Houssam Nour vive em Campo Grande com a esposa e uma filha, mas o restante da família passa por dificuldades no Líbano.

Formado em meio a guerra, engenheiro sírio dirige o dia todo para resgatar pais
Houssam Nour, sua esposa, Dima Mely, e sua filha, Salma. / Foto: Arquivo pessoal

Com um português invejado por muito imigrante, o sírio Houssam Nour Aldeen, de 28 anos, é formado em engenharia civil, mas ganha a vida em Campo Grande como motorista de aplicativo. Depois de conquistar o diploma em meio a bombardeios e perda de amigos, hoje vive dilema para trazer o restante da família que ficou e sofre os reflexos da guerra que já dura oito anos.

A Síria enfrenta uma guerra civil desde março de 2011, o que já destruiu a infraestrutura do país e gerou uma crise humanitária regional. Desde, então, milhões de sírios já deixaram o país de forma legal e até mesmo por barcos, quando a maior parte perda a vida.

Houssam acaba de completar quatro anos no Brasil, destes três em Campo Grande. Ele chegou a São Paulo na companhia da esposa grávida de seis meses, no dia 21 de março de 2015, onde permaneceram cinco meses. Na Capital paulista gastaram todas as economias arrecadadas com aulas de inglês na Síria, pois não conseguiram colocação no mercado de trabalho. Além disso, a filha do casal Nasceu.

“Em São Paulo encontramos um grupo, entre os integrantes um sírio que nos prometeu emprego. Viemos e aqui conseguimos uma casa no Centro onde moramos por um ano livres do aluguel”, disse.

Nesse intervalo, a esposa ficou doente e precisou voltar à Síria para um tratamento onde ficou cerca de um ano até retornar com a filha. Houssam finalmente conseguiu um emprego de auxiliar, no entanto, em sua área. Ele permaneceu na empresa por dois anos e nove meses e chegou a financiar um carro.

Com desejo de melhorar o salário, para conseguir trazer a família pediu para que o demitissem: com o dinheiro da rescisão montaria um restaurante. Mas o dinheiro não foi suficiente para que o banco aprovasse crédito e o sonho foi por água abaixo.

O sírio se diz arrependido de ter pedido para sair da última empresa e o objetivo agora é conseguir um emprego fixo e complementar a renda com as corridas por aplicativo. “Outras vagas de emprego oferecem um salário mínimo. Vi que o antigo salário não era ruim”, pontua.

A guerra - Houssam conta que a guerra começou em 2011 e ele se formou em 2014, na Universidade de Damasco, ou seja, resistiu a maior parte dos estudos em meio a bombardeios, sangue e despedida de muitos amigos. Ele admite que até pouco tempo não falava sobre o que passou, pois ainda o machucava muito, mas nos últimos seis meses decidiu expor toda a sua vida por ver o sofrimento de quem ainda está vivendo na guerra, no caso, seus pais e dois irmãos mais novos.

Houssam e a esposa formaram praticamente juntos, Dima Mely seis meses antes em arquitetura. No último ano de faculdade a situação se complicou, afinal o conflito estava no auge. O sírio lembra que apenas 20% dos matriculados frequentava as aulas. Ele conta que o clima estava tão assustador, que nem todos os carros se arriscavam a passar pelas ruas e na companhia de colegas atravessavam trechos a pé, muitas vezes por pessoas feridas ou corpos.

“Eu queria deixar a Síria em busca de paz, mas queria sair com meu diploma. Então aguentei firme, mesmo com a minha mãe pedindo para eu desistir, já que não sabia que seu voltaria para casa. Lembro-me de que um dos bombardeios atingiu o refeitório do curso de arquitetura, por sorte minha esposa não tinha aula aquele dia. Eu já estava na sala de aula quando ouvi a explosão. Em meio à correria tentei ajudar, 21 estudantes morreram, muitos amigos. Ficamos tão em choque que nem percebemos a roupa tomada por sangue”, disse.

Por que o Brasil? Houssam e a esposa se casaram quatro meses após a formatura e desde então passaram a buscar países para viver. Ele admite que a intenção sempre fosse um país de língua inglesa. No entanto, devido aos conflitos, o visto foi recusado por diversos países. Com a notícia de que o Brasil recebia muitos imigrantes decidiram o destino.

O casal chegou ao Brasil sem falar uma só palavra em português. O sírio tem um leve sotaque, mas o impressionante é que aprendeu tudo em casa, sem nenhum curso.

“Eu falo muito bem português com muita honra porque nunca fiz aula. Eu cheguei aqui eu só sabia contar de 1 a 10. Procurei os verbos e como conjugá-los e formar frases. Sofri muito para chegar a esse nível. Estou aprendendo até hoje, mas o sofrimento mesmo ficou nos primeiros 7 ou 8 primeiros meses. Minha esposa é mais inteligente que eu, mas como ele retornou à Síria e só voltou agora fala menos”, conta.

O restante da família ficou na cidade de Sweida, mas há seis a situação se agravou. Houssam frisa que a guerra não é formada apenas por bombas, mas por reflexos dolorosos, como a escassez, inflação nas alturas e muitos crimes nas ruas.

O pai de Houssam se chama Bassam. Ele é professor de geografia aposentado e sustenta a família com um valor equivalente a R$ 300. A mãe Lina Albani de 50 anos é dona de casa, pois teve de adiar o sonho de ser professora. Ele também dois irmãos, um jovem de 19 anos que cursa Medicina e uma jovem de 23 anos, que está no último ano de Farmácia.

Houssam ressalta que sempe teve uma vida normal e não trabalhava, pois os pais queriam que elos irmão estudassem. O problema é que a guerra devastou o país e tudo está 15 vezes mais caro, por exemplo, o mate que brasileiros também consomem.

“O quilo da erva era vendido a R$ 10, hoje ultrapassa R$ 100. O dinheiro da aposentadoria do meu pai dá para dois dias. Ele compra de 4 a 5 quilos de carne para o mês todo. Eu falo de tudo isso com muita tristeza. Meu pai está na depressão, por não saber mais o que fazer me ligou pedindo ajuda e estou muito preocupado. A gente pede emprego e não consegue. Então enquanto dirijo decidi pôr a plaquinha, a cada R$ 1 a mais do passageiro, pode ajudar trazê-los para cá”, conta.

Alto custo – Em princípio, viria apenas o pai de Houssam para trabalhar e ajudar a arrecadar o dinheiro, que fica cerca de R$ 7,5 mil por pessoa. Como tudo está fechado na Síria, à família precisa viajar de Sweida na Síria até Beirute que é a Capital do Líbano, mais de 400 quilômetros com ida e volta.

Na embaixada de Beirute é feito o pagamento da taxa do visto, no valor de 120 dólares e se for aceito eles entram em contato. Só depois de tudo aceito é feito a compra das passagens.

O sírio sente saudades de casa, mas não pretende voltar. A esposa também conseguiu um emprego de meio período. O casal tem muita esperança de conseguir reunir toda a família novamente.