Régua chegou a 3,17 metros após um período de cinco anos de escassez hídrica e pantaneiros comemoram

Cenário bem diferente do fogo, cheia passou de 3 metros e é a melhor vista de tantas Ana’s no Pantanal
Régua chegou a 3,17 metros após um período de cinco anos de escassez hídrica e pantaneiros comemoram / Foto: Henrique Arakaki/Jornal Midiamax)

A escadaria coberta, com só três dos 15 degraus aparecendo, é a sensação mais gostosa que Ana Conceição Louveira Amarilha, de 35 anos, pode sentir atualmente. O caminho dá acesso aos barcos e o Rio Paraguai, sua melhor vista. Gerente de um hotel fazenda no Pantanal sul-mato-grossense, há 10 anos, comemora agora a chegada das águas e mudança no cenário. Assim como ela, tantas pantaneiras e pantaneiros: a cheia chegou em meados de maio e junho, após um período de cinco anos de escassez hídrica.

Moradora de uma casa de palafita, Ana tem a água quase como uma simbiose em seu corpo e o Rio Paraguai como quintal diário. E o que parecia uma miragem, não só para ela, é realidade para os pantaneiros, que veem a “régua” chegar a 3,17 metros. “Tivemos um período muito triste. Foram cinco anos vendo todos os degraus da escada e um pouco mais, até chegar no Rio. Agora tudo foi coberto pela água, estamos vendo as as pontes correndo água, está bem melhor do que antes, o Pantanal está cheio“, argumentou a gerente.

(Henrique Arakaki/Jornal Midiamax)
Relembrando um pouco o passado, Ana fala que via muitos carros passando embaixo de pontes, mato queimado e animais mortos. “Agora está Bonito. E junho é um pouco parado este ano diminuiu mais, era pra ter, no mínimo, ao menos 15 pessoas na casa. Mas, ficamos felizes com a cheia e tenho certeza que isso vai trazer novos hóspedes também. A única coisa que reclamam um pouco é que, com muita água, o peixe foge. Mas a maioria gosta da cheia, de muita água“, comentou.


 

Da maior cheia ao incêndio devastador, Ana sabe quando vive um momento histórico
Mirandense de nascimento, Ana fala que se mudou para a região do Passo do Lontra, há 17 anos e, desde então, sabe quando vive um momento histórico.

“Tivemos, em 2011, a maior cheia, quando o transporte era barco daqui até a BR e água chegou até na calçada dos quartos. Depois tivemos o período de queimada, que foi de muito sofrimento, o fogo chegando na outra margem do rio, todo mundo com medo, fumaça, turista desistindo com medo do fogo também e o rio seco. Muito triste, ainda bem que tudo mudou”, relembrou.

Dona de uma casa de palafita, vai duas vezes ao dia no povoado. “Gosto de ir lá descansar, no meu horário de almoço. A gente tem outra respiração nessa época, o ar fica mais leve e puro, as árvores com as folhas bem verdes, fica tudo melhor. E a história da onça é verdade, eu já a vi três vezes este mês, mais pra baixo da ponte e pra cima do Vermelho [Rio Vermelho]. Acho que é por conta da cheia mesmo. Tivemos em 2011, 2018 e agora em 2025″, comenta.

‘Cheia foi imprevisível e trouxe alegria para gente pantaneira’, diz presidente do IHP
(Henrique Arakaki/Jornal Midiamax)
Presidente do IHP (Instituto Homem Pantaneiro), Ângelo Rabelo ressalta que, neste ano, mesmo com os esforços dos centros de pesquisa, a natureza sempre pode surpreender.

“Foi, sim, algo imprevisível, neste ano de 2025. Uma grata surpresa, contrariando uma escassez hídrica, que vinha de maneira perversa penalizando o Pantanal e sua gente, então, a cheia trouxe uma alegria para gente pantaneira que sabe conviver com as águas, prefere as águas que o fogo“, ressaltou ao Jornal Midiamax.

De acordo com Rabelo, a água voltou a trazer vida na região da Serra do Amolar. “Estivemos lá novamente e é impressionante a avifauna toda de volta, então, é um momento de contemplação, que a gente está tendo, uma trégua e quero crer que este ano o Pantanal não terá os grandes incêndios que marcaram os últimos cinco anos”, disse.

