Mulheres enfrentam assédio e medo de assaltos todos os dias e noites no transporte público.

Tarefas cotidianas, como pegar ônibus à noite, depois de um dia exaustivo de trabalho e de estudo, são prova de fogo para qualquer mulher. Desafios que exigem estratégias para fugir do perigo de assalto, do assédio e não desistir de jornadas triplas entre trabalho e família. Ontem, na véspera do Dia Internacional da Mulher, nada mudou pelos terminais de Campo Grande. O cansaço continuava ali, o medo também, assim como a resistência feminina.
Não que os homens não estejam também expostos à possibilidade de um assalto, a violência atinge a todos, mas, as mulheres são as principais vítimas do roubo no ponto de ônibus. Mais do que a raiva de ter um objeto como a bolsa e o celular roubado, basta entrar em uma rodinha de mulheres no terminal de transbordo para, pelo menos, uma delas citar um caso de assédio. O Lado B conversou com as mulheres que andam de ônibus após as 22 horas.
Uma atendente, de 26 anos, que prefere não se identificar, utiliza o transporte público todos os dias e conta que recentemente passou por uma situação constrangedora. Ela estava em ônibus com as duas filhas, de 7 anos e de seis meses. Quando foi amamentar a bebê, percebeu os olhares maliciosos de um rapaz. Mesmo encarando, ele não parou e ela teve que deixar de alimentar a filha e esperar descer do coletivo para dar de mamar.
“Eles acham que tem que ficar perto, se encostar que você é um objeto. Eu tenho uma bebê de seis meses e tirei o peito para dar de mamar e veio um rapaz e ficou olhando com cara de safadeza. Sempre coloquei a fralda para proteger, mas, mesmo assim, ficam olhando. São meninos novos e velhos que acham que tem o direito de ficar olhando. É constrangedor, ninguém te respeita e acham que podem fazer o que quer”, diz.
Quando ocorreu a situação, a atendente conta que a filha ficou chorando até chegar na casa da mãe dela e poder amamentar. Depois disso, parou de dar de mamar para a filha em locais públicos. Como pega ônibus todos os dias a noite, ela é uma das que utiliza a estratégia de alguém esperar no ponto de ônibus, no caso, o marido, que vai diariamente esperá-la na volta do trabalho.
Cerca de uma hora antes de conversar com o Lado B, por volta das 21 horas, uma técnica em enfermagem diz que escapou de um assalto porque o ladrão desistiu na hora. Ela saia do trabalho, na região do Círculo Militar quando foi abordada por um rapaz. Ele fez menção de estar armado, mas desistiu do assalto.
“Na hora eu gelei e perdi o chão. Ele encostou por baixo da roupa, como se estivesse armado, mas, acho que era só a mão e perguntou de onde eu estava vindo. Eu falei que trabalhava no hospital e não sei o que aconteceu e ele desistiu. Ali tem uma baixada que é meio escura. Eu fui até os militares e eles me acompanharam até o ponto de ônibus”.
Uma vigilante que conversava com a técnica em enfermagem conta que já sofreu assédio no ônibus. Ela diz que quando está uniformizada, como era o caso de hoje, não é alvo, mas, que já foi assediada quando estava com roupas comuns. “Uma vez, eu estava de vestido e um cara veio se esfregando em mim”.
A auxiliar administrativo Amyles Rosa, 22 anos, já foi vítima de dois assaltos na rua, um deles, logo que desceu do ônibus na avenida Raquel de Queiroz, de noite, quando voltava do trabalho. O outro, há dois anos, ao meio-dia, quando seguia da escola para o trabalho.
“Todo dia eu e as minhas colegas vamos juntas para o ponto de ônibus e, quando chego a noite, o meu irmão me busca no ponto de ônibus. Não consigo mais andar na rua sozinha uma hora dessa”. A história de Amyles é parecida com a da repórter que escreve esse texto. Depois de ser assaltada, às 6 horas, quando ia para o trabalho, após perder um ônibus que passava a cada 40 minutos, mudei de casa e a situação pesou até para trocar de emprego.
