Bolt e a busca pela perfeição: astro desafia próprios limites na luta pelo tri
Usain Bolt 200m mundial pequim / Foto: Getty Images

Aquele menininho agitado precisava de limites. Parecia ter asas nos pés, um raciocínio rápido demais e uma pré-disposição a não aceitar amarras. Sinais suficientes para que o pai o mantivesse sob rédea curtinha, o enchesse de tarefas caseiras. Mas virava e mexia, Usain Bolt dava um jeito de burlar o que era estabelecido. A coragem, a energia de sobra e o espírito competitivo despertado nas aulas de matemática - quando corria para a lousa para tentar resolver um problema antes de um amigo - permaneceram na vida adulta. E o conduziram na missão de surpreender o mundo. Se os estudos diziam que ninguém correria os 100m rasos abaixo de 9s60, lá ia ele mostrar que era possível, sim.

Em   um ano, baixou seu recorde de 9s69, estabelecido em Pequim 2008, para 9s58. A estimativa dos especialistas era de que em cada década a fração decimal fosse quebrada. Quatro atletas, além dele, haviam corrido na casa de 9s70/9s80. No entanto, Bolt pulou a casa de 9s60. Depois disso, apenas dois atletas correram 9s69. Por isso, o novo cálculo é que sejam necessárias duas décadas para superar esta marca. Só que o jamaicano é imprevisível. No Rio, fará sua despedida olímpica. Neste sábado,a partir das 12h, ele pisa na pista do Engenhão para disputar as eliminatórias dos 100m, prova em que busca o terceiro ouro.

Incansável, só costuma ser freado pelo corpo. Trata, volta às pistas e chega na frente de novo. Desde que se tornou o homem mais rápido do planeta em Pequim 2008, nunca perdeu para os rivais nos grandes eventos. A única derrota, na realidade, foi para si mesmo. Em 2011, se apressou na largada e acabou sendo desclassificado na semifinal da prova no Mundial de Daegu. É ali, na saída do bloco, seu ponto mais fraco. Se fracionada de 10m em 10m, a fragilidade fica nítida no comecinho da corrida. O estudo feito pelo site "Speed Endurance" comparou as parciais dele às de recordistas mundiais anteriores, na intenção de entender a evolução em 20 anos e o motivo de ele ter se tornado tão dominante.

Bolt perde algumas, mas mostra que a partir dos 70m é uma máquina. Pesquisas apontam que ele poderia ter quebrado ou quebrar seu recorde se conseguir melhorar o tempo de reação. Isso nada mais é do que o intervalo entre o tiro de largada e o início efetivo da prova. O mais rápido do mundo tem um dos maiores tempos de reação entre os mais velozes. Se comparado a Tim Montgomery, que marcou 9s78 em 2002, fez 0.165 (em 2008) e 0.146 (em 2009), contra 0.104 do americano. É mais alto - em 1,96m - e apresenta mais dificuldade para vencer a inércia. 

- Realmente, preciso melhorar minha largada. Os primeiros dez metros são sempre meus piores, a saída é ruim, a passada é ruim - diz Bolt, ano após ano.

Entendendo os segundos dos 100m

Os 100m são divididos em quatro etapas: velocidade de reação, velocidade de aceleração, velocidade de sprint e resistência de velocidade. Bolt é considerado perfeito em três delas. Consegue manter por mais tempo a fase de aceleração e tem maior velocidade na reta final. Tem passadas mais longas e mais fortes. Costuma dar três a menos do que seus rivais.

Num exercício realizado pelo mesmo site especializado, a soma das melhores parciais de cada um da lista de recordistas teria como resultado o número mágico de 9s44. O estudo opta por utilizar a marca de 9s69 de Tyson Gay, que acabou não sendo validada por ter tido ajuda do vento. Se será possível um dia alguém fazer essa corrida perfeita? Especialistas acreditam que sim, mas será preciso que apareça um fenômeno como Bolt, com suas características antropométricas e fisiológicas de suportar a fadiga, mas com um pouquinho mais de rapidez nos primeiros 40m da prova.

Perfeição neste momento para ele será cruzar a linha de chegada no Estádio Olímpico na frente. Prestes a completar 30 anos, teve problemas recentes com uma lesão muscular na coxa. Nem por isso perde a esperança de mais uma vez surpreender. Vai se colocar mais uma vez sob os holofotes, fazer o sinal da cruz, apontar para o céu e esperar pelo tiro de partida. E aí...

- Quero bater o recorde. Sei que é difícil porque perdi algum tempo de treinamento, mas nunca se sabe. Você pode entrar na pista e correr o mais rápido que pode.