O presidente relembra que, há um ano, a região vivia momentos muitos ruins. “Tivemos, desde 2020, um caos, ano passado também. Foi muito violento [o fogo]. Tivemos mais de 2,5 milhões de hectares e o governo do estado, governo federal, investindo milhões, conta que passa do milhão os custos da operação e este ano a gente tem a natureza nos agraciando, com água e com vida“, finalizou.

‘Régua’ do Rio Paraguai nos últimos sete anos
(Graziela Rezende/Jornal Midiamax)
De acordo com o que foi apurado pela reportagem, no ano de 2018, a cheia também atingiu três metros. Entre 2020 e 2025, o nível do rio, em Ladário, atingiu a mesma marca, igual no ano de 2023. Naquele ano, o rio ultrapassou os três metros no final de março (máxima do ano foi de 4,20m).

Em 2025, o nível atingiu 3 metros em junho, por volta do dia 10, chegando ao máximo de 3,17 metros (até o momento). Nos demais anos o nível máximo registrado foi inferior a 3 metros: em 2024 atingiu 1,47 metros, em 2022 chegou a 2,64 metros, em 2021 a 1,88 metros e em 2020 alcançou 2,10 metros.

Ou seja, em abril de 2023 chegou a três metros, vindo de um ciclo de seca, desde 2017, e que foi se agravando com o fogo de 2020 e 2023, tendo uma pequena cheia neste período e agora volta a bater o nível de três metros.

Antes da cheia, produtor recorreu a tecnologia para sobrevivência nos últimos 5 anos
Gado sendo levado para outro endereço na cheia do pantanal (Henrique Arakaki/Jornal Midiamax)
Produtor rural, Geverson Dierings, de 43 anos, também comemora a cheia e comenta sobre pragas vivenciadas nos últimos anos, translado do gado e a tecnologia empregada no Pantanal para a sobrevivência em anos anteriores.

“Tivemos cinco anos terríveis pro Pantanal, foi muito seco. Não que a seca não venha para o Pantanal normalmente, existe um ciclo de cheia e de seca, mas, essa última, esses últimos anos foram muito severos para o Pantanal. Teve pouca chuva, um ciclo de cheia muito pequeno, isso quando teve, então, teve um período que simplesmente choveu, molhou a terra, mas, não encharcou, não encheu de água”, relembrou o produtor rural.

(Henrique Arakaki/Jornal Midiamax)
Para sobreviver ao período crítico, Dierings fala em algumas medidas. “Foi necessário fazer bastante tanque, para acúmulo de água, para que os animais pudessem beber água, já que a falta da cheia trouxe essa quebra de ciclo, daí teve invasão da cigarrinha, por exemplo, que é uma praga que, normalmente, não ataca no Pantanal, como atacou nos últimos anos. Foi necessário combater com veneno, coisa que a própria cheia evita que aconteça”, argumentou.

No caso do gado, o produtor rural fala que houve casos tristes de animais passando sede, porém, que foram salvos com a tecnologia.

“A gente teve a ajuda da bombinha solar e assim que conseguimos passar por este tempo. Agora a gente está com água, veio a água graças a Deus, choveu além do previsto e por mais tempo, neste mês de junho, finalzinho de maio e início de junho, por exemplo”, comentou.

Em algumas regiões pantaneiras, o produtor rural comemora e ressalta que a chuva chegou a quase 100 milímetros.

“Foi muito além do que se esperava por uma chuva de inverno. E o Pantanal continua cheio. Eu, inclusive, estava conversando com moradores da região, que falaram que tem áreas na fazenda que eles não conseguem nem acessar ainda e não dá para trabalhar com o maquinário, por conta desse tanto de água, então, para o Pantanal, isso é muito bom. O Pantanal tem que ter água. O Pantanal tem que estar cheio“, ressaltou Dierings.

(Henrique Arakaki/Jornal Midiamax)
Com a expressão que é da própria região, o produtor fala que o bioma precisa “encher, bufar e trabalhar com o arreio molhado”.

“E graças a Deus está assim, está muito bom. E para as demais atividades também, como o turismo, por exemplo. A gente faz uma trilha anual aqui em maio. Em abril ou maio, teve algumas nestes últimos cinco anos, só que teve muitos cancelamentos também. Se eu não me engano, dos últimos cinco anos foram feitos trilhas só em dois, no primeiro e no último ano. Primeiro ano de seca e o último ano de seca. Nos demais nem foi feito trilha por não ter água nenhuma. E este ano a gente conseguiu voltar com muita água, graças a Deus”, finalizou.