Neste 07 de fevereiro, quando de celebra o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, infelizmente as notícias não são boas.

Bebendo água contaminada, indígenas de Dourados podem repetir tragédia yanomami
Neste 07 de fevereiro, quando de celebra o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, infelizmente as notícias não são boas. / Foto: Divulgação

Enquanto o Brasil e o mundo se escandalizam com a situação desumana em que vive a comunidade yanomami de Roraima, onde a desnutrição e as doenças causadas pelo consumo de água contaminada por mercúrio matou mais de 500 crianças, uma espécie de “tragédia anunciada” acontece na Reserva Indígena de Dourados, que abriga 18 mil indígenas e é a maior reserva do país. O fato não é novo: assim como os yanomamis hoje, em 2005 a desnutrição, que já existia nos anos anteriores, explodiu na Reserva, motivando a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) no Congresso Nacional e uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa.

Neste 07 de fevereiro, quando de celebra o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, infelizmente as notícias não são boas. O alarde criado pela divulgação e pela mobilização nacional e internacional obrigou as autoridade a tomada de medida para amenizar a situação e a desnutrição diminuiu, mas agora além da fome (que ainda existe) outro drama acomete a comunidade da Reserva: a falta de água para beber, que é talvez o mais elementar direito de um ser humano.

A quatro quilômetros do centro de Dourados, a reserva de 3,5 mil hectares faz divisa com o anel viário e é ladeada por plantações de soja, milho, cana-de-açúcar e condomínios de luxo. Nesses bairros, a água chega tranquilamente. Todos os moradores que fazem divisa com a aldeia têm água 24 horas. Mas, ao atravessar a rua e pisar na Reserva, a realidade é bem outra. O sistema de água da aldeia Bororó foi implantado pela Fundação Nacional de Saúde, a Funasa, extinta com a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) , a qual foi repassada a responsabilidade de coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no Sistema Único de Saúde (SUS).

Na década de 90, que com o passar dos anos, sofreu inúmeras ampliações desordenadas devido ao crescimento populacional acelerado, que deixou o sistema de distribuição de água, implantado na década de 90, totalmente obsoleto, deixando sem água quase que a totalidade das residências. A maneira encontrada pelos índios para terem acesso à água leva a um paralelo com a situação vivida pelo yanomamis, cuja causa principal das doenças e mortes é o consumo de água contaminada pelo mercúrio dos garimpos. Se lá o problema é o mercúrio, aqui o perigo é o agrotóxico: a área no entorno da reserva indígena recebe pulverização, e esses agrotóxicos contaminam as nascentes usadas pelos moradores Indígenas para coletar água em baldes e galões. Por ironia, os galões são os mesmos que trazem os agrotóxicos usados nas lavouras. Os casos de diarreia, dor de cabeça, vômito e outras doenças são comuns e crescem a cada dia, sobretudo nas crianças. A desnutrição vem a reboque e na mesma velocidade.

Uma alternativa para amenizar o problema seria a construção de mais poços artesianos, mas o que a população da Reserva quer mesmo é a entrada na Reserva da Sanesul, a estatal responsavel pelo saneamento e abastecimento de água para a população não-indígena em todo o estado. A medida esbarra na burocracia, no jogo de empurra e na legislação ultrapassada e que trata da mesma forma as aldeias com grandes extensões de terra e pouca densiadde demográfica e as aldeias com pouca terra e muita gente e localizadas próximas ou, no caso de Dourados, praticamente dentro do perímetro urbano. Acionada pela reportagem, o Departamento de Águas da Sanesul deu uma resposta lacônica: “Esta Sanesul declara não operar em nenhuma dessas áreas”, referindo-se às aldeias Jaguapirú, Bororó e Panambizinho.

Ainda que a desnutrição tenha diminuído consideravelmente de 2005 para cá, é consenso a necessidade de políticas públicas mais eficazes para a Reserva, que é praticamente um bairro de Dourados. Para o advogado Wilson Matos, membro da entidade Observatório Indígena “Muitas políticas úteis e necessárias foram implementadas, mas não o suficiente para se afirmar que a desnutrição foi totalmente debelada. A desnutrição é um mal que vive a rondar as nossas comunidades seja, pela pobreza extrema que ronda nossas comunidades, seja pelo abandono do estado nas três esferas de poder, com a ênfase para o distanciamento dos municípios, salvo algumas exceções'.

Uma das causas dessa situação que sem um intervenção oficial caminha para reprisar a tragédia yanomami pode ser a falta de estrutura da SESAI. Entrevistado que preferiu não se identificar apontou e medicamento, de profissionais e até de gasolina (” sempre falta”), o que impede o órgão de transportar as pessoas para fazer tratamento. Procurado para se manifestar, a direção do órgão afirmou ser necessária autorização do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI/MS), localizado em Campo Grande. Em contato com a reportagem, a Assessoria de Comunicação do DSEI indicou que o posicionamento fosse buscado junto à sede do órgão em Brasília, o que foi tentado sem sucesso em diversas ligações telefônicas.

Esse cenário, traçado de forma sucinta, já é conhecido pela recém empossada ministra dos Povos Originários, Sonia Guajajara, que disse em entrevista ao jornal Estadão que “existe uma crise em MS”. A esperança de lideres indígenas e da comunidade das aldeias em geral é que a próxima parada do Ministério, hoje ocupado em resolver a tragédia Yanomami, seja em Mato Grosso do Sul. Mais especificamente nas aldeias de Dourados.