Estudo inédito aponta que execução penal é falha e precisa de reformas
/ Foto: Agência CNJ de Notícias

O sistema de execução penal brasileiro e os métodos de cumprimento de pena desrespeitam a legislação em vigor e precisam passar por reforma.

É o que revela estudo inédito realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplica (Ipea) a pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para traçar o perfil do reincidente criminal e avaliar se as prisões estão cumprindo tanto a função punitiva quanto ressocializadora, devolvendo cidadãos reintegrados à sociedade.

Os pesquisadores fizeram uma análise quantitativa com o perfil do reincidente e depois foram a campo avaliar as condições de execução penal em três unidades da federação, conversando com juízes, gestores, profissionais de assistência e os próprios presos.

As unidades não foram identificadas para evitar críticas direcionadas, considerando o caráter nacional dos problemas enfrentados pelo sistema carcerário.

Embora não apresente conclusão definitiva sobre os motivos da reincidência, considerado um tema complexo e relacionado a múltiplos fatores, a pesquisa aponta que a hostilização dos presos não é a melhor saída.

“Boa parte da população, e até mesmo operadores do direito, simplificam muito o problema baseando-se na crença de que penas mais duras, ou o cumprimento de pena em condições de sofrimento, possam persuadir as pessoas a não cometerem mais crimes”, analisa o sociólogo Almir de Oliveira Junior, do Ipea.

O pesquisador avalia que é preciso respeitar a LEP no tocante aos direitos da pessoa humana encarcerada, pois se ouvidos e tratados com alguma equidade, é possível que os presos reformulem seus projetos pessoais.

“O país andará na contramão do desenvolvimento enquanto apostar no recrudescimento penal, sem levar em consideração que um histórico de mazelas sociais antecede o ingresso de um indivíduo na carreira criminosa”, pondera Oliveira.

Em campo

Partindo das regras da Lei de Execução Penal (LEP), a equipe de campo avaliou condições de assistência à saúde, psicológica, social, jurídica, religiosa e material, além da assistência educacional e ao trabalho.

Também foi apurada a situação do egresso e a visão dos profissionais do sistema penal e dos condenados sobre reintegração e reincidência.

O estudo conclui que, embora a LEP seja considerada moderna, o Estado não consegue cumpri-la, causando falhas e distorções que agravam a situação dos apenados e abrem caminho para a reincidência.

Os pesquisadores destacam que um dos principais desafios é superar o conceito de prisão apenas como punição, investindo no caráter de reintegração previsto em lei.

Para o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, juiz auxiliar Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi, embora a lei busque transformar a conduta daquele que cometeu crime, a aplicação fica no campo de ideias.

“Quando o Estado deixou de confiar nas virtudes da LEP, investindo em punição e sem atentar para o modo, a qualidade e a maneira como essas respostas devem acontecer, perdemos o foco do que havia de mais significativo em uma legislação que buscava a reconciliação do autor de um crime com a sociedade”, avalia.

Entre as violações encontradas pelos pesquisadores, superlotação e gargalos na execução penal, descaso com o preso provisório e mistura destes com os condenados, assim como entre os detidos por diferentes tipos penais.

A pesquisa também indica falta de diálogo entre os atores envolvidos e dificuldades operacionais e de pessoal, como falhas no monitoramento dos regimes semiaberto e aberto e desvalorização e falta de preparo de agentes penitenciários e profissionais de assistência.

Prevenção

O principal problema identificado, no entanto, é a falta de ações efetivas voltadas ao egresso, conforme determina a LEP, e antes disso, políticas preventivas voltadas aos jovens, principal alvo da criminalidade.

Um gestor resume a situação, dizendo que se preocupa mais com a alta taxa de novos criminosos que com os reincidentes.

Os chamados “irrecuperáveis” também são citados, sendo que os próprios presos avaliam que há casos em que a conduta não se altera ainda que Estado e sociedade ofereçam oportunidades.

Também se aponta um paradoxo, em que o crime compensaria não apenas pelas supostas vantagens financeiras, mas também pelos benefícios obtidos com a prisão, que mesmo em condições ruins, oferece moradia, alimentação, assistência médica e psicológica, oportunidade de trabalho e estudo e emissão de documentos.

“Havia a percepção de que a maioria dos internos possuía uma história de vida repleta de exclusão, na qual não teriam tido acesso aos direitos básicos.

Por isso, reinserir não seria o termo adequado para se aplicar a esses indivíduos”, apontam os pesquisadores em trecho do estudo.

Sugestões

A pesquisa sugere que o Estado se empenhe no combate à ociosidade do preso investindo na ampliação de oportunidades de trabalho e estudo (hoje existem, mas faltam vagas) e atue para reduzir o estigma dos ex-condenados junto à sociedade.

Também incentiva a motivação individual do preso, a aproximação da família e da religião, e o fim do tráfico e uso de drogas dentro das cadeias, que embora proibidos, foram amplamente identificados.

Os pesquisadores também apontam a necessidade de um plano nacional de execução penal e de planos estaduais para regulamentar e padronizar o tratamento penal.

Outras sugestões são políticas de reintegração do egresso na sociedade baseadas no tipo de crime cometido, atuação de conselhos de comunidade junto às varas de execução penal, programas e projetos que atentem para condição juvenil do preso e mais informações e avaliações para embasar políticas públicas.

Citado diversas vezes por seu papel na elaboração de políticas e projetos de atenção ao preso e ao sistema carcerário, o CNJ continua agindo para ajudar a mudar essa realidade, como nos projetos Cidadania nos Presídios e Audiências de Custódia.

“O CNJ propõe, desde o Poder Judiciário, uma atuação diferenciada nas duas pontas do sistema de justiça, marcando a presença do Estado de modo articulado, sistemático e efetivo, individualizando a intervenção e cobrando a responsabilidade da pessoa que se submete ao sistema de justiça”, analisa Lanfredi.