A estudante Izabella Oliveira, 18 anos, também relata um caso de assédio no ônibus, há três semanas. Vindo do Terminal General Osório para o Guaicurus, um homem ficou encostando nela e não respeitou o pedido para que parasse.
“Nesse horário, muita gente fica passando a mão. Uma vez, eu estava vindo do [terminal] General Osório, e tinha um cara atrás de mim encostando. Eu falei "tem como você me dar licença?” Ele falou “Não”. Eu peguei e saí, fui sentar lá na frente. Depois de uns dez minutos, ele foi lá na frente e eu fiquei incomodada e falei para o segurança do terminal. Eu me sinto um pouco constrangida com essa situação. Acho que tinha que ter mais segurança para cuidar do horário escolar.”
A estudante Estela Silva dos Santos, 33 anos utiliza ônibus todos os dias e vai até o Terminal Morenão. Ela afirma que não se sente segura com relação aos assaltos, principalmente, porque um colega foi recentemente assaltado dentro do mesmo terminal.
“Essa semana mesmo, um colega foi assaltado aqui dentro no Terminal Morenão. Um menino novo, acho que tem uns 18 anos, foi assaltado e perdeu os óculos que a mãe tinha recém-comprado. A gente se sente muito insegura. Era para ter guarda aqui no terminal, mas no dia não tinha. Dependendo do ônibus que eu pego, tenho que caminhar e ligo para o meu marido me esperar no ponto de ônibus. Não tem a menor condição de chegar em casa sozinha”.
Estela também já presenciou roubo dentro do ônibus. “Eu presto muito atenção, guardo as minhas coisas, mas já presenciei assalto. As mulheres estão mais vulneráveis e mais distraídas, olhando no celular. Eu falo que pelo meu tamanho e cara de brava, às vezes a pessoa fica intimidada. A gente não pode reagir, mas no impulso, tem mais força. Eles pegam mais quem está desprevenida e quem tem o porte físico menor”.
Rosineia da Silva Santos, 35 anos, trabalha no Shopping Norte Sul Plaza e pega ônibus todos os dias para ir para casa, no Jardim Itamaracá. Ela se sente insegura, mas motorista do coletivo que ela utiliza, cumpre a lei e para fora do ponto, o mais perto possível da casa dela.
“É inseguro. No meu bairro, por exemplo, não tem segurança. O meu motorista para na esquina da minha casa, mas para as meninas que moram a três quatro quadras do ponto e descem sozinhas, é perigoso. Ficam os grupinhos na rua e tenho medo de ser assaltada, às vezes, não trago nem o celular porque eu tenho medo”, diz.
Rosineia diz que mulheres são alvos de homens que passam a mão (Foto: Paulo Francis)
Além do medo de ser assaltada, Rosineia diz que já teve problemas com assédio em ônibus. “Ainda tem muito assédio. Tem homens que aproveitam para encostar. Na saída do trabalho e, às vezes, quando eu estou de folga. Você vai pegar um cinema ou uma coisa assim e sempre tem alguns engraçadinhos que encostam. De pegar na mão e alisar. Comigo menos, porque eu sou uma mulher alta, mas a gente vê rapaz que encosta nas meninas. Tem pessoas que se sentem culpadas ainda, você vai ao shopping com um shorts no fim de semana, um vestidinho e quando vai pegar ônibus, tem que ficar cuidando quem vai sentar perto de você”.
Aos 65 anos, a cozinheira Maria Auxiliadora volta todos os dias para casa de ônibus, inclusive, no “Corujão”, às 2h30. “No terminal não tem problema, mas nos pontos, eu tenho medo. Quando eu desço, já ligo para a minha filha que me espera. O motorista também para na esquina para eu descer. Não é porque a minha filha está esperando, que não tenho medo. Essa molecada gosta de tomar celular, pensa que a gente tem dinheiro. Eu já vou para o ponto orando”, diz dona Auxiliadora.
A importunação sexual passou a ser crime em agosto do ano passado com a Lei 13.718. “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. A lei criminaliza atos libidinosos sem o consentimento da vítima, como toques inapropriados, e estipula pena de até 5 anos de prisão.
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