Eles lidam com a insegurança da falta de equipamentos e do temor de levar o vírus para casa.

Em meio a pandemia, profissionais de saúde lutam contra o medo
Médico pneumologista Henrique Ferreira de Brito utiliza máscara durante atendimento nos hospitais de Campo Grande; medo acompanha rotina de profissionais de saúde durante a pandemia. / Foto: Arquivo Pessoal

As publicações cheias de gratidão em homenagem aos profissionais de saúde, acompanhadas de reconhecimento por meio de luzes e palmas em prédios pelo país, emocionam e são capazes de diminuir por alguns minutos o fardo pesado daqueles que vivem para salvar vidas. Mas, distantes de sentirem paz neste momento difícil e histórico para o mundo, a gratidão logo cede espaço para o medo, impulsionado todos os dias pelo aumento do número de infectados e mortos pelo novo coronavírus (Covid-19).  

Enquanto especialistas acreditam que a pandemia ainda não encontrou o pico de transmissão no Brasil e as mortes já passam de 100, profissionais de saúde de Mato Grosso do Sul precisam lidar com a ansiedade e a tensão de esperar o pior, sem a certeza de que permanecerão saudáveis e próximos das pessoas que amam.  

“A equipe médica tem que atender os pacientes, mas lógico que a situação toda gera uma angústia. Temos família e não queremos expor a nossa família também, então existe o medo de levar o vírus para a minha casa. Nós vamos, mas vamos pelo amor a profissão e pelo profissionalismo”, acredita Henrique Ferreira de Brito, médico e presidente da Sociedade de Pneumologia de Mato Grosso do Sul.

Atendendo em unidades de saúde particulares e públicas de Campo Grande, Brito explica que a maior angústia da equipe médica é a falta de equipamentos. “Estamos ansiosos, mas o que mais gera a ansiedade é o medo de não ter a estrutura para atender os pacientes caso tenha um grande número de pessoas contaminadas simultaneamente. Existe uma estrutura não adequada ao atendimento do Covid-19 nas Unidades de Pronto Atendimento e Centro Regionais de Saúde por falta de setores de isolamento, escassez ou ausência de equipamento individual de proteção e ventilador mecânico. O problema maior está lá, não nos hospitais”, explica.

O técnico de enfermagem, Wesley Cassio Goully, 33 anos, concorda. “O sentimento comum é de medo, a gente vê isso no olhar dos profissionais. É muita informação, muita notícia e o que percebemos é que nos países europeus os profissionais se contaminaram. Temos noção que estamos na linha de frente e a maior dúvida é se terá EPI para todo mundo, em quantidade suficiente. O medo se tornou nosso parceiro de trabalho”, frisa.  

Atuando em um hospital que integra o Sistema Único de Saúde (SUS) de Campo Grande, Goully explica que a própria instituição forneceu equipamentos de segurança para os funcionários, mas para muitos falta treinamento para as equipes atuarem durante a pandemia. “Alguns EPIs foram confeccionados pela nossa própria instituição. Nossa preocupação também é de como serão os atendimentos e o nosso medo da contaminação. Temos várias dúvidas, desde se vamos tomar banho no local de trabalho, trocar de roupa no hospital ou se é seguro voltar para casa. São tantas perguntas que às vezes não tem ou demora para ter uma resposta”, frisa.

O sentimento de impotência frente ao novo coronavírus é grande, principalmente pela falta de pesquisas na área.

Uma médica, que atua no sistema único de saúde e prefere não se identificar, explica que o principal ponto de medo nos profissionais é o sentimento de exposição ao vírus. “Vejo que a maioria dos profissionais, isso inclui todas as classes na assistência - médicos, enfermagem, administrativo, limpeza, etc., está com medo e inseguro. Acredito que primeiramente por não sabermos como será a evolução da pandemia no Brasil. Outro ponto é que nos sentimos desprotegidos, e sabemos que a situação pode piorar diante do aumento dos casos.  Muitos profissionais estão comprando e levando seus próprios EPIs. Na unidade em que trabalho por exemplo não é todos os dias que temos máscaras disponíveis. Nem para os profissionais de saúde e nem para proteger um paciente com possível caso suspeito de propagar o vírus”, frisa.

Os atendimentos na unidade continuam normalmente. “Em sua maioria os pacientes que tenho atendido vem com queixas de sintomas gripais e respiratórios em diversas intensidades”, pontua.  

Família

Para o técnico em enfermagem, a principal preocupação dos profissionais é evitar a propagação do vírus entre os próprios familiares. “Essa é uma questão muito séria, a assistência a gente dá, mas precisamos proteger os nossos familiares, somos um meio para contaminar essas pessoas. O ideal é o auto isolamento, morando sozinho ou conseguindo espaços para não voltar para casa. Atualmente eu já estou diminuindo o contato com os familiares”, frisa.  

Já Henrique Brito é casado com uma médica, também pneumologista e tem uma filha de três anos. “Ainda não teve um número grande de casos em Mato Grosso do Sul, mas eles vão chegar. A contaminação em média entre os profissionais de saúde nos países europeus é de 10 a 20%. Muitos são afastados por conta de contaminação, com casos graves entre médicos e enfermeiros, inclusive com morte”, indica.  

Caso os números aumentem, Brito pretende se afastar momentaneamente da família. “Muitos estão deixando suas casas e a previsão com o aumento da pandemia é que eu faça o mesmo caminho”, acredita.