Muita gente espera anos para ser sorteado e torce por programas de 'desfavelização'.

Fim da esperança e medo: o drama de quem vive nas favelas de Campo Grande
Favela no Portal Caiobá construída na rua próximo à torre de transmissão. / Foto: Leonardo de França, Midiamax

O anúncio da prefeitura do projeto de transformar o Hotel Campo Grande em moradia popular, trouxe à tona um assunto polêmico em qualquer cidade, a falta de habitação para quem mora de forma irregular. Não há números oficiais que indiquem atualmente quantas favelas existem na Capital, mas quem vive nelas transita entre a esperança e o medo de conseguir uma casa para viver com a família de forma digna.

Levantamento estima que, com o valor final de cada unidade no novo condomínio seria possível construir 284 unidades de casa popular. Considerando os valores de R$ 324 mil e R$ 40 mil respectivamente.

Em março de 2019, no estado de Mato Grosso do Sul o déficit habitacional era de 10 famílias para cada casa que seria construída pela Agehab (Agência Estadual de Habitação). Conforme informado pela Emha (Agência Municipal de Habitação) em Campo Grande desde o ano de 2017 foram combatidos, aproximadamente, 150 focos de ‘favela’, mas não é possível mensurar atualmente qual o número exato de ocupações irregulares na Capital.

O artigo 6º da Constituição Federal de 1988 traz no texto a moradia como um dos direitos sociais ao lado da educação, saúde, alimentação, trabalho, esporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.

Mas a verdade é, quem está nas favelas sem direito à moradia, vive como se tivesse todos os outros direitos sociais ‘negados’. Com barracos literalmente na rua, as 100 famílias que estão na favela localizada na rua Poética no Portal Caiobá, não tem acesso a nenhum dos outros direitos sociais, além da comunidade ser considerada inexistente segundo eles.

Paula Correia da Silva, 27 anos, vive no local com os dois filhos – 8 e 4 anos – e o marido e afirma que apesar de estar na fila preferencial da Emha, com um dos filhos portador de deficiência, ela confessa que apesar da esperança desistiu de contar com o sorteio da moradia popular e espera por uma oportunidade de conseguir ao menos pagar um aluguel.

“Eu já passei por três sorteios, eu já desisti de esperar. Se eu conseguir algum emprego eu vou pro aluguel mesmo, e ai lutar para sobreviver. Se a gente conta que tá aqui eles dizem que isso aqui não existe. Eu já tô aqui há dois anos, mas tem gente aqui há oito anos”, explicou.

Com sorriso no rosto, ela diz que não tem vergonha de morar na favela nem de pedir ajuda, e reforça que só está ali porque realmente nem ela e o marido conseguem emprego. “Meu marido demorou para aceitar vir para cá. A gente só veio para a favela porque não tem mais jeito mesmo. Não temos emprego, como vamos pagar aluguel? A gente fica esperando o sorteio da Emha, mas se a gente conseguir emprego a gente volta para o aluguel mesmo”, ressalta.

Todos os dias uma caminhada de pouco mais de 2Km quatro vezes ao dia é necessário para levar os filhos até a escola que fica no bairro Coophavila II. O mais novo estuda no período da manhã e o mais velho no período da tarde, e para evitar qualquer risco, os pais se revezam para buscar e levar os meninos que vão a pé.

Para ter acesso ao posto de saúde, ela destaca que é preciso usar o comprovante de endereço de algum vizinho que more em uma das casas do bairro que ficam logo ali do outro lado da rua. A favela não ainda sem nome, parece meio esquecida e a pouca ajuda que recebem é distribuída entre os moradores que se ajudam entre si.

“Aqui não é casa para viver com uma criança, a gente não tem o mínimo. Vive com medo. A gente se vira com o que tem e como pode. Eu não queria criar meus filhos nessas condições, eles são tudo para mim, mas atualmente é isso que o a gente consegue para pelo menos ter onde viver”, diz.

Comum nas favelas, no local além de Paula, outros integrantes da família vivem. “Minha mãe mora aqui ao lado, meu tio mais para cima. Esse barraco eu ganhei de aniversário da minha vó, ele tem quatro peças e o banheiro, mas é nessa condição que você tá vendo aqui. Sem piso, se bater um vento cai. A gente tá aqui porque não tinha onde morar mesmo. Eu tava vivendo no barraco da minha mãe depois que meu outro barraco caiu por causa da chuva”, informa.

Sobre a falta de segurança no local, Paula ressalta que é a lei da sobrevivência que manda. “A gente aprende a se virar e a resolver as coisas por aqui mesmo. A gente passa por muita discriminação, principalmente as crianças, mas não dá para ter vergonha a gente mora na favela. Vergonha é morar de aluguel e não conseguir pagar, ver o dono da casa te cobrando e você não tem de onde tirar. Vergonha é roubar. A gente não está aqui porque quer, é pela necessidade mesmo. A gente já conseguiu sair daqui mas acabou voltando pela falta de emprego mesmo”, conclui.

Meio do Caminho
Para o rapper e vigia, Celso de Souza Neto, 35 anos, a espera já deu um passo na caminhada. Depois de viver três anos na antiga favela Cidade de Deus, ele foi contemplado com um dos terrenos loteados no Jardim Canguru e é ali no número 60 da rua Irapuã que ele espera agora a fase da construção.

A frase ‘Você sai da favela, mas a favela não sai de você’, pode ser adaptada a atual realidade de Celso. Mesmo sendo removido da Cidade de Deus, ele ainda mora em um barraco construído no terreno 12X36m² cedido pela Prefeitura.

“Eu nunca vi um processo de desfavelização como esse. Foi a primeira vez, retirar a gente do barraco e colocar a gente num terreno para ficar esperando a construção da casa. Eu sou muito grato ao que já consegui, em vista do que vivia na Cidade de Deus, eu tô bem melhor, mas ainda estou esperando a casa”, destaca.

Na varanda do pequeno barraco, é possível ver a fundação do que seria a estrutura da nova casa que Celso esperar ter até o final do ano de 2019, ele conta sua história consciente de que já conseguiu dar um passo que muita gente ainda não deu no que diz respeito ao direito à moradia.

“Eu morei na Cidade de Deus, consegui uma grana fui para Portugal, mas acabei voltando para a Favela. Consegui esse lote na última remessa da remoção por conta de uns problemas. Na época eu era casado. Acabei sendo abençoado também, não posso negar. E agora tô aqui aguardando. Mas quando cheguei me deram uma lona e um copo de prego, nunca vi uma remoção de favela assim”, contou.

No local são aproximadamente 53 famílias que aguardam o começo das construções e ver enfim a conclusão do processo iniciado na remoção da favela Cidade de Deus. É possível ver que alguns até se arriscaram e construindo por conta própria, mas Celso fica com medo de perder o que já conquistou.

“Eu consigo aos poucos trabalhando construir uma pecinha por vez, mas a gente assina um papel de que não pode construir nem uma cerca, e se eu construo e perco o que já consegui? Eu fico aqui esperando a conclusão do processo que a Prefeitura começou”, destaca.