Kongjian Yu palestrou para mais de 4 mil pessoas sobre solução que revolucionou a forma como a China lida com as grandes chuvas

Kongjian Yu foi um arquiteto pautado pelo futuro. Sua carreira foi suficiente para guiar a forma como as gestores públicos vão precisar lidar com um problema cada vez mais presente no cotidiano das cidades: as enchentes e alagamentos provocados pelas chuvas intensas, fruto de um processo de transformação climática que tem colocado na mesma mesa chefes de nações dos países mais importantes do planeta.
O profissional morreu ao visitar o Pantanal, maior planície alagada do planeta, com o objetivo de compor estudo documentário do cineasta Luiz Fernando Feres da Cunha Ferraz. Eles morreram em uma queda de avião nesta terça-feira (23), na região da fazenda Barra Mansa, assim como o piloto e o fotógrafo Rubens Crispim Júnior.
Yu na Conferência Internacional CAU 2025
Há duas semanas, Yu foi ouvido por um público que o esperava com muita expectativa na abertura da Conferência Internacional CAU 2025, realizada em Brasília de 4 a 6 de setembro. Cerca de 4 mil profissionais de todo o país ouviram o chinês declarar suas impressões acerca do Brasil.
“Em outra parte do mundo. Nós bagunçamos o planeta inteiro. E é por isso que eu acho que o Brasil é o último pedaço do jardim, o quintal do jardim, que nós temos que cuidar, temos que projetá-lo, torná-lo mais bonito e curar o planeta”, disse.
Yu é autor de um conceito arquitetônico que, de tão transformador para as comunidades chinesas, transformou-se em política pública urbanística. As ‘cidades-esponja’ são modelos de urbanização projetados para responder à demanda hídrica das cidades. O chinês via na água não uma força destruidora, como aquelas que tanto fizeram sofrer o povo gaúcho e mineiro anos atrás no Brasil. Para Kongjian, água era vida corrente que precisava ser aproveitada e não contida.
Vista do The Mangrove Eco-Park, na cidade de Sania, na China. Áreas verdes nas cidades ajudam na captura do excesso de água das chuvas. Foto de Divulgação Turenscape
“O planeta está em crise. Apenas pensamentos detalhados e novos podem corrigi-lo. Precisamos de uma nova imaginação. Estamos subindo para o ponto histórico do aquecimento global. E certamente, junto com isso, temos todas essas crises. Aqui está a projeção de como 40% das cidades costeiras chinesas ficarão submersas. E certamente é uma emergência. Mas a maior crise é que não temos solução. E a solução é o dinheiro, o orçamento, o investimento, o Instituto Mundial de Finanças colocou, na verdade, na direção errada”, alertou o arquiteto ambientalista.
Na visão de Yu, os países investiram muito dinheiro na promoção de energia verde, que corta as emissões de carbono. Mas, ele alerta: não é necessariamente sustentável.
“Painéis solares, ventiladores, poderes hidráulicos, eles são verdes. Mas, não necessariamente sustentável. O vento mata 5 milhões de pássaros por ano, só na América. E os poderes hidráulicos podem destruir toda a rua, todo o ecossistema. E já é muito tarde para cortar as emissões de carbono, é claro. A adaptação, como mencionei, 1,3 trilhões de dólares todos os anos investidos nesta infraestrutura. Paredes, damas, caixas, aquedutos. E eles falham. Falham em todos os lugares”, disse ao lembrar da tragédia no Rio Grande do Sul.
Foi sob a crítica às prioridades de investimento em sustentabilidade, que Yu, durante sua palestra, apresentou aos arquitetos brasileiros a solução que ele desenvolveu para a China, que adotou modelos de ‘cidades-esponja’ a partir de 2012, quando uma grave enchente matou cerca de 80 pessoas em Pequim.
A capital chinesa, atualmente, possui área de mais de 150 hectares criada para absorver a água pluvial e evitar que tragédias como aquela se repitam.
“Eu proponho a ideia de um planeta-esponja. Precisamos de água toda, água represada, água acelerada e água abraçada. Essa é uma solução holística de água baseada em terra para a mitigação climática e a adaptação climática e a recuperação de uma linda paisagem para a humanidade, para os seres humanos, para as pessoas. Isso é o que mencionamos: para as pessoas, mas certamente não só para as pessoas, para o planeta inteiro”, afirmou.
Sul-mato-grossense esteve lá
Para o arquiteto douradense e conselheiro do CAU-MS, Jordano Valota, que estava no público de Yu, a ideia do chinês em criar ‘cidades esponjas’, principalmente para lugares como o Brasil que têm enchentes, “criaria situações com planejamento urbano, com parques e com essa relação do ser humano com a água, que minimizariam esses impactos sociais e sustentáveis”, considera Valota.
O sul-mato-grossense explica que o impacto seria “principalmente social, por conta das situações de vulnerabilidade que as enchentes causam.
“Então, essas estratégias que ele usava de cidades e as conexões delas com a água minimizariam muito, se não acabassem com esses tipos de problemas”, afirmou.
Valota também menciona a qualidade de vida gerada pelos projetos de Yu. “Pensando em situações, por exemplo, de rios que foram todos canalizados, que as suas bordas eram feitas de concreto, [a ideia era] voltar a dar vida para eles, colocar paisagismo, não ornamental, mas uma paisagem natural de plantas típicas locais que não precisam de manutenção. Você criando esses bioclimas, você revitaliza, cria mais qualidade de vida e diminui até o impacto de sujeira e poluição das águas”, finaliza.
Luto
O CAU/BR (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil) manifestou pesar pelo falecimento do arquiteto e urbanista, vítima de um acidente aéreo ocorrido em Aquidauana, no Pantanal Sul-mato-grossense, no final da tarde de ontem (23), quando participava de gravações sobre seu trabalho ao lado de cineastas brasileiros.
“O Brasil teve a honra de receber Kongjian Yu na abertura da Conferência Internacional CAU 2025, onde compartilhou com milhares de profissionais sua visão transformadora para as cidades do futuro. Sua obra deixa um legado de compromisso com a sustentabilidade, a paisagem e a vida urbana. O CAU/BR se solidariza com a família, amigos e colegas do arquiteto”, frisa a presidente do CAU/BR, Patrícia Sarquis Herden.
Criador do ‘cidades-esponja’, arquiteto Kongjian Yu buscava no Pantanal novas soluções para enchentes
A defesa de Yu era para que os arquitetos projetassem um futuro intrigante na relação entre o homem e a natureza. “Se você tiver um ecossistema saudável, você terá pessoas saudáveis. Você terá pessoas felizes. Limpar a água, esse é o processo. Simples. Retirar o concreto, devolver à natureza, integrar as pessoas com a natureza, vivermos juntos”, declarou no Brasil.
O que o arquiteto não apenas acreditava, mas se empenhava para contagiar a consciência global, era que para resolver o problema local, o problema regional, ou mesmo o problema do planeta, era preciso olhar a água com conciliação. “Precisamos manter a água, acelerar a água e abraçar a água”, defendeu ao finalizar seu discurso na Conferência Internacional da CAU 2025.
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