionou era negro. Na banca, sentei a 1 metro de distância deles. Lembro de um japonês branco e de um senhor. As pessoas que me avaliaram eram pardas ou brancas, a única pessoa negra só tirou uma foto minha. Eu achei muito estranho o jeito que eles me olharam, você sabe quando é um olhar de julgamento ou quando é normal”, afirma.

Ela relata que os avaliadores fizeram notas em um papel. “Um senhor perguntou se meu cabelo era alisado, respondi que sim, mas que meu cabelo não é crespo, é ondulado e muito volumoso, ele falou: ‘tá bom’. Aí entregaram o papel, falaram que ia sair o resultado, eu liguei pra minha mãe e falei: ‘eu não vou passar, eles me olharam de um jeito muito estranho’”.

“Eu acho que sim [julgaram pelo modo como estava vestida], tanto que quando eu entrei com recurso eu mandei o contrato do curso [de comissária] e grifei a cláusula 15 falando que eu era obrigada a estar daquele jeito, eu acho que me julgaram pela roupa que eu estava. Falaram que não tinha nada a ver”, afirma.

O recurso, conta, é uma foto, apresentada de forma virtual. “Só mandei foto e o resultado foi indeferido de novo. Eu fui na Universidade, conversei na reitoria, entraram no site da ouvidoria. Eu queria saber o motivo, os critérios, mandaram uma resposta por email”.

Nesta sexta-feira (8), durante a tarde, a jovem e a família vão até a Universidade para obter uma justificativa. Eles querem saber quais critérios foram utilizados e porque, na opinião da banca, ela não teria atendido aos requisitos.

Padrasto de Bellity, o contador Nemezio Alencar, 50, elogia o sistema da banca, que segundo comentou, foi um avanço para a UFMS. “Eu sou ex-aluno da federal, entendo que a questão da banca é uma coisa positiva, é o segundo ano que estão aplicando e havia algumas situações de fraude, mas a banca deveria ter pessoas preparadas para aplicar os critérios do edital”.

“O edital é bem claro naquilo que deveria ser observado, e não é o que está acontecendo, estão desclassificando muita gente que atende o critério. A banca é presencial e o recurso é virtual. Você passa por uma banca de 3 pessoas e se não concorda o que te resta é enviar o email. Você buscar essa informação é um verdadeiro martírio, tem que ir pra reitoria, ouvidoria, a resposta não pode ser dada por email, essa falta de critério que é difícil”.

Nemezio defende que Bellity apresenta o fenótipo exigido pelo edital. “Ela tem o fenótipo evidentemente pardo, cor da pele, largura dos lábios, todos ela atende. O pai biológico e mãe são morenos, mas no edital é bem claro que não é avaliado genotípico, só o fenótipo, o que a pessoa apresenta visualmente”.

“Aí para você ver como as coisas são conflitantes, jamais passou pela nossa cabeça ter problema, se isso tivesse sido claro ela faria inscrição normal pelo Sisu. De repente fomos pegos de surpresa”, diz.

O que diz a UFMS - Por meio da assessoria de imprensa, a UFMS, afirma que Bellity foi avaliada presencialmente por uma Banca de Avaliação da Veracidade da Autodeclaração. Segundo a assessoria, a banca analisou as características fenotípicas “próprias das pessoas pretas ou pardas, sendo elas: a cor da pele parda ou preta, a textura do cabelo crespo ou enrolado, o nariz largo e lábios grossos e amarronzados”.

Questionada sobre os critérios adotados no momento da avaliação, respondeu que são levadas em consideração “características físicas (fenotípicas) do candidato, que são verificadas mediante a presença perante a Banca de Veracidade da Autodeclaração”.

“Todos os candidatos inscritos em vagas reservadas sob o critério raça/cor são convocados para comparecer. A presença é obrigatória sob pena de não poder efetuar a matrícula. O candidato é fotografado e sua foto é arquivada. Não há entrevista ou análise documental dos antecedentes familiares. O parecer é emitido com base exclusivamente nas características físicas”, diz a Universidade.

Sobre a composição da banca, a UFMS afirma que é formada por servidores da UFMS e por pessoas integrantes de movimentos sociais e instituições ligadas à promoção da igualdade étnico-racial. “Cada Banca é composta por, no mínimo três membros, distribuídos por gênero, cor e naturalidade que participaram dos processos de formação”, pontua.