A informalidade afeta tanto empregadores quanto trabalhadores e consumidores

Em Campo Grande, a insatisfação com o setor de serviços é amplamente debatida em grupos como ‘Aonde Não Ir’ e plataformas como o ‘Reclame Aqui’. De atrasos e desaparecimentos a entregas malfeitas, consumidores relatam frustrações com pedreiros, serralheiros, marceneiros e outros profissionais do setor de construção. De janeiro a julho de 2025, pelo menos 175 reclamações deste tipo foram abertas no Procon Municipal em Campo Grande.
Especialistas apontam que a informalidade, a falta de qualificação e a gestão precária são os principais fatores que alimentam uma ‘crise’, a qual compromete a confiança na categoria.
A informalidade afeta tanto os empregadores quanto os trabalhadores e os consumidores. Os riscos para o prestador de serviço são a ausência dos direitos trabalhistas e previdenciários, limitação de crescimento profissional e riscos de penalidades. Já para o consumidor afeta na confiabilidade dos serviços, ausência de garantia e prejuízo financeiro.
“A informalidade fragiliza o trabalhador e o empregador, mas também afeta diretamente a satisfação e a confiança do consumidor, criando um ciclo de baixa qualidade e competitividade”, explica a economista da Fecomércio/MS (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Mato Grosso do Sul), Regiane Dedé.
Conforme Regiane, muitos trabalhadores deixam de participar de treinamentos, certificações e programas de aperfeiçoamento quando estão sem vínculo formal. Isso compromete a atualização técnica e, consequentemente, a qualidade do serviço prestado.
Além disso, na prestação de serviços informais, geralmente não há garantia ou segurança para o cliente, o que reduz a confiança e prejudica a credibilidade. “Esse cenário também favorece uma concorrência desleal no aspecto de preços, já que, na informalidade, os custos operacionais são menores”, completa.
‘Calote’ deixou família sem vidros e box na casa nova
O empresário Aureo Machado relata que contratou um vidraceiro para instalar portas, janelas e box em sua casa, que estava em construção. Ele conta que pagou todo o serviço adiantado, para garantir um desconto antes do reajuste no valor dos vidros, pois o prestador de serviços era ‘conhecido’ da família.
No entanto, ao chegar à etapa de instalação, o profissional começou a faltar aos compromissos, apresentando justificativas variadas. Quando a família se aproximou da data da mudança, Aureo conta que o profissional iniciou, parcialmente, o serviço, instalando alguns perfis e a parte fixa das janelas dos quartos; mas, logo depois, desapareceu.
“Foi um transtorno enorme, porque eu precisava mudar para a casa nova, mas não tinha os vidros das portas, as janelas dos quartos, dos banheiros, e também não tínhamos os boxes. Fui extremamente prejudicado. Não gosto nem de lembrar de todo esse pesadelo”, expressa.
Ao cobrar o serviço, Aureo diz que o vidraceiro admitiu ter usado o dinheiro para resolver problemas pessoais e afirmou não ter condições de concluir o trabalho. A situação gerou prejuízos tanto financeiros quanto emocionais à família.
“Isso trouxe um impacto negativo muito grande para mim e para minha família, tanto emocionalmente, por todo o estresse que passamos, quanto financeiramente, porque não fomos ressarcidos e ainda tivemos que contratar outra empresa para fazer parte do serviço. Não tivemos outra opção, porque tínhamos que mudar”, comenta o empresário.
Homem selecionando vidro. (Foto: Ilustrativa/Freepik)
Desafios da informalidade
Segundo a economista da Fecomércio/MS (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Mato Grosso do Sul), Regiane Dedé, a falta de conscientização e de esclarecimento é o principal desafio da informalidade, que prejudica tanto empregadores quanto trabalhadores.
“Por exemplo, uma empresa que contrata sem registro ou tenta burlar o sistema pode acabar arcando com penalidades muito mais onerosas do que o custo de manter um funcionário no regime CLT. Já o trabalhador, por sua vez, fica desassistido de todos os seus direitos”, explica.
Regiane destaca que atuar por conta própria, sem planejamento e sem recolhimento adequado de tributos, também pode se tornar uma armadilha para o prestador de serviços. “Um planejamento bem elaborado e revisado sempre que necessário pode parecer perda de tempo, mas evita inúmeros problemas no futuro”.
Sobre a qualificação, a economista afirma que é necessário alinhar as ofertas de cursos e treinamentos às demandas dos trabalhadores, conciliando oportunidades de trabalho com os desejos pessoais dos profissionais.
“Muitas vezes, os cursos e treinamentos oferecidos estão alinhados às vagas disponíveis, mas não necessariamente ao que o trabalhador deseja. Em contrapartida, cabe aos empregadores investir na retenção de talentos, valorizando e fortalecendo sua equipe”.
