
Quem vê a força e a agressividade de Rafaela Silva nos tatames talvez não imagine o quão frágil era a saúde quando a mais nova campeã olímpica do judô brasileiro ainda era uma criança. Muito alérgica e com graves crises de bronquite, a carioca vivia no médico. Sem recursos para os melhores tratamentos, a família tentava compensar com todo o carinho que podia. Além de ter deixado o trabalho em um supermercado, a mãe amamentou a caçula até quase os cinco anos de idade.
Só se soube depois, porém, que até o alimento materno fazia mal a ela. Rafaela precisava tomar leite de soja, que custava uma fortuna para uma família tão humilde. Qualquer comida com corante era proibida, senão causava alergia das brabas.
A bronquite, que tirava o fôlego a ponto de limitar qualquer esforço maior, a levou a um tratamento com injeções semanais. O pai, Luiz Carlos, sentia o coração partir quando a filha caçula perguntava até quando teria que “tomar vacina”. O tratamento, feito da primeira infância até quase os 7 anos de idade, felizmente fez efeito.
– A Rafaela mamou até os cinco anos. Foi uma filha que mamou mais, teve mais carinho. Ela não me deixava trabalhar muito. Até uns três, quatro anos ela não aguentava andar que ficava com falta de ar. Tinha muita crise e não dormia a noite toda. Ele fez os testes, porque a crise era braba. Tinha que pedir carona no ônibus porque não tínhamos dinheiro, não tínhamos condição. Hoje temos uma casa bonita – contou a mãe, Dona Zenilda.
As dificuldades financeiras deixavam os pais angustiados. A recomendação médica de fazer natação para melhorar as condições respiratórias da menina era inviável. Eles não tinham acesso a uma piscina. A casa em que viviam, muito úmida e com mofo nas paredes, piorava a situação.
– O médico falava: “Mãe, você tem que ter uma casa melhor porque a sua tem teto de telha, tudo mofado”. Eu falava para o médico que não tinha como. A gente morava na casa da minha mãe, e ele (médico) falava que eu tinha de botar laje. Mas como a gente ia mudar?
As injeções, prescritas pelo chamado “Doutor Cláudio” do Hospital dos Servidores, surtiram efeito. Por volta dos 6, 7 anos, quando começou a praticar o judô, Rafaela já não tinha quaisquer problemas de saúde.
Com a saúde estável, a menina foi forjando sua força ajudando os pais a conseguir dinheiro. Ainda novinha ajudava os pais em uma vendinha, carregava sacolas de compras de supermercados e até botijões de gás. Quando o pai precisou de uma mãozinha na obra da casa da família, lá estava Rafaela lidando com o material de construção.
– Eu tive que aterrar, enterrava o balde na laje, quem pegava era ela. Eu enchia, ela pegava. Era pesado. O Seu Murilo, para todo mundo que carrega bolsa dele, dá um trocadinho. Ela carregou muita bolsa para ele – lembrou o pai.
Cada um desses episódios moldou a personalidade da futura atleta. De tão frágil tornou-se tão forte. Fez com que todos esses obstáculos só atribuíssem ainda mais valor às conquistas no esporte. Para quem aprendeu na marra a superar as adversidades da vida, derrubar adversárias no tatame era apenas mais uma entre tantas vitórias.
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