Segundo a Conab, no ano passado, 6% dos alimentos adquiridos nas modalidades executadas pela Companhia eram orgânicos.

Cresce percentual de orgânicos nas compras do Programa de Aquisição de Alimentos
/ Foto: Antônio Araújo/Mapa

O percentual de participação dos orgânicos nas compras feitas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), triplicou nos últimos cinco anos.

Segundo a Conab, no ano passado, 6% dos alimentos adquiridos nas modalidades executadas pela Companhia eram orgânicos. Em 2013, esse índice era de 2,2%.

De 2013 a 2018, foram adquiridos por meio do PAA cerca de 11,6 mil toneladas de produtos orgânicos, somando quase R$ 30 milhões.

Quando se considera todo o volume comercializado pelo programa desde 2013, a participação dos orgânicos ainda fica em torno de 2,5%.

A ampliação anual da compra de produtos orgânicos é uma das metas previstas no Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), em vigor desde 2016. No âmbito do PAA, o plano tinha o objetivo de garantir, até 2019, que pelo menos 5% dos recursos aplicados anualmente pelo PAA fossem para alimentos orgânicos, da sociobiodiversidade e de base agroecológica.

Segundo o Gerente de Programação Operacional da Agricultura Familiar da Conab, Tiago Horta, o PAA tem priorizado, principalmente nos últimos três anos, a compra de produtos orgânicos e isso tem estimulado que os agricultores convertam a produção de convencional para orgânica.

"Em valores relativos, a tendência é de aumento da participação dos orgânicos devido aos critérios de priorização do PAA.

Os orgânicos estão entre os requisitos que pontuam mais para os produtores, assim como ser mulher, quilombola ou assentado, por exemplo", explicou Horta.

Além da priorização oficial dos orgânicos no programa, o gerente acrescenta que os produtores rurais têm buscado incrementar a produção orgânica em busca de benefícios para a saúde e de economia de recursos.

A demanda crescente por produtos orgânicos tem estimulado muitos produtores familiares a se oficializarem junto ao Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, mantido pelo Ministério da Agricultura.

Para comercializar seus produtos como orgânicos, os agricultores devem certificar seus produtos por meio de auditoria junto a uma certificadora cadastrada no Ministério da Agricultura ou pelos sistemas participativos de garantia da qualidade orgânica, formados por grupos de produtores que se organizam para conseguir uma autocertificação.

Outra alternativa disponível somente para os agricultores familiares é fazer uma declaração em grupo junto a uma Organização de Controle Social (OCS) e se cadastrar no Ministério.

Neste caso, os produtores somente estarão habilitados a vender diretamente para o consumidor em feiras ou para programas do governo, como o PAA.

"O fomento do Programa de Aquisição de Alimentos aos produtos orgânicos provocou a formalização de muitos produtores que praticavam a agricultura orgânica, mas não tinham certificação", comentou Tiago Horta.

O PAA foi criado em 2003 para promover o acesso de pessoas mais pobres à alimentação e incentivar a agricultura familiar.

O programa permite a compra de alimentos produzidos por agricultores familiares com dispensa de licitação e os destina às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional.

O foco do programa é o público atendido pela rede de assistência social pública e privada, restaurantes populares, bancos de alimentos, hospitais e escolas. Os recursos do PAA são oriundos do Ministério da Cidadania.

Tendência de crescimento
No Distrito Federal, o crescimento da participação dos orgânicos no PAA também foi percebida nos últimos anos. Impulsionado pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do DF (Emater-DF), o período de 2014 até 2018 registrou um aumento de cerca de 400% no percentual de orgânicos.

Em 2014, apenas 21 produtores orgânicos do DF estavam inscritos no PAA. Em 2015, o número passou a 54 produtores, em 2018 a 103, o que corresponde a mais de 26% do total de produtores participantes do PAA executado por termo de adesão firmado com o Ministério da Cidadania.

No início do 2019, foram 105 agricultores orgânicos inscritos no programa em Brasília. Os dados são da gerência do escritório de comercialização da Emater-DF na Central de Abastecimento (Ceasa) de Brasília.

"A Emater tem feito um esforço substancial para aumentar a participação desses produtores não só nas compras públicas, mas também no mercado privado, através das feiras, das organizações sociais", comentou Blaiton Carvalho, gerente do escritório de comercialização da Emater no Ceasa -DF.

A participação no PAA rendeu aos produtores orgânicos do DF o montante de R$ 305 mil no ano passado. Apesar do volume total de recursos ter sofrido uma redução nos últimos anos, a expectativa é que os alimentos orgânicos continuem a crescer nas compras públicas.

"A gente entende que o PAA é uma escola. É através do PAA que o produtor começa a fazer a primeira venda com nota fiscal, que começa a processar o produto, a entender de mercado", disse Carvalho.

Uma das características da oferta dos agricultores orgânicos é a diversidade de produtos. Nos últimos quatro anos, eles venderam para o PAA mais de 30 variedades, entre hortaliças folhosas, tubérculos, frutas e raízes.

No Distrito Federal, os agricultores familiares ainda podem participar do Cesta Verde de Produtos Orgânicos, outro programa institucional de aquisição de produtos da agricultura (PAPA-DF) que serve alimentos orgânicos para pessoas em situação de vulnerabilidade.

Renda garantida
Um dos agricultores familiares do entorno de Brasília que fornece alimentos orgânicos desde 2011 para o PAA é Francisco Miguel de Lucena, conhecido como Chiquinho.

Cearense de Brejo Santo, filho e neto de pequenos agricultores, Chiquinho planta milho, abóbora, couve, salsa, repolho e algumas frutas, como banana, abacate e morango, entre outras culturas. Tudo de forma orgânica.

Seu sítio está no assentamento da Chapadinha, uma área que fica praticamente dentro do Parque Nacional de Brasília e na Área de Preservação Ambiental (APA) do Planalto Central. Quando chegou na terra, em 2005, Chiquinho conta que era tudo desmatado.

Hoje, as 53 famílias assentadas produzem de forma orgânica em sistemas agroflorestais, que intercalam diferentes culturas e espécies do Cerrado.

"Não tinha mais onde desmatar, porque a área já tinha sido toda desmatada, era uma área totalmente descampada e nós assumimos o compromisso de ir reflorestando com frutas e culturas nativas, na medida em que o tempo fosse dando oportunidade.

Quando mudamos pra cá, não víamos um passarinho, hoje, as perdizes vêm comer e os passarinhos fazem ninho", disse.

Todos os produtores do assentamento são certificados para comercializar os produtos orgânicos por uma Organização de Controle Social (OCS) e alguns por auditoria.

Mais de 70% deles fornecem orgânicos para o PAA e também para cerca de 30 escolas públicas, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

"Nós fizemos agora um contrato com o PNAE que vai até março de 2020, então, significa que nesse período nós temos uma renda garantida. A política pública é importante, porque você já planta sabendo o que vai entregar, então a perda é bem reduzida", comenta Chiquinho.

"E a questão social é o mais importante, porque do outro lado tem as famílias e pessoas vulneráveis que estão sendo beneficiadas.

É uma forma da gente contribuir com o combate à fome e com o acesso à alimentação adequada e saudável", completou.

Eles também vendem diretamente para o consumidor em feiras instaladas em diferentes pontos da capital federal, inclusive dentro de órgãos públicos, como tribunais e o Palácio do Planalto.

As sobras da produção são doadas para algumas instituições ou voltam para o sítio para a produção de adubo orgânico.

Chiquinho tem três tanques que filtram os resíduos da produção por meio do processo de compostagem. Mas também compra insumos orgânicos, como cama de frango e farinha de osso.

Mulheres no PAA
A vizinha de Chiquinho, Ivone Ribeiro Machado, 60 anos, vende para o PAA, por meio da Conab. Natural de Corrente, Piauí, Ivone desistiu do trabalho na cidade como entregadora de alimentos e se mudou para o campo para produzir alimentos orgânicos.

Cerca de 70% de tudo o que ela produz é vendido para projetos do governo federal ou distrital. "Eu acredito que esses programas são a nossa poupança.

É a nossa garantia de investimento, porque vem um dinheiro mais reunido, é um volume maior de recursos, então, pra gente é excelente", afirmou.

Ivone conta que gosta de inovar. Em 5 hectares de produção com sistema agroflorestal, ela planta hortaliças, várias frutas, como mamão, laranja, limão, maracujá, morango e já está se preparando para plantar maçãs e peras em pleno cerrado.

Ela também cultiva café, cebola, alho, diferentes tipos de batatas e abóboras e algumas Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs), como o cará-do-ar e vinagreira.

Assim como Chiquinho, praticamente todo o trabalho de plantio, roça, colheita e separação dos produtos e entrega na cidade é feito por ela sozinha, com a ajuda de alguns auxiliares durante a semana.

Para ela, os benefícios em trabalhar com os orgânicos compensam, principalmente a relação de confiança com os clientes.

"Tudo no orgânico que você vai comprar de insumos é muito caro, mas tem muitas vantagens. Para nossa saúde é excelente e para nossos consumidores também. Eles ficam muito felizes quando veem a gente na feira".

Ivone espera que um de seus sete netos possa dar continuidade ao seu trabalho. "Nasci na roça, eu sempre gostei de mexer com a terra.

Graças a Deus, eu tenho um neto de 20 anos que gosta também. Ele vai fazer Ciências Ambientais e vai ser meu herdeiro.

Eu falo sempre pra eles que tudo vem da terra, mas se não tiver a terra e não cuidar dela, como vai viver a cidade?", declarou Ivone.