Por que o setor reúne tantas reclamações?
A resposta para a pergunta acima é simples: “Falta de alinhamento entre as habilidades dos trabalhadores e as demandas reais do mercado; carga tributária, assim como em outros setores; concorrência desleal, intensificada pela informalidade e por prestadores de serviços que trabalham na informalidade com menos qualidade ou segurança”.
Segundo a economista, os principais erros que consultores apontam nos prestadores de serviço em Campo Grande são justamente a informalidade e a falta de especialização. Para resolver essa ‘crise institucional’, a especialista aponta que a solução é conscientizar sobre a importância da formalização empregatícia e qualificação, bem como aprender a formar preços corretamente.
Construção civil. (Foto: Arquivo/Alicce Rodrigues, Jornal Midiamax)
Ficou com dúvidas sobre os seus direitos? Advogada responde
A reportagem procurou a advogada especialista em Direito do Consumidor Larissa Brandão, para esclarecer algumas dúvidas frequentes na hora de contratar um prestador de serviço ou exigir seus direitos em caso de lesão.
Contrato não é obrigatório, mas é fortemente recomendado:
Conforme explica a advogada, firmar um contrato por escrito entre o consumidor e o prestador de serviço não é obrigatório. No entanto, é fortemente recomendável. Apesar da contratação verbal também ter validade jurídica, ela exige mais cautela e provas em caso de descumprimento, o que pode dificultar o consumidor de exigir seus direitos.
“Em qualquer cenário, o consumidor, antes de efetuar a contratação de algum serviço, deve ter o registro específico sobre o objeto do serviço e questões como prazo, valor, forma de pagamento. É importante exigir e guardar os comprovantes (mensagens no WhatsApp, recibos de eventuais pagamentos/sinal e do próprio orçamento). E, ainda, é aconselhável sempre pesquisar sobre a empresa/prestador, para verificar a veracidade e reputação”, descreve.
Riscos do pagamento adiantado:
Embora a lei não proíba o consumidor de pagar o valor integral do serviço adiantado, isso não é recomendado pela advogada. O ideal é buscar parcelar o valor conforme o andamento do serviço, ou dar um valor de entrada (popularmente conhecido como ‘sinal’) e pagar o restante após a entrega.
“Em qualquer cenário, é importante exigir o recibo ou a nota fiscal dos valores pagos, guardar até o fim, e, preferencialmente, formalizar um contrato por escrito, prevendo medidas em caso de descumprimento, até para que sejam justos e equilibrados, para ambas as partes, os termos pactuados”.
Em caso de prestação de serviço informal, sem nota e sem contrato, o que ainda pode proteger o consumidor juridicamente?
Mesmo sem nota fiscal ou contrato escrito, a relação de consumo ainda é protegida pelo CDC (Código de Defesa do Consumidor), conforme explica a advogada. No entanto, o consumidor precisa comprovar que o dano sofrido foi resultado direto e imediato da ação ou omissão do fornecedor, e não fruto de outra causa.
“Geralmente, hoje em dia, conseguimos juntar provas como: conversas no WhatsApp, e-mail, SAC, ou até testemunhas e comprovantes de pagamento que conectam o fato.
Advogada Larissa Brandão. (Foto: Reprodução/Redes Sociais)
Quando o prestador não cumpre o combinado, seja atrasando, entregando malfeito ou até mesmo sumindo, que tipo de violação de direito está ocorrendo?
De acordo com o CDC (Código de Defesa do Consumidor) (artigos 20 e 30), quando um serviço é prestado com qualidade inferior à anunciada ou não cumpre o que foi prometido, isso configura descumprimento da oferta ou vício na prestação. Nesses casos, o fornecedor é responsável por corrigir a falha, devolver o valor pago ou oferecer desconto proporcional, garantindo que a propaganda feita tenha força de compromisso com o cliente.
Caí em um golpe… e agora?
Se o consumidor perceber que foi lesado ou caiu em um golpe, a advogada recomenda agir rapidamente. A orientação é reunir todas as provas possíveis, como mensagens de WhatsApp, fotos, recibos, comprovantes de transferência e contratos.
Larissa recomenda que o consumidor tente resolver, primeiramente, direto com o prestador de serviço e registre a tentativa, seja ela por e-mail, ouvidoria, seja por mensagens e ligações.
Caso não haja acordo e haja indícios de fraude ou má-fé, o passo seguinte é registrar um boletim de ocorrência. Também é recomendado buscar orientação jurídica para acionar órgãos de defesa do consumidor, como o Procon, ou recorrer ao Poder Judiciário.
“Se houver má-fé desde o início (intenção de enganar e se apropriar do dinheiro), há indício de crime de estelionato (artigo 171, do Código Penal). Caso contrário, pode ser tratada como questão cível, com direito à restituição e indenização”, finaliza Larissa